sexta-feira, 24 de fevereiro de 2012

O Artista (The Artist) - M. Hazanavicius


O até então pouco conhecido diretor francês Michel Hazanavicius parece ter caído na graça do público e da crítica, seu último filme lançado no Brasil, O Artista, recebeu dez indicações para o Oscar em 2012.

A história é simples e singela: um grande astro do cinema mudo hollywoodiano não se adapta ao cinema sonoro e decai enquanto uma fã, que surge no mundo cinematográfico com sua ajuda, deslancha a carreira e se torna uma grande estrela.


Momentos divertidos e bem construídos, com um bom elenco e bela trilha sonora, porém sem o ritmo necessário.


Talvez o roteiro tente ser fiel demais à época a que retrata e não dialoga de maneira tão próxima com seu público do século XXI. Até o clássico de 52, Cantando na Chuva, parece ser mais atrativo e envolvente.


Michel parece ter ambições psicológicas de abordar crises de um artista com relação à fama, ego, sucesso, identidade... 

Mas esse conflito é colocado logo no início e não há um crescente tão profundo e enriquecedor, não há muitas especulações e não há novas questões agregadas, o conflito parece ficar se rodeando nas mesmas questões, mesmas ameaças e mesmas saídas.


Resulta em um bom filme, mas um pouco cansativo, aquém do que o artista Michel Hazanavicius parece capaz de fazer...

quinta-feira, 23 de fevereiro de 2012

O céu que nos protege (The Sheltering Sky) - Bertolucci


Autor de verdadeiras obras-primas cinematográficas, o italiano Bernardo Bertolucci é um diretor que merece ser visto e revisto em toda sua filmografia. Seja em exemplos mais recentes como Beleza Roubada, Assédio e
Os Sonhadores;


Seja em seus clássicos do início da carreira como
Antes da Revolução e O Último Tango em Paris;


Ou seja nesse exemplar de 1990:
O céu que nos protege.

Apesar do ritmo e estética um pouco datados, a construção do clima e das personagens, a relação construída entre seres e espaço. 

O vazio existencial X o vazio do deserto (tema que também presenciei recentemente no livro No teu deserto do português Miguel de Sousa Tavares), se aprofundando em temas como casamento, companheirismo, fidelidade, desejo, traições, ambições, sonhos, objetivos... 

E principalmente, uma reflexão indireta e densa sobre a falta de tudo isso, um filme sobre o tédio, sobre perdas de nem se sabe o que, sobre a aridez existencial... (em abordagem, como sempre, repleta de feminilidade, delicadeza e poesia)


Sensação angustiante no sentido mais profundo da palavra. De difícil e longa digestão... Pra ruminar por muitos dias (semanas, meses, anos) e crescer como só o grande cinema é capaz.


E aguardemos o próximo - que já está a caminho!

quarta-feira, 22 de fevereiro de 2012

Triângulo Amoroso (3) - Tom Tykwer


O diretor e roteirista alemão Tom Tykwer não pode ser acusado por falta de criatividade ou experimentações, destacado após o interessantíssimo Corra, Lola, Corra - verdadeiro exercício de linguagem;

Seguido pelo denso, mas também dinâmico A Princesa e o Guerreiro, depois por experiências internacionais: os hollywoodianos Paraíso e Perfume - a história de um assassino, ou o  coletivo Paris, te amo;


Tykwer parece agora ambicionar tramas mais dramáticas e maduras, ao menos é o que parece com Triângulo Amoroso.

Partindo de questões de um casamento de vinte anos de um casal na faixa dos 40: tédio X paixão, cumplicidade X novidade, ter filhos X não ter, ser filho X ser pai, profissão X relação, renovar X envelhecer... 

Tykwer constrói a história de Hanna e Simon que passam por situações como embates ideológicos profissionais dela (que trabalha com ciência genética), por câncer dele e de sua mãe, por dúvidas sobre ter filho e pela paixão de ambos por outrem...

Está armado o circo para o triângulo...


O problema é que Tykwer se perde entre tantas ideias e acaba construindo realmente um circo...

O filme começa com jogos de linguagem em mosaicos de telas divididas e efeitos  (que instiga ao princípio, mas depois se perde e parece deslocado - lembrando um pouco brincadeiras similares feitas por Cédric Klapisch em O Albergue Espanhol); 

Em seguida se passa à história de forma mais convencional: apresentação das personagens e afins; com as questões de doenças e possibilidades de morte vem efeitos espiritistas, que também dispersam no acompanhamento realista que se faz na maior parte do filme; 

E por fim as excessivas coincidências em torno do triângulo e o final inverossimelmente harmonioso acabam diluindo a força de questões tão complexas e profundas que são abordadas.

Discutir a monogamia, a opção sexual, o desejo X o amor são questões extremamente interessantes, ricas e profundas - vide inclusive o post anterior com comentários sobre Tomboy, entretanto aqui há muitas janelas abertas e algumas pontas parecem ficar soltas (ou gratuitas e desnecessárias).

Tykwer parece estar em busca de um caminho com temas mais densos, mas parece faltar umas aparadas nas arestas para chegar lá...

domingo, 19 de fevereiro de 2012

Tomboy - Céline Sciamma


Estimulante ver jovens promissores como a roteirista e diretora francesa Céline Sciamma.
Depois do sucesso com seu curta-metragem Lírios D'água (Naissance des pieuvres), Céline conseguiu projeção e recursos para dirigir uma bela e difícil história: Tomboy.

O mérito começa no casting de crianças e pré-adolescentes que nos conquistam pela graciosidade, espontaneidade e profundidade diante de situações tão complexas.

Especialmente Zoé Héran, que interpreta a protagonista Laure, menina que se apresenta como o menino Michaël, quase em uma versão pré-adolescente de Hilary Swank em Meninos não choram.

Zoé chega a parecer um hermafrodita, tamanha a dúvida gerada sobre sua identidade de gênero, fazendo valer e pensar discussões cada vez mais debatidas -

vide a última entrevista do cartunista Laerte Coutinho na TV, que pode ser assistida no youtube.

Laure é a filha mais velha de uma família classe média que acaba de se mudar para um novo condomínio em uma tranquila cidade francesa.


Laure tem que então se entrosar e se adaptar em uma nova vida e aproveita para se apresentar como Michaël. 

As tensões estão então plantadas: a cada novo amigo, nova interação e novo conflito a complexidade da situação vai aparecendo. E sempre num crescente e com uma suavidade e beleza juvenis.

Lembra o aspecto pueril de Minha vida em cor de rosa, do belga Alain Berliner, outro exemplar de como tratar a questão da homossexualidade na infância.

Sem falar no maravilhoso Amigas de Colégio, de Lukas Moodysson.

Em Tomboy as personagens secundárias também se destacam, seja pelo roteiro, pelos diálogos ou pelas atuações, por exemplo da personagem da irmã mais nova de Laure, ou pela menina por quem ela se interessa.

Passagens divertidas, comoventes, estimulantes.

Envolvem, entretem, comovem e incentivam a reflexão. Não é a toa que ganhou prêmios importantes, como Urso em Berlim em 2011, vale a pena!



quarta-feira, 15 de fevereiro de 2012

J. Edgar - Clint Eastwood


Clint Eastwood é um exemplo. Artista surgido como ator de faroestes americanos, um dos principais caubóis de filmes como Três Homens em Conflito de Sérgio Leone

Clint logo se aventurou também na direção, estreando com Perversa Paixão em 1971 e em seguida passando a atuar também como produtor e compositor de muitos de seus filmes (uma lista com mais de 30 títulos já).


Em quase 60 anos de carreira, Clint se mantém fiel ao cinema clássico e ao estilo durão dos seus primeiros personagens, mas parece estar sempre em busca de temas polêmicos e da subversão de sua própria persona.

Nas últimas décadas, Clint explorou temas como a eutanásia, a participação americana na 2a Guerra Mundial, a situação dos imigrantes nos EUA, a vida após a morte,

e um tema bastante recorrente que são os equívocos cometidos pela lei - fosse na adaptação do excelente livro de Lehane, Sobre Meninos e Lobos, no excessivamente melodramático A Troca ou em seu filme mais recente, J. Edgar.

Aqui, Clint conta a história de um dos mentores e criadores do FBI, J. Edgar Hoover. Hoover é apresentado por Clint como um obcecado pelo trabalho, compulsivo pela justiça, ou ainda, pela anti-criminalidade, já que esta "justiça" é questionada pelo filme.

(Talvez como O Espião que sabia demais, que também parece ter essa intenção, mas escorrega em seus excessos).


Afinal, compulsões exageradas levam a normas muito rígidas, inapropriadas ao comportamento humano.


Comportamento do próprio Hoover inclusive, que vive como um homossexual reprimido, nunca chegandondo a assumir o amor que ele compartilha com seu assistente e que segue fiel mesmo sem a consumação do sentimento.

Por isso, mesmo que não se crie empatia com esse protagonista, mesmo que o filme pareça excessivamente árido em seus ambientes de escritório e de "cenas de crimes", mesmo que o conservadorismo de Clint transpareça em suas escolhas de temas, personagens e linguagens, 

mesmo assim há um mérito inquestionável de sua busca incessante para entender o ser humano e colocar à prova sua própria persona (já que ele segue sendo o "machão" nos filmes em que atua).

Essa auto-ironia, esse humor fino, essa complexidade, esse mergulho no ser humano às vezes se perdem no tom,
como em A Troca ou Além da Vida, ou em excessivos elogios e falta de foco, como em Invictus e a história de Mandela.


Mas em outras vezes ele é preciso, ferino, denso e primoroso, como em Menina de Ouro ou Gran Torino.

Em J.Edgar, Clint se sai muito bem, apresenta uma boa (e verídica) trama, apresenta uma parte importante da história dos EUA e uma personagem complexa, tem ótimas atuações e tem um filme competente e equilibrado, mas talvez até por isso não seja tão pleno e não agrade tanto a todos.

Mas o eterno caubói certamente não se importa e continuará sua busca, aparentemente sem pudores, vergonhas ou receios (como prova também por sua atitude de não se envergonhar de seus quase 82 anos e suas marcas, registradas em capa de revista recentemente).

Por essas e tantas outras: vida longa ao Clintão!

terça-feira, 14 de fevereiro de 2012

O espião que sabia demais (tinker tailor soldier spy) - T. Alfredson


Depois de seu excelente filme anterior,
Deixa ela entrar, "filme de terror lírico", daqueles que ficam com o espectador (inclusive com lembranças que melhoram e se adensam com o passar do tempo) pela graciosidade e profundidade da relação de dois meninos em meio a uma história de vampiro... 


Agora o sueco Tomas Alfredson se arrisca ao clássico livro de John le Carré, para falar dos bastidores do Serviço de Inteligência do Reino Unido em uma época de extrema desconfiança e violência, os anos 70 e sua Guerra Fria.

Tema interessante, bom trabalho técnico (fotografia, som, arte...), ótimo elenco, porém o roteiro é mal construído. Segredos e não linearidades exageradas, que ao invés de deixarem a trama instigante, a deixam confusa e cansativa. 


Quase nada acontece no presente, mesmo situações que acabaram de acontecer, são sempre relatadas por um dos envolvidos. 

Assim as narrações se tornam extremamente excessivas, atravancando a fluidez dos fatos e fazendo com que as cenas sejam relatos ilustrados com alguns quadros praticamente estáticos dos acontecimentos. 

As traições, assassinatos, diálogos perdem todo seu caráter de ação (aviões e carros aparecem estacionados e sexo e flagrante são vistos em plano geral), que poderiam aproximar o filme de sucessos como a sequência 007 ou a trilogia Bourne.

Ou ainda exemplos de tramas policiais ou de suspense mais elaborados e profundos, como outra adaptação de Carré, O Jardineiro Fiel, de Fernando Meirelles ou o excelente exemplo alemão Os Falsários.

Ao final, Tomas acaba desgastando o espectador e fazendo diluir questões interessantes deste Espião, como a moral humana em relação à vida, as questões pessoais em relação às questões de Estado, os custos de se manter a ordem de um país, as crises de consciência etc. 

Talvez com o sucesso, ele tenha querido explorar muitos aspectos da trama com muitas desconstruções de linguagens e tenha se perdido de pequenos focos mais instigantes (como era o caso de Deixa ela entrar...).