terça-feira, 20 de março de 2012

Cidade das Mulheres (La città delle donne) - Fellini


Filmes oníricos e alegóricos não são para qualquer um. É muito fácil se cair em tramas aleatórias, simplistas, didáticas... O "tudo" facilmente pode virar "nada"... 

O mesmo perigo em se confundir moral com amoral e imoral, ou de se confundir a lógica distinta com a falta de lógica (questionada por exemplo por Lewis Carroll com suas Alices).

É preciso densidade, embasamento, e temáticas especiais - e também talento para manejar e construir um universo não real...
Também é preciso talento para se manter envolvente e tragar as pessoas...



Como faz Fellini em seu sonho de uma Cidade das Mulheres...


Ali os "fantasmas" de um homem mulherengo, interpretado com precisão por Matroianni - 

O alterego mais frequente de Fellini - trazem uma densa psicologia, passível de diversas interpretações psicanalíticas... 

Há desde uma construção da imagem feminina (pela sensualidade das matronas italianas, pela descoberta do desejo em situações proibidas, pela quantidade, qualidade e diversidade de mulheres possíveis de se conhecer na vida);


Até uma construção da maneira de se relacionar com as mulheres (no caso, de vê-las como objetos de seu desejo sem uma maior atenção e cuidado, caindo facilmente em comportamentos machistas altamente reprováveis).


Fellini se aproveita do "sonho" e do "delírio" para fazer várias críticas à sociedade machista, para dar um olhar bem humorado ao feminismo e para explorar as nuances de relações homem X mulher, dentro de seu próprio universo

(já que podemos intuir sobre sua família e sua descoberta da sexualidade através de seus outros filmes também).

A alegoria de certas personagens consegue ter diálogo com a adaptação de Joaquim Pedro de Andrade para Macunaíma, de Mário de Andrade;

A lógica de seu sonho oferece diálogo com o mais contemporâneo David Lynch e suas Mulholland Drives; e a estética dos anos 80 (o filme é de 1980) dialoga bastante com seu tempo, até fazendo lembrar do recente Death Proof - À Prova de Morte, de Tarantino (já comentado aqui), que também bebe nessa fonte...

Universo rico e que sempre vale a pena ser (re) visitado...
Mais uma vez: Viva Federico!!

segunda-feira, 19 de março de 2012

As Praias de Agnès (Les plages d'Agnès) - Varda


Artista, videoartista, superoitista, poeta audiovisual.


Em As Praias de Agnès, seu filme mais recente, Agnès Varda revisita sua vida através de sua obra e traz um diálogo sobre origens, infância, juventude, sonhos, amores, aspirações, inspirações, transpirações...

Trabalho: arte lapidada, debatida, degustada.


O documentário vale principalmente como registro sobre Varda, seus processos criativos, trechos de sua trajetória...

Mas também momentos de extrema poesia, como o início em que ela constrói um jogo de espelhos na praia... Transcriação de imagens de céu, mar e areia cheia de rimas, metáforas e melodia.

Válido também pelo registro de Varda contendo o registro de uma época fulmegante: cinemas novos, novelle vague, pop art, movimentos sociais, feminismo, panteras negras, rebelião de gauches...


Singelo, sensível, feminino (e profundidades bem colocadas por Julio Bezerra em sua crítica na Cinética).
Varda, 83 anos, diz ter sido seu último, mas quem sabe...
Cleo das 5 às 7 ainda pode nos trazer um quarto a mais...


domingo, 18 de março de 2012

Ensaio de Orquestra (Prova d'orchestra) - Fellini


Fellini parece dividir sua filmografia entre filmes mais narrativos, onde busca sentimentos profundos atrás de suas personagens carismáticas e sonhadoras - desde clássicos dos anos 50 e 60 como Noites de Cabíria e A Doce Vida, até seus últimos títulos como Ginger e Fred.


E entre filmes mais alegóricos, propondo situações complexas, reveladoras, denunciadoras, divertidas, em filmes mais "caóticos" como 81/2, Amarcord, Cidade das Mulheres e La Nave Va, ou o clássico de 78, Ensaio de Orquestra.



O filme, concebido para ser um especial televisivo é simples em sua construção:

Cerca de 70 minutos de filme fazendo as vezes de 70 minutos de história; um galpão de estúdio fazendo as vezes de um galpão de ensaio; poucos elementos de arte e figurino, decupagem simples, nenhum excesso ou rebuscamento.


A importância está na dramaturgia, nas discussões passadas durante um ensaio de uma orquestra revelando, por exemplo, as motivações de cada músico (amor à música, acomodação, sonho de sucesso etc)... 


Ou os conflitos entre o trabalho de inspiração e amor e o trabalho de ensaio, cotidiano, prática...

Por trás ainda há sugestões mais indiretas como a opressão causada por comandantes, o espírito ditatorial de "regentes" na vida, rebeliões e falta de direcionamento de executores, organização trabalhista...


Sempre sendo possíveis paralelos entre o filme e a própria vida de Fellini, orquestrada em interessantes registros audiovisuais.


De quebra ainda temos como cereja do bolo a belíssima trilha composta por Nino Rota...



E viva Fellini!