quinta-feira, 27 de setembro de 2012

Apenas o Vento (csak a szél) - Benedek Fliegauf


O jovem e atuante diretor húngaro Benedek Fliegauf vem merecendo atenção com seu longa mais recente, Apenas o Vento, vencedor de Berlin em 2012.

O filme é baseado em fatos reais, quando uma comunidade cigana (rom) sofreu massacres na Hungria. Por esse caráter docu-ficcional o filme já ganha importância antropológica e histórica, mas sua qualidade vai muito além...
Apenas o Vento tem uma narrativa simples, despretensiosa e intimista. 

Trabalha com pessoas locais (não atores) e representa seu cotidiano (acordar, comer, trabalhar, estudar, brincar);
em meio às locações reais, com pouca interferência de arte, enquadramentos simples, pouco trabalho sonoro e bastante crueza.


O que chama a atenção nesse cotidiano é a tensão presente, os olhares desconfiados e cabisbaixos, os silêncios, os ruídos...

Poucos diálogos e pouca interação, uma família marcada pelo medo em uma construção extremamente contida e talvez por isso extremamente impactante.

Profundamente sensível, interessante, vigoroso e envolvente. Uma nova mostra da força e potencial do cinema húngaro - marcado no Festival Indie de 2011 pela obra-prima Cavalo de Turim, de Béla Tarr - já comentado aqui.

Que venham mais e mais frutos do cinema húngaro!

domingo, 23 de setembro de 2012

Cargo 200 (Gruz 200) - Aleksey Balabanov


O russo Aleksey Balabanov é um dos homenageados do Festival Indie 2012, cineasta bastante atuante, é autor de diversos títulos desde o fim dos anos 80, como Cargo 200, de 2007, um dos destaques do festival.

Cargo 200 é um termo militar que se refere ao carregamento de corpos dos soldados mortos durante a guerra do Afeganistão enviados à ex-URSS. 

O filme parte desse e outros fatos verídicos para contar a história de um professor de ateísmo científico e de jovens conhecidos de sua sobrinha que passam por uma mesma fazenda a partir de onde se desencadeará uma tragédia.

O professor é acolhido (mesmo que sem muita receptividade) e ajudado pelo dono e funcionários de sua fazenda para consertar seu carro que quebrou no meio da estrada.

Ali prova da vodka feita no local e se envolve em discussões delicadas sobre a existência ou não de Deus.

Um pouco mais tarde, vão parar na mesma fazenda o namorado e a amiga de sua sobrinha, que estão em uma noite de flerte e bebedeira e que precisa de reabastecimento na fazenda.

Porém a garota se torna alvo de desejo, de brigas fatais e de sequestro e passa por verdadeiros horrores.

O filme é curioso por ser fiel ao tempo que retrata, os anos 80, parecendo ter sido feito na época, dadas suas cores, músicas, direção de arte.


E também curioso por usar uma história tão forte e trágica para fazer uma metáfora da situação da Rússia pós soviética.

A crise se vê, a falta de convicções, conflito de ideologias, falta de rumo, mas se dão de maneira mais alegórica e que não cativam tanto...


Talvez falte conhecer mais do contexto, da história, e mesmo da cinematografia de Balabanov para se envolver mais com o filme...

sexta-feira, 14 de setembro de 2012

Cosmópolis - Cronenberg


A mente criativa, borbulhante e perturbada de Cronenberg (de filmes como A Mosca; Gêmeos - mórbida semelhança ou o recente Método Perigoso - os dois últimos já comentados aqui), dessa vez nos apresenta Cosmópolis...
Uma espécie de mundo paralelo, mas para o qual parecemos estar a caminho, rumo a uma colisão...

Um jovem empreendedor milionário parte em uma jornada em sua limosine, pela janela do carro acompanha trânsito, manifestações e ameaças (semelhante a cenas de filmes de catástrofe e fim do mundo tipicamente americanos).

Entretanto o filme é muito mais cerebral do que de ação (nas ações existentes, ausência de sentimentos: sexo parece ação mecânica, casamento ato protocolar, corte de cabelo tentativa - frustrada - de resgate da infância...).

No carro, semelhante a aparatos de ficção científica (familiar a Cronenberg) o protagonista, Eric Packer, vivido pelo queridinho adolescente Robert Pattinson, recebe visitas:

(participações especiais de grandes atores como os franceses Juliette Binoche e Mathieu Amalric) não para conversas simplesmente, mas para exposição teóricas de visões do mundo e previsões para um sistema capitalista selvagem.

Não há muita empatia possível para o filme, há uma avalanche de ideias e conceitos, quase tão massacrante quanto à opressão apresentada (onde trilhardários podem perder a fortuna em segundos, onde trabalhadores se vem absurdamente explorados, onde há um medo constante e falta de desejo e perspectiva, onde parece se ter acesso a tudo, mas na real não se tem acesso a nada).

A falta de empatia talvez se dê por o filme ser frio, não nos dar a chave dos sentimentos de seus personagens, mas da sociedade... 

A depressão seria menos aquela intimista pesquisada por Freud e Jung (tema de seu filme anterior) e mais a depressão social, semelhante à de 29, semelhante à descrita por grandes sociólogos como Eric Hobsbawn e Noam Chomsky, e que deve ter inspirado o autor do livro em que o filme se baseou: Don Delillo.

Depressão muito bem debatida na cena final em que o Eric Packer encontra um ex-funcionário seu, vivido por Paul Giamatti, marginalizado, que não soube "jogar o jogo", mas não por falta de consciência...

A consciência está ali, já saber o que fazer com ela...

terça-feira, 4 de setembro de 2012

Alyah - Elie Wajeman


Estreia em longas de Elie Wajeman, Alyah conta a vida de Alex, jovem de família judaica francesa, que se vê perdido e sem rumo.
Sua vida está resumida ao envolvimento com tráfico e com a vida marginal e criminosa de seu irmão extremamente aproveitador.
Alex, vivido por Pio Marmaï (também ator de A Delicadeza do Amor, já comentado aqui), é extremamente contido e buscamos nas lacunas de seu silêncio quais serão realmente seus sonhos e desejos.

Já que ele vai se entregando a situações que aparecem: como abrir um restaurante com um primo em Jerusalem;

 Ou se envolver em um romance com uma amiga de sua ex-namorada - vivida por Adèle Haenel, (de L'Apollonide - os amores da casa de tolerância, também comentado aqui).

O elenco, a linguagem, os diálogos e a trama contribuem para o desenvolvimento do filme, queremos saber mais sobre Alex e pra onde ele poderá ir (ou não ir), 

Mas certos excessos da narrativa (por exemplo colocando o irmão quase de maneira caricatural ou arrastando o final além da conta) acabam deixando um pouco a desejar.
Estreia com potencial, mas Wajeman pode tentar ir além na próxima!

segunda-feira, 3 de setembro de 2012

Festival Internacional de Curtas de São Paulo 2012


Bem menos divulgados e comentados do que os longas-metragens, os curtas não são apenas filmes pequenos, mas um outro formato.

(assim como crônicas e contos não são como romances pequenos).

Muitas vezes difícil para os realizadores tão habituados a verem apenas longas-metragens não quererem construir narrativas com a densidade e dimensão de um longa e acabarem se perdendo entre tantas ideias.

Por isso, em geral se destacam aqueles curtas que se apropriam e exploram o formato, seja trazendo um único conflito bem explorado - como O Duplo, de Juliana Rojas, (diretora de diversos curtas e também do longa Trabalhar Cansa, comentado aqui), que constroi magistralmente um conflito, personagem, ambiente, clima (muito bem colocado dentro dos gêneros de suspense e terror), justamente sobre crises de identidade a partir da possibilidade de um duplo. 

Tema universal e extremamente bem realizado, fazendo jus ao seu percurso internacional em festivais - estreado com menção honrosa em Cannes 2012 e premiado nesta edição do Festival de São Paulo; 

Seja trazendo comentários de uma situação ou apresentando um ponto de vista - como Vestido de Laerte, de Pedro Marques e Cláudia Priscilla, que apresentam com graça e despretensiosamente um pouco do universo do cartunista;

Ou Linear, de Amir Admoni, um mix de diversas linguagens de animação, trazendo um personagem empático com o qual podemos nos identificar em inúmeras metáforas possíveis (contra a ordem, o sistema, a burocracia);

Ou ainda o internacional Este não é um filme de cowboy (Ce n'est pas un film de cow-boys) de Benjamin Parent, que apresenta adolescentes conversando sobre o ótimo longa
O Segredo de Brokeback Mountain,
de Ang Lee, e assim expressando suas opiniões, ideologias, e apontando personalidades, desejos, curiosidades... Diálogos simples mas com questionamentos complexos sobre a sexualidade;

E também Horizonte, de Paul Negoescu, que começa com imagens fortíssimas e extremamente criativas e personagem interessante, mas que se perde ao encaminhar o desfecho. Afinal, mesmo sendo curta, a narrativa pode se perder;

Outra forma de explorar o formato de curta-metragem é focar na construção de personagens, se dedicar às suas personalidades e às suas possibilidades de caminhos explorando e instigando com as possibilidades e lacunas.

Como busca Amores Passageiros, de Augusto Canani, com personagens bem construídas (como o solitário limpador de esgoto vivido por Osmar Prado) , mas com conflito que vai se esvaziando no decorrer;

Foco na personagem é também o caso de Animador, de Fernanda Chicolet e Cainan Baladez, sobre a animadora de parque de diversões que vive uma vida nada animada, cinza e pobre, mas repleta de riqueza psicológica e de possibilidades que se abrem aos espectadores, inúmeras lacunas que fazem com que filmes como esse permaneçam conosco em infinita metragem... (e que também foi destaque entre a votação do público e dos parceiros que distribuem prêmio no festival).

Viva o festival e esperemos sua 24a edição!
(comentários da edição 2011 aqui)