quinta-feira, 30 de março de 2017

Estopô Balaio - Cristiano Burlan


Cristiano Burlan tem se apresentado como um dos cineastas mais atuantes de sua geração. Um investigador da realidade e curioso também pela dramaturgia e linguagem teatral, Burlan tem se envolvido com experiências diversas e frutíferas.


Da história extremamente pessoal, crua e contundente de Mataram meu irmão - já comentado aqui

Passando por Hamlet, Amador ou Fome, destaca-se um documentário simples e profundo: Estopô Balaio.

O filme registra a vida dos moradores do Jardim Romano, bairro da extrema Zona Leste, já na divisa com Guarulhos, Suzano e Itaquaquecetuba.

Ali, um dos problemas mais graves e recorrentes é a cheia do rio e o inundamento de ruas e casas.

Burlan faz um registro simples e honesto, sem muita interferência da narração cinematográfica e apostando no diálogo com os moradores, não só por seus depoimentos no filme, mas também por seus olhares impressos em câmeras que muitas vezes eles mesmos que portaram.

Esse embaralhamento de discursos se torna ainda mais rico por acompanhar um grupo teatral surgido no bairro - Estopô Balaio - que também se inspira nas histórias dos moradores para fazer sua arte.

Tudo no documentário ganha um misto de realidade e arte. E apesar de ficar restrito nesse único tema e universo pode permitir muitas reflexões além em seus espectadores.

segunda-feira, 27 de março de 2017

Sully - Clint Eastwood


Aos 86 anos, Clint Eastwood ainda é um dos cineastas mais atuantes da contemporaneidade. Sensível aos temas que o cercam, Clint sabe ver o potencial de uma história, em seus últimos filmes estão presentes questões profundas e contemporâneas - como a eutanasia em Menina de Ouro ou a relação entre diferentes etnias e culturas nos EUA em Gran Torino


Histórias extraídas de bons livros - caso de As Pontes de Madison e Sobre meninos e lobos


Bons personagem - caso de Invictus, J. Edgar, Sniper Americano


Ou ainda histórias reais como A Troca, Cartas de Iwo Jima ou seu filme mais recente Sully - a maioria comentada no blog.


Em Sully, Clint se inspira num acidente acontecido nos EUA em 2009, no qual um piloto ao ver sua aeronave em pane, decide fazer um pouso no rio Hudson, em Nova Iorque.

A operação era arriscada (nunca havia sido feita com sucesso) e apesar de não ferir nenhuma das mais de 100 pessoas a bordo, é questionada devido aos riscos envolvidos.

O filme acaba sendo sobre a dúvida sobre essa operação, começa ensaiando um conflito profissional de desdobramentos psicológicos, tecnológicos, éticos, mercadológicos etc. Mas que não são muito desenvolvidos.

O piloto é questionado, vive brevemente a crise, mas ao final tudo é esclarecido sem nenhuma nuance ou dúvida, fazendo com o filme seja raso e plano e não acompanhe as curvas do vôo tão emocionante.

Talvez para um público afeito a tomadas aéreas, emoções de catástrofe e buscas de herói o filme faça mais sentido. 

Mas pra quem espera que a partir daí possam surgir outras alternativas como questões pessoais da vida do piloto, questões financeiras da cia aérea, questionamentos sobre talento humano X tecnológico, o filme não decola: 

Sem muitas curvas dramáticas, com personagens pouco desenvolvidos, cenas repetitivas e com repetições de cenários, cores, expressões, trilhas... Acaba bem aquém de suas possibilidades de alcance.

O Filho de Joseph (Le fils de Joseph) - Eugène Green


O americano radicado francês Eugène Green é conhecido por seu estilo barroco, de humor contido e cheio de cinismo, que traz histórias contemporâneas com muitas referências artísticas e históricas. É assim em seu último longa O Filho de Joseph.


Aqui, Green parte de pinturas de Caravaggio e histórias da Bíblia para contar os conflitos de um adolescente em busca da identidade do pai.

A narrativa traz diversas situações corriqueiras como a relação com amigos adolescentes (suas maldades, tentativas de trabalho, tédio etc), a relação com a mãe, suas tentativas de alcovitar um parceiro para ela, o triângulo formado com a possibilidade dessa nova relação etc.


Mas não é tanto no que conta, mas em como conta que está a particularidade de Green.

Numa linguagem rebuscada (em diálogo com o barroco), na qual a forma por vezes se sobrepõe ao conteúdo e nos deixa numa tensão intelectual que não permite um envolvimento maior com os personagens e com a história.

Desde os personagens lançarem seus olhares para a câmera (e não na angulação que nos daria a sensação de olhar aos outros personagens), até o tempo da montagem, que não permite que os diálogos fluam, tudo nos leva a um distanciamento que podem propiciar as relações racionais e culturais pedidas.


O resultado é um filme rico e interessante, mas não necessariamente agradável ou mesmo palatável.

quinta-feira, 23 de março de 2017

Belos Sonhos (Fai bei sogni) - Marco Bellocchio


Bellocchio é um dos cineastas italianos contemporâneos mais atuantes, só nessa década além de curtas e documentários, dirigiu nove longas-metragens como Irmãs Jamais, Vencer, e A Bela que dorme - comentados aqui - ou o mais recente: Belos Sonhos.

Mais uma vez com elementos biográficos, mas dessa vez emprestados do romance de Massimo Gramellini, Bellocchio traz as lembranças de um homem sobre sua infância e as descobertas de fantasmas do passado.


A mãe, a política, a orfandade, o amadurecimento, o trabalho como jornalista.

Uma história rica e bem ilustrada, mas que um protagonista muito pouco carismático não nos deixa aproximar.

Mesmo com o filme começando com sua versão menino, nem isso se torna atrativo, já que esse protagonista nunca é dono de suas rédeas, de seus desejos, e nem mesmo de suas dúvidas.


Talvez exatamente isso que Bellocchio quisesse buscar, já que há uma riqueza muito grande em traumas ocorridos na infância e as versões que são contadas às crianças.


Mas fica faltando a convulsão latente e o transbordamento das descobertas, o encaminhamento tão sóbrio dos acontecimentos faz com que o filme fique aquém de suas possibilidades.

Um interessante panorama de uma época e uma rica premissa, mas que poderiam nos envolver bem mais (ainda mais se tratando de Bellocchio e seu grande talento narrativo...Aguardemos o próximo então!).

quarta-feira, 22 de março de 2017

Fatima - Philippe Faucon


O diretor marroquino Philippe Faucon que já havia trazido outros filmes com protagonistas femininas, como Samia e Dans le Vie, agora nos traz Fátima.



A história da mulher que vive na França e tem que se desdobrar para enfrentar os preconceitos contra sua cultura árabe e para educar as duas filhas (tanto adaptá-las ao estilo de europeu, quanto manter o respeito pelas origens).



O filme acompanha esse cotidiano, sem grandes atos mirabolantes, cenas trágicas ou questões externas:



As dificuldades dela de se adaptar a uma nova língua e alfabeto, o desafio da filha de não poder decepcionar a dedicação da mãe aos seus estudos, a rebeldia daquela que não se sente acolhida pela nova cultura e nem pertencente da de sua mãe, a exploração aos imigrantes etc.


Boa foto, som, montagem e o mais importante: um ótimo roteiro e elenco.


Assim, no intimismo, poesia e profundidade desse dia-a-dia se encontram a preciosidade do filme.

Nos faz lembrar o nosso Que horas ela volta? - também comentado aqui - no qual a mãe vive a desigualdade de classes e se sujeita a injustiças que começam a ser percebidas e questionadas pela geração futura.

Sem o humor e com questões culturais mais complexas, Fátima também nos aproxima dessa mulher e nos provoca diversos sentimentos e reflexões.

Filme singelo e muito competente, merece destaque e público!

Que horas ela Volta? - Anna Muylaert


Sempre flertando entre o drama e a comédia, Anna Muylaert , de filmes como Durval Discos e É Proibido Fumar - já comentado aqui - acertou a mão em cheio em Que horas ela volta?

A premissa que só foi possível a partir das mudanças vividas nos últimos anos no Brasil, permitindo o acesso de milhares de pessoas a universidades. E mais do que isso: permitindo sonhos de mudanças na pirâmide social e outra maneira dessas classes se relacionarem entre si.

Relações patrões-empregados tendo seus vínculos de servidão e todo tipo de abusos (assédios morais, sexuais etc) questionados.

Começamos acompanhando a vida de Val, empregada doméstica de muitos anos de uma família de classe alta, graciosamente vivida por Regina Casé

Entre seus muitos atributos tem o de cuidar do filho do casal. Não apenas preparar a comida e limpar suas roupas e quarto, mas é a ela também que cabe lhe dar atenção e carinho.

Tudo é vivido em certa harmonia, até a chegada de Jéssica, filha de Val, vivida pela promissora novata Camila Márdila, que nunca pôde conviver com a mãe, para que essa pudesse trabalhar e lhe mandar dinheiro para estudar.

Jéssica é a jovem estudada, esperta e impetuosa, que acredita poder fazer um dos melhores cursos de arquitetura do país e que não entende porque tem que ficar em um quarto minúsculo com um quarto de hóspede confortável e espaçoso disponível na casa dos patrões, ou por que há um sorvete específico comprado apenas para os donos da casa, por exemplo.

Jéssica chega para mudar um ciclo repetido por séculos, e chama a atenção de sua mãe de que as coisas podem ser diferentes e que a filha não precisa sofrer o mesmo que ela sofreu.

Além da trama rica e instigante, ao mesmo tempo política e intimista, vemos também a ótima atuação das protagonistas, que nos deixam absorvidas pela trama.

(e até nos fazem relevar algumas interpretações mais fracas ou alguns excessos de roteiro como a cena de assédio do patrão).


Filme necessário para se pensar não apenas no cinema contemporâneo, mas no Brasil de hoje, ontem e de amanhã.