domingo, 22 de novembro de 2015

Perdas e Danos (Damage) - Louis Malle


Penúltimo filme do grande diretor francês Louis Malle, Perdas e Danos é baseado no livro de Josephine Hart.

O filme traz uma densa história cheia de revelações e reviravoltas entre os diferentes traumas, complexos e conflitos de personalidades de seus personagens principais.


São tantos os dramas que o filme se constrói de maneira esquemática e fica frio, beirando o artificialismo.

A moça estranha que começa a namorar o filho de um ministro inglês e passa também a se relacionar com o próprio e aos poucos os vai envolvendo em sua trajetória trágica, bem aos moldes gregos, com os personagens parecendo peças de um destino.

Malle é extremamente competente em sua direção de atores, decupagem e demais escolhas estéticas, mas acaba confeccionando tantas molduras e precisão para os atos que narra que as emoções ficam contidas e esquemáticas. 

Fica difí cil nos envolvermos com o filme e nossa relação com a trama se torna extremamente racional. Algo comum em outros filmes da época, mas visto hoje, 30 anos após ter sido feito, resulta frio.

As perdas e danos parecem um caso de análise de direito ou psicanálise, sem nuances mais humanas e emocionais.

sábado, 21 de novembro de 2015

Las Insoladas - Gustavo Taretto


O diretor argentino Gustavo Taretto vem amadurecendo sua identidade com roteiros intimistas, próximos a seus personagens, observadores do mundo em que vivem, em filosofias cotidianas, sejam profundas ou pueris...


Foi assim com Medianeras - já comentado aqui.
E também com Insoladas.


Porém em Insoladas Taretto não fala tanto sobre seu universo de jovem urbano de classe média, fala de uma classe um pouco mais baixa e, principalmente, fala - ou tenta falar - do universo feminino.

Aqui seis mulheres tomam sol na laje de um prédio e se preparam para um concurso de dança em que vão participar na mesma noite.

Na longa tarde que passam ali, fazem cuidados estéticos, comem, bebem, choram, riem, falam sobre a dança, sobre os preparativos, sobre a possibilidade do prêmio, sobre seus cotidianos e seus sonhos.

Mas privilegiando o ritmo e o humor do filme, Taretto fica em um limiar do humor prosaico e de estereótipos e se apoia em alguns clichês que muitas vezes nos afastam de suas personagens.

O interessante trabalho estético, criando um visual de exageros, que nos aproximam dos anos 80 ou do mundo "Barbie" de cores plastificadas também contribuem para essa relação com as personagens e seus gestos.

A riqueza e perspicácia de seu olhar permanecem, mas se mostram menos eficientes num universo menos próprio dele, como havia mostrado no sensível Medianeras, Insoladas tem sua graça, mas lhe falta um pouco de densidade.

sábado, 5 de setembro de 2015

Adeus à Linguagem (Adieu au langage) - Jean-Luc Godard


O célebre cineasta francês mostra sua inquietude, curiosidade e reflexões com vigor em Adeus à Linguagem.

Nos últimos anos Godard já mostrou o interesse nas novas mídias e linguagens e tem estudado como incorporar em seus discursos. Foi assim em Filme Socialismo ou 3x3D - já comentado aqui.

Aqui Godard faz um ensaio filosófico audiovisual. Traz pensamentos e ideias e ilustra com imagens em uma narrativa que numa primeira impressão pode parecer um mosaico desconexo, mas que está mais próximo de um filme em total diálogo com o caos de pensamentos contemporâneos.

De difícil digestão, saímos do filme marcados pela experiência intensa e conturbada. Sem um foco ou um fio narrativo, as impressões são múltiplas e variadas, mas sem dúvida marcantes.

terça-feira, 25 de agosto de 2015

Casa Grande - Fellipe Barbosa


O jovem carioca Fellipe Barbosa, que já tinha se destacado no cinema com seus curtas, faz sua estréia em longas. Casa Grande é ousado e foi bem recebido pela crítica.

Como o título já sugere, coloca o dedo na ferida da desigualdade social do Brasil ao retratar uma família de alta classe em decadência no Rio.

As dificuldades que vão passando, a maneira como têm que se privar dos luxos que tinham e o modo como vão se aproximando das classes sociais mais baixas, aquelas que antes os serviam é bastante interessante.

A premissa é muito bem colocada e com o diferencial de trabalhar com diálogos e interpretações naturalistas, quase sem empostação.

Nem para todo elenco e cenas funciona (há diálogos extremamente simplistas e até precários), mas ao mesmo tempo resulta em sequências envolventes, divertidas e de grande frescor. 

O adolescente como protagonista também é um ponto positivo pela riqueza do momento de descobertas em meio a tantas reviravoltas.

O roteiro também não busca empostações ou rebuscamentos, as cenas vão se sucedendo umas às outras e cativam com isso.

Em algumas passagens há ações que sobram ou faltam, mas no geral o filme traz uma estrutura diferente e interessante.

Os outros elementos da linguagem também não têm grande rebuscamento: a decupagem, foto e sons são simples, que funcionam.

Talvez lapidadas a mais deixassem o filme mais especial, mas como estréia aponta um futuro promissor.

terça-feira, 18 de agosto de 2015

Sotto Voce - Kamal Kamal


O diretor marroquino Kamal Kamal é um dos destaques da 10a Mostra Mundo Árabe de Cinema em São Paulo.

Com seu filme Sotto Voce ele acompanha os relatos de um senhor sobre suas memórias do período da Guerra da Argélia (1954-62), quando, com um grupo de argelinos, tenta cruzar a fronteira entre Argélia e  o Marrocos, eletrificada, minada e vigiada,

Interessante poder se aproximar de outra cultura e conhecer referências distintas. Mas, nesse caso, difícil acompanhá-las.

Há um excesso de informações, linguagens e abordagens e a mistura ao invés de enriquecer o filme, o empobrece. Apesar de todos os excessos, na verdade a narrativa é rasa e ingênua.

Primeiramente se apresenta a história de uma jovem violoncelista que é violentamente atacada e em sua recuperação se aproxima de um senhor que é seu vizinho.

Nessa introdução já entramos em contato com uma narrativa simplória (em ritmo, metáforas e, principalmente, interpretação).

Entramos então na história dentro da história e aqui o gosto do diretor pela música (afinal ele também é compositor) muitas vezes se sobrepõe ao drama.

O protagonista talvez seja uma espécie de alterego do diretor, pois é um aficionado por ópera e quer treinar jovens surdos a cantarem.


Entre os jovens está uma garota que ao ser abusada se vinga e é condenada, mas consegue-se escapar.

E aí que esse grupo se une a um revolucionário marroquino e todos se unem para tentar desativar algumas minas e chegar ao Marrocos.

Muitas perdas nessa tentativa e o relato de culpa por parte do senhor sobrevivente.

Falta um posicionamento mais definido dessa narrativa em termos políticos e dramáticos.

Falta uma definição maior também se ao diretor apetecia mais fazer uma ópera do que um filme.

Ou talvez também falte um envolvimento maior com a cultura árabe para poder compreender melhor. Seja como for, fica a desejar...

sexta-feira, 7 de agosto de 2015

Rainha & País (Queen and Country) - John Boorman


O experiente cineasta inglês John Boorman lança um novo filme após oito anos de jejum e retomando história, personagens e um cenário autobiográfico.

Em Rainha & País vemos o jovem Bill diante do país em guerra. Ele é convocado pelo serviço militar, mas não vai a campo, fica na base desenvolvendo trabalhos burocráticos, ao lado de seu melhor amigo Percy.

Ali têm uma atitude contestadora, mas com certo humor (inglês), irresponsabilidade e displicência (parecendo mais infantis até do que de fato são).

Bill também vive os conflitos da puberdade: desejo, atração, paixão...

E, nos romances em que se envolve, alguns temas são lançados: medo da entrega, decepção, depressão, ciúmes, fidelidade, incesto...


Assim também entram situações e questões familiares do protagonista.

As bases do filme são ricas e interessantes, já a maneira como usa suas armas de direção, fica a desejar e o filme passa sem que as cenas definam ao que vieram.

Falta um melhor desenvolvimento da trama, clímax nas cenas e conflitos, aprofundamento dos temas.

Talvez se conhecendo melhor sua cinematografia seja mais fácil se envolver e captar a chave da narrativa. Apenas por essa Rainha e esse país, tudo parece frouxo...

sexta-feira, 31 de julho de 2015

What happened, Miss Simone? - Liz Garbus


Liz Garbus é uma documentarista americana bastante produtiva, com dezenas de filmes em sua carreira, enfrentou o desafio do tema Nina Simone em What happened, Miss Simone?

Eunice Kathleen Waymon, mais conhecida como Nina Simone é uma figura ímpar e isso é confirmado pela pesquisa apresentada pelo documentário: uma das oito crianças de uma família humilde na Carolina do Norte, que desde a tenra idade acompanhava ao piano os cultos que a mãe ministrava e onde seus irmãos cantavam. 

Daí a evolução de sua carreira: das apresentações nos cultos, para aulas de piano na pequena cidade, passando a estudante em Juilliard, mas sendo limitada pelo preconceito que a impediu de ir além nos estudos.

E fez ter que desviar da música clássica para apresentações de músicas populares em bares (passagens que muitas vezes são ilustradas com cenas de reconstituições misturadas organicamente e por isso infiéis ao tom de neutralidade buscado).

A partir disso os pontos altos do documentário: quando ela foi se destacando no mundo do jazz e do blues e que a fez lançar músicas e discos e começar a ser conhecida e reconhecida.

Além da carreira, o filme também vai mostrando passagens da vida pessoal, como a relação conflituosa com o marido: possessivo e controlador no princípio - o que lhe permitiu uma obstinação e sucesso, mas também um nível absurdo de stress e falta de autonomia sobre a própria vida.

As revelações de que esse limite de controle foi ultrapassado e culminou em cenas chocantes de violência, até a separação. E de como isso repercutiu em sua relação com a filha.


Em seguida o documentário apresenta o envolvimento de Nina na luta de igualdade racial nos EUA e certo boicote e ostracismos que teve que viver por conta disso.

Também apresenta a descoberta da bipolaridade e como ela se tratou e viveu em seus últimos anos.


Conhecemos então suas muitas facetas, mas sem uma costura orgânica. Cada assunto é apresentado quase que de maneira compartimentada (carreira, casamento, luta, política, temperamento).

Essa abordagem por um lado ajuda a revelar justamente como Nina era muitas em uma só, mas por outro vai contra sua complexidade, sem desenvolver muito como os diferentes aspectos de sua vida se relacionavam (por exemplo com a constatação ao final de que Nina era bipolar não vem nenhuma outra reflexão, que evidentemente podem ser feitas pelos espectadores.

Mas poderiam ser aprofundadas por outros personagens importantes na vida dela como parentes, amigos ou mesmo médicos).

A biografia está ali, com "o que acontece" em cenas incríveis de apresentações e alguns depoimentos preciosos. Mas o título sugere muito mais, parece se propor uma investigação que o filme não dá conta.

Ele não busca os "porquês" ou os "como" as coisas aconteceram e sem isso é impossível apresentar uma resposta mais elaborada.

Essa "neutralidade" de Liz Garbus pode ter um aspecto positivo de se evitar especulações sem que possamos ouvir a própria Nina e dando mais liberdade ao público.

Mas por outro, ao evitar os tantos vespeiros, chega a se tornar infiel à história: não aprofunda nada sobre as violências sofridas por Nina pelo marido e fala bastante mas de maneira superficial sobre a relação dela na luta pelos direitos civis. 

Por exemplo, o filme não cita em nenhum momento o Movimento Panteras Negras (um dos mais importantes da época e de que Nina fez parte) e não detalha o boicote sofrido por ela pela sua atuação política.


Como trazer no título a pergunta "o que aconteceu?" e não se perguntar mais sobre a saída de Nina dos EUA e muito menos se algum dia ela desejou voltar.

Liz parece optar por não defender e idolatrar a artista (o que é muito comum acontecer em documentários sobre uma pessoa, como em Os EUA X John Lennon - já comentado aqui, que busca um tom mais imparcial, mas em que se vê o lado defendido). 

Mas será que um nome como Nina Simone não permanece tão vivo entre nós por ela ser realmente fora do normal e ir além em vários sentidos, de uma maneira que o documentário não ousou ir?