sábado, 25 de outubro de 2014

O Segredo das Águas (Futatsume no mado) - Naomi Kawase


Diferente o Japão que a diretora Naomi Kawase nos apresenta. Faz lembrar mais filmes de outras culturas orientais como a do filipino Apichatpong e seu Tio Boonme - já comentado aqui

Tanto pelo cenário praiano, visto com menos frequência em filmes japoneses, como pelas personagens espontâneas e sensoriais.

Naomi traz em O Segredo das Águas mais do que segredos, mas mistérios. Num filme cheio de símbolos vemos rituais de amadurecimento e morte e nos encantamos com a beleza e poesia dos sons e imagens.

O tratamento intimista que faz de suas personagens é bastante envolvente, em especial da garota vivida por Jun Yoshinaga, que encanta por seu rosto carismático, sua linda voz e suas ações. 


É ela a personagem central da história, tanto por se relacionar com sua mãe que adoece quanto por seu despertar de mulher e de paixão.


Filme interessante pelos elementos diferentes que trabalha, entretanto que peca por certo excesso.

Exagera em certa poesia que acaba resvalando em pieguice e moralismo. Talvez deixando as mensagens mais secretas poderíamos mergulhar mais em suas águas: explicar menos para nos envolver mais...

sexta-feira, 24 de outubro de 2014

Falando com Deuses (Words with Gods) - Guillermo Arriaga e outros

Falando com Deuses faz parte de um projeto de Arriaga extremamente interessante: falar de temas que causam polêmicas em nossos tempos, a ponto de causar guerras, mortes ou outros atos extremos.

O sexo e as drogas são temas do projeto, mas que Arriaga decidiu deixar pra depois, preferiu começar com a religião, por achar mais polêmico e complexo (palavras do próprio ditas ao vivo em evento da Mostra Internacional de Cinema de São Paulo em 2014).

Arriaga disse que inclusive foi difícil reunir tantos diretores ao redor do tema, mas pouco a pouco foi angariando seu rebanho.

No projeto não havia parâmetros em relação à história ou à religião, apenas que deveria ter uma proximidade e/ou interesse e que fosse seguido um orçamento comum.

A liberdade que poderia fazer com que os curtas / segmentos fossem mais criativos, acaba resultando em histórias muitas vezes sem graça ou sem uma direção.

Uma pena que um roteirista tão talentoso - responsável por filmes como Amores Perros, 21 Gramas, Três enterros de Melquiades Estrada e Babel - acabe coordenando um filme que tenha tantos deslizes de narrativas.

Os filmes Hector Babenco, Hideo Nakata e do próprio Arriaga tem aspectos interessantes, personagens com potencial, mas uma história que não se desenvolve muito.

Talvez por terem premissas para um longa e não terem tempo de se desenvolver e acabem se enfraquecendo com tantos pulos e lacunas.

Os filmes menos diretos e simbólicos acabam tendo mais força e sendo mais poéticos, é o caso de Ghobadi.


E principalmente Kusturica.


Entretanto filmes que se valem demais do simbolismo também terminam piegas, como o de Warwick Thornton.

Há também os diretores que ousam em discurso rebuscado sem ficar muito claro como Amos Gitai, ou os que tem um discurso tão direto que chegam a uma pregação moralista como Mira Nair

Álex de la Iglesia também tem uma narrativa mais simples e direta mas sua história que aparentemente poderia se resumir em uma piada, é feita com tanta maestria e profundidade que além do humor se torna um dos melhores da série.


Como muitos filmes de segmento, Falando com Deuses tem um resultado irregular e até pior do que outros similares como 11 de Setembro e Paris eu te amo.


E fica muito aquém de filmes que discutem a religião de maneira profunda e até metafísica como Antes da Chuva, As Quatro Voltas ou o sublime Homens e Deuses, já comentados aqui.

A Pequena Casa (Chiisai ouchi) - Yoji Yamada


Diretor de dezenas de filmes, o último lançado por Yamada no Brasil foi Uma família em Tóquio, já comentado aqui, em uma bela homenagem ao mestre Ozu. Agora Yamada apresenta A Pequena Casa, baseado no livro de Kyoko Nakajima.


A Pequena Casa conta a história de uma senhora que repassa suas memórias, em especial do tempo em que foi empregada de uma família que sofre com a 2a Guerra, se desintegra, sofre ataques etc.

Muitos fatos interessantes e situações familiares intensas e dramáticas, desejos, traições, repressões e posições políticas mas que se perdem por uma narrativa pobre.

A história é um flashbak sem graça, com interpretações exageradas e diálogos simplórios que acabam parecendo uma telenovela.

Uma pena Yamada não ter investido em tempos mais cinematográficos. Com outro ritmo, mais silêncios e lacunas nos daria espaço para desfrutar mais da história, que acaba bastante enfadonha.


Leviatã (Leviathan) - Andrey Zvyagintsev


O diretor russo Andrey Zvyagintsev já havia mostrado seu talento na construção de personagens densos e instigantes em filmes como O Retorno e Elena, já comentados aqui.

Agora Zvyagintsev nos apresenta sua versão para o mito de Leviatã, monstro com várias passagens por diferentes culturas e simbologias, por exemplo a do demônio da inveja.

Em uma pequena cidade de uma bela Rússia entre montanhas e lagos, vive o mecânico Nikolai e sua família. A vida humilde e tranquila em que vivem já começa ameaçada por um despejo.


O amigo de infância Dmitri, advogado atuante em Moscou, vem então para tentar socorrê-lo.


A situação parece tranquila, mas aos poucos os fatos vão ganhando proporções maiores e mais delicadas.

Quem tenta despejar Nikolai é um governante local, poderoso e influente graças à sua cobiça e falta de escrúpulos.

Fazendo lembrar o universo de O Idiota - recém comentado aqui - e reforçando a ideia de crise pela qual passa a Rússia em sua frustração pós revolução e tentativas de um regime socialista e que a levaram a um mundo de desigualdades, corrupção, desamparo e violências de toda sorte.

Nikolai passa a contar apenas com a ajuda de Dmitri, mas o desejo entre ele e a mulher de Nikolai também ruem essa relação.

Toda a vida de Nikolai parece ir sendo pouco a pouco devorada (por Leviatã?), o deixando só e miserável e parecendo não haver como escapar de um fim trágico.

A história muito bem construída entre idas e vindas, revelações pouco a pouco feitas e tramas de interesses diversos (desde o desejo de inércia pacata na casa em que sempre viveu a família de Nikolai e onde ele pretende passar o resto de sua vida, passando pelo desejo do amigo por sua esposa, os desejos conflituosos de seu filho adolescente, até o desejo de domínio desenfreado do governante que tira a casa de Nikolai) mostram uma narrativa primorosa - e merecedora do prêmio de roteiro em Cannes.

A decupagem e a construção dos espaços (os construídos - e destruídos - ou os naturais), imagens, sons e ritmo precisamente trabalhados são também qualidades do filme.

Mas um dos destaques é sem dúvida o trabalho de atores. Seja pelo protagonista vivido por Aleksey Serebryakov, de Cargo 200, por exemplo, também comentado aqui;

O adolescente que interpreta o filho, Vladimir Vdovichenkov que interpreta o amigo ou Elena Lyadova que interpreta sua mulher: uma das personagens mais misteriosas e densas do filme.

A maior qualidade de Leviatã não é da história construída pelo que é dito e mostrado, mas pelo que fica para ser revelado. As lacunas, os silêncios, as angústias etéreas.

terça-feira, 21 de outubro de 2014

O Idiota (Durak) - Yury Bykov


O jovem diretor russo Yury Bykov apresenta seu terceiro longa, O Idiota, vencedor de quatro prêmios no Festival de Locarno, na Suíça.

A tradução do título no Brasil já nos faz pensar na tradição cultural do país e na obra que Dostoiévski que trata sobre o confronto de um homem e seus valores com a sociedade em que vive.

O protagonista do filme aqui, Dima, é um funcionário público que vive precariamente tentando concluir seus estudos de especialização em engenharia e assim conseguir uma promoção. 

Os conflitos de sua situação já começam na casa em que mora com a mulher, o filho pequeno e os pais. Ali vemos o jantar humilde, a casa suja, decadente e amontoada e acompanhamos a discussão da mãe que questiona o pai por sua trajetória extremamente ética e  honesta e que por isso não possibilitou nenhuma melhoria na família.

O filho se mostra bastante solidário ao pai e o apoia em ações como do reparo do banco da rua (já antecipando a fragilidade da administração pública).

Também vai sendo dado o tom do filme, com atores de expressões fortes, planos longos ressaltando silêncios e paisagens, diálogos extensos e que cada vez mais ficam didáticos e até esquemáticos, ótima direção de arte e som, e narrativa e montagem que vão cruzando as diferentes personagens.

Após essa apresentação, Dima é chamado para uma ação no trabalho, e tentando um reparo em um prédio na periferia da cidade, descobre problemas estruturais que ameaçam a estrutura do prédio.

Ele tenta voltar ao seu cotidiano, mas a preocupação com as centenas de moradores que correm risco de vida com o possível desabamento do prédio não o deixa em paz. Ele vai em busca dos administradores da cidade e aí o filme passa a fazer um desenho didático de como funciona a política local.

Corrupção, egoísmo, violência, ganância são alguns dos podres que vão sendo revelados.

Num limiar entre o realismo das cenas e da alegoria dos diálogos, Bykov denuncia uma situação lamentável na Rússia.

Sempre ao lado de Dima, mas numa narrativa racional que não nos deixa aproximar de seus sentimentos, acompanhamos sua angústia e percebemos a gravidade da podridão do sistema político local onde todos estão com comprometidos com roubos, mentiras e descaso com a população.

Mesmo o povo acaba se limitando a preocupações mesquinhas e se aproveitam uns dos outros, comprometendo até mesmo os laços familiares.

A violência é generalizada: a precariedade embrutece as pessoas, não há solidariedade, nem se entende qualquer generosidade. Há desconfiança de todos com todos e descrença com as boas ações.

O bem é visto por quase todos como uma idiotice e aqueles que o praticam não tem forças e podem sucumbir tragicamente.

Filme de desesperança na sociedade mas de esperança em um bom novo cinema de denúncia.


quinta-feira, 16 de outubro de 2014

Videogramas de uma Revolução (Videogramme einer Revolution) - Harun Farocki e Andrei Ujica


Os documentaristas Harun Farocki e Andrei Ujica desenvolveram uma narrativa a partir de um precioso material de registro do levante popular que depôs o ditador Nicolau Ceausescu do governo da Romênia em 1989.

Em um momento de importantes desdobramentos da Guerra Fria e com a presença cada vez mais intensa do audiovisual na vida das pessoas, Videogramas de uma Revolução é um importante ensaio com sons e imagens.

Mais do que a qualidade dos registros de transmissões televisivas, câmera amadoras e da narração e montagem que a amarram, a relevância está pelo audiovisual se tornando uma ferramenta política e um dos instrumentos de maior inserção na sociedade.

O filme dialoga tanto com importantes reportagens de TV de acontecimentos históricos (podendo inspirar filmes como Dias Verdes, de Hana Makhmalbaf), mas dialoga principalmente com as transmissões ao vivo e a relação que se traça entre o real e a transmissão do real.

O que fica de mais interessante do filme é a maneira como o audiovisual passa a ser o discurso da verdade e como os fatos reais vão se tornando espetáculo.

Assim ele pode dialogar com filmes políticos, mas dialoga também com a cobertura da morte da Princesa Diana;

Com o ataque ao WTC ou mesmo com o processo eleitoral brasileiro (ou de qualquer país).

Videogramas de uma Revolução já começa com um depoimento de uma mulher ferida no hospital: para ela é mais importante o registro da fala do que as palavras que vai usar. 

E ao longo da narrativa, a maneira como se torna um dos pontos mais estratégicos a tomada da TV pelo povo e todas as declarações e transmissões feitas, faz com que o filme reverbere muito além do final do século XX, que ainda ecoe em tempos de reality shows e outros espetáculos midiáticos.

quarta-feira, 15 de outubro de 2014

Viagem à Itália (Viaggio in Italia) - Roberto Rossellini


Depois de sua estreia como um dos grandes nomes do neo-realismo italiano em obras como Roma, Cidade Aberta e Paisà, Rossellini lança em 1954 Viagem à Itália.


O filme fala da crise na vida de um casal despertada pelo ambiente distinto ao da rotina do casal.


A Itália do filme faz o casal ver como se acomodoram em sua relação sem terem atenção um com o outro.

Porém, ao se olharem verdadeiramente, a primeira reação é de estranhamento, ao ponto de se rejeitarem e tomarem caminhos distintos: Katherine (vivida por Ingrid Bergman) quer apreender ao máximo da cultura italiana: museus, escavações, eventos...

Já Alexander (vivido por George Sanders) não se identifica com o lugar e apenas nas pessoas e em sua inclinação para diversão se sente acolhido.

Uma trajetória de atritos, mas que os leva a uma reflexão da relação. 

Esperamos pela separação em parte com pesar, mas em parte com alívio pela possibilidade de caminhos mais harmônicos para cada um.


Assim o final fica ambíguo entre a conciliação e certa submissão da personagem feminina.

Rossellini ganha na densidade de seu tema e sua discussão e na bela construção de personagens e do espaço que faz, mas perde em um ritmo e decupagem mais convencional e perde também por não ousar mais no roteiro e no desfecho de sua narrativa.