segunda-feira, 23 de abril de 2012

Xingu - Cao Hamburger


Após experiências com programas de TV e filmes infantis, Cao Hamburger havia feito em 2006 o bonito O Ano em que meus pais saíram de férias. Dessa vez o diretor se aventura por parte muito emocionante de nossa história.

Assunto delicado - relação entre "brancos" e "índios" - repleto de polêmicas, crimes, atrocidades, desafios... Difícil traduzir toda essa complexidade para as telas. 


Um exemplo excepcional é o documentário de Andrea Tonacci, Serras da Desordem. Filme denso e poético que consegue transmitir a sensação de impasse e a ambiguidade de conceitos como "progresso" e "civilização", o filme traz em sua narrativa a sensação de paradoxo que traduzem tão bem a questão.

Mas em Xingu a proposta é outra, um recorte romanceado e mais comercial: a partir da história dos irmãos Villas Boas e o surgimento de planos de áreas de reservas indígenas, culminando na criação do Parque Nacional do Xingu.

Em um contexto de crescimento desenfreado do país, com ocupação de terras, implantação de agropecuária, extração de minérios e borracha, construção de estradas, os índios se tornam questão delicada.

O filme mostra algumas facetas da questão e traz belos elementos como o elenco (em especial João Miguel e uma participação de indígenas muito superior a que costumamos ver). 


Outra qualidade é a paisagem muito bem retratada (e para tantos tão desconhecida ainda).

Falta uma narrativa com mais profundidade e/ou com um tom mais dramático, que também poderia nos aproximar da história e do tema.

O filme demora a apontar melhor seu protagonista e seu conflito, que nem mesmo com uma narração mais didática (e dispensável) nos direciona.

Acompanhamos acontecimentos sendo somados e temos dificuldade em nos posicionar em relação ao que está sendo narrado - de certa maneira um reflexo do que acontece àqueles brasileiros distantes de áreas indígenas, que acompanham as notícias sobre a questão através de notícias de jornal, sem muito poder de intervenção.

E dessa mesma maneira o filme nos emociona: pela sensação de impotência de meros leitores-espectadores, que se satisfazem com um aparente "final feliz".

Colocado no filme de maneira muito mais dourado do que realidade, já que nos adendos finais não se acrescenta os riscos que o Parque corre atualmente.

Precisamos nos voltar mais à nossa história e repetir e aprofundar iniciativas tão nobres como essa de Cao Hamburger! Material e emoção não nos falta!

sexta-feira, 20 de abril de 2012

Homens e Deuses (Des hommes et des dieux) - Xavier Beauvois


Xavier Beauvois iniciou sua carreira no cinema como ator, participando, por exemplo, do ótimo e sensibilíssimo Ponette, de Jacques Doillon


Como diretor começou com curtas nos anos 80 e, a partir dos anos 90, estreia na direção de longas.

Em 2010 lança Homens e Deuses.

Baseado em fatos reais, de monges católicos que viviam em região conflituosa na Argélia e se veem em meio a conflitos políticos e religiosos, no meio de um fogo cruzado entre fanáticos muçulmanos, guerrilheiros, soldados do exército...

A questão do filme é o posicionamento desses monges, seus princípios (e não restritamente religiosos, ou: religiosos mas da maneira mais abrangente e profunda possível).

Valores de solidariedade, justiça, compaixão, piedade, tolerância, respeito, generosidade... E que aproximam suas ações religiosas de ações políticas e sociais.

Além de serem monges, são homens, com todas suas fraquezas e dúvidas, que buscam uma maior harmonia com o mundo, que se conectam - ou se re-ligam - com a paisagem do local, a natureza, as pessoas, suas dores, suas crenças, sua humildade...

O filme acaba trazendo uma poesia e "transcendalidade" através desses gestos tão bonitos, ao mesmo tempo simples e cerimoniosos, com um tom sacro dado principalmente pelos belos cânticos católicos.

Belo roteiro, excelente elenco, bonito e simples tratamento de som e imagem.

Os momentos de contemplação para uma natureza tão bonita e de contemplação para o terror dos acontecimentos faz lembrar o excelente Antes da Chuva do macedônico Milcho Mancheski.

Principalmente nas passagens entre o
                           jovem monge e a fugitiva do vilarejo.

Faz lembrar também das angústias passadas por Frei Tito em Batismo de Sangue, de Helvécio Ratton, embora com um tom mais terreno e verborrágico, que não marca pelo tom mais transcendente almejado ao final, mas pelos momentos mais reais e audíveis.

Homens e Deuses, ao contrário, ecoa por seu silêncio, como uma prece de duas horas que nos faz refletir profundamente sobre nossos desejos, nosso olhar ao próximo, nossos sonhos, metas, crenças.

Nos faz refletir sobre a ligação com o mundo desses monges, mas também a nossa própria maneira de nos re-ligar ao que está dentro de nós e ao nosso redor.

quarta-feira, 18 de abril de 2012

Pina - Wim Wenders


Cineasta de verdadeiras obras-primas como Paris Texas (já comentado aqui) e Asas do Desejo, Wim Wenders também é talentoso e sensível no olhar para outrens e em suas homenagens...


Fez um belo trabalho em Buena Vista Social Club e surpreende agora em seu filme-homenagem, filme-dança, tecnologia-arte, poesia: Pina.


Fiel ao dar "voz" aos gestos da conterrânea Pina Bausch, ao expressar seus sentimentos profundos, sua visão de mundo, seus conceitos abstratos traduzidos em movimentos...

O filme é simples, traz depoimentos em uma elegante voz over.

(Na imagem um retrato das pessoas em movimento, e no áudio as declarações como que vindas de pensamentos, sem sair dos lábios vistos na tela). 

E traz principalmente as coreografias. Sem muita decupagem ou movimentos de câmera, Wenders empresta um olhar contemplativo e sem muita intervenção.

E ainda explora o recurso novo do 3D para dar mais vida às danças. O balé de Pina em três dimensões (para não dizer em outras tantas mais).


Pina é pontual, sem outras pretensões que não mostrar o trabalho e expressão de Pina Bausch e seus parceiros de companhia, fundamental para quem gosta das artes do corpo.

Mas também extremamente rico para quem busca outras "formas" de entendimento, expressões mais etéreas e indiretas de pensamentos, sentimentos e poesia...


Há drama, humor, dor, perplexidade...


Riso, emoção, fraternidade, doçura, agressividade, questões político-sociais, metafísica...



sexta-feira, 13 de abril de 2012

Noites de Cabíria (Le notti di Cabiria) - Fellini


Filme das primeiras décadas de produção de Fellini, surgiu de uma personagem criada para o filme Abismo de um Sonho (1952), ali Giulietta Masina dá vida à Cabíria em uma passagem mais breve e ensaia o que viria a ser  As Noites de Cabíria (1957). 


Fellini trabalhou no roteiro ao lado de mais quatro parceiros, entre eles Paolo Pasolini, que iniciava sua carreira cinematográfica.

Outras parcerias importantes que se firmavam na época era com sua companheira (nas telas e fora) Giulietta.

E o parceiro a quem foi mais fiel em sua cinematografia, o músico Nino Rota.



Fellini ainda rascunhava aqui o que seriam suas marcas (de filmes mais alegóricos, lúdicos, experimentais). Cabíria tem uma narrativa um pouco mais "clássica" e convencional do que a média de Fellini, mas é uma verdadeira obra-prima!


Traz delicadeza, sensibilidade, humor e expressiva dramaticidade ao contar a trajetória da romântica e ingênua prostituta Cabíria.


Cabíria é uma mulher que tenta ser forte e independente, batalhadora, procura não se deixar abater por desrespeitos e trapaças que atravessam sua vida. 


Mas seu incansável e ingênuo coração está sempre aberto a novos sonhos e esperanças e possíveis traições.

Sua pureza é bela e triste e faz com que o filme seja extremamente comovente! 


E merecedor dos principais prêmios cinematográficos, desde três (salvas de) palmas em Cannes, incluindo atriz e filme, passando pelo BAFTA e  dezenas de prêmios nos principais festivais da Europa, até o tão cobiçado Oscar (de filme estrangeiro em 58).



Inspirador! Vale a pena ver e rever sempre!

quarta-feira, 11 de abril de 2012

Um Método Perigoso (A Dangerous Method) - D.Cronenberg


Ponto de partida ricamente interessante do novo filme de David Cronenberg: um recorte da relação entre Jung e Freud de certa maneira intermediado por Sabina Spielrein


Embates de uma nova ciência misteriosa que surgia, a psicanálise, através de um triangular de relações, estão aí os ingredientes para os "perigos" do "método".

O filme tem certa empostação nas atuações: falta de emoções de M. Fassbender ao encarnar Jung, seus desejos e suas angustias; frieza excessiva da parte de V. Mortensen ao interpretar o paternal Freud, aqui não apenas "pai da psicanálise"; 

E, principalmente, de Keira Knightley interpretando distúrbios psicológicos e surtos de Sabina que chegam a incomodar por certo exagero ou afetação;


Também há certa eloquência (quase artificial) nas imagens (belas e limpidamente construídas);


E uma narrativa com tom de distância histórica para transmitir "verdades biográficas" (algo que se trai nos créditos finais, quando coloca Jung como "o maior psicanalista do mundo").

Mesmo com essa parcialidade e ressalvas, o filme tem muitos elementos interessantes, os embates ideológicos de Jung, Freud e outros próximos contemporâneos como a própria Spielrein ou Otto Gross.

Por exemplo na relação mestre X discípulo ou
figura-paternal X filho-que-busca-caminho-próprio colocada entre Freud e Jung, que, entretanto, não recebe muitas nuances nem é muito aprofundada. 

O que mais se destaca no filme são os embates ilustrados por ações, que se dão quando as personagens se posicionam em relação a suas paixões, desejos, traições, entregas sexuais. 

Temas caros à psicanálise e que, quando discutidos e vivenciados no filme, apresentam grande riqueza.


Outras questões acabam não se aprofundando e entram no filme como dados biográficos ou em cenas extremamente verbais (já que o grande material de inspiração são as cartas trocadas pelas figuras em questão).

O filme acaba aguçando mais o desejo de ler essas cartas do que refletir sobre o que nos foi dado cinematograficamente.

Vale a experiência do filme bem feito e de uma área de conhecimento tão fascinante como a psicologia, mas aquém das expectativas em relação a um diretor com tantos filmes em sua bagagem 

(Desde A Mosca, passando por Gêmeos - Mórbida Semelhança - já comentado aqui - e Marcas da Violência) e cujo filme anterior havia sido o instigante Senhores do Crime.