sexta-feira, 31 de julho de 2015

What happened, Miss Simone? - Liz Garbus


Liz Garbus é uma documentarista americana bastante produtiva, com dezenas de filmes em sua carreira, enfrentou o desafio do tema Nina Simone em What happened, Miss Simone?

Eunice Kathleen Waymon, mais conhecida como Nina Simone é uma figura ímpar e isso é confirmado pela pesquisa apresentada pelo documentário: uma das oito crianças de uma família humilde na Carolina do Norte, que desde a tenra idade acompanhava ao piano os cultos que a mãe ministrava e onde seus irmãos cantavam. 

Daí a evolução de sua carreira: das apresentações nos cultos, para aulas de piano na pequena cidade, passando a estudante em Juilliard, mas sendo limitada pelo preconceito que a impediu de ir além nos estudos.

E fez ter que desviar da música clássica para apresentações de músicas populares em bares (passagens que muitas vezes são ilustradas com cenas de reconstituições misturadas organicamente e por isso infiéis ao tom de neutralidade buscado).

A partir disso os pontos altos do documentário: quando ela foi se destacando no mundo do jazz e do blues e que a fez lançar músicas e discos e começar a ser conhecida e reconhecida.

Além da carreira, o filme também vai mostrando passagens da vida pessoal, como a relação conflituosa com o marido: possessivo e controlador no princípio - o que lhe permitiu uma obstinação e sucesso, mas também um nível absurdo de stress e falta de autonomia sobre a própria vida.

As revelações de que esse limite de controle foi ultrapassado e culminou em cenas chocantes de violência, até a separação. E de como isso repercutiu em sua relação com a filha.


Em seguida o documentário apresenta o envolvimento de Nina na luta de igualdade racial nos EUA e certo boicote e ostracismos que teve que viver por conta disso.

Também apresenta a descoberta da bipolaridade e como ela se tratou e viveu em seus últimos anos.


Conhecemos então suas muitas facetas, mas sem uma costura orgânica. Cada assunto é apresentado quase que de maneira compartimentada (carreira, casamento, luta, política, temperamento).

Essa abordagem por um lado ajuda a revelar justamente como Nina era muitas em uma só, mas por outro vai contra sua complexidade, sem desenvolver muito como os diferentes aspectos de sua vida se relacionavam (por exemplo com a constatação ao final de que Nina era bipolar não vem nenhuma outra reflexão, que evidentemente podem ser feitas pelos espectadores.

Mas poderiam ser aprofundadas por outros personagens importantes na vida dela como parentes, amigos ou mesmo médicos).

A biografia está ali, com "o que acontece" em cenas incríveis de apresentações e alguns depoimentos preciosos. Mas o título sugere muito mais, parece se propor uma investigação que o filme não dá conta.

Ele não busca os "porquês" ou os "como" as coisas aconteceram e sem isso é impossível apresentar uma resposta mais elaborada.

Essa "neutralidade" de Liz Garbus pode ter um aspecto positivo de se evitar especulações sem que possamos ouvir a própria Nina e dando mais liberdade ao público.

Mas por outro, ao evitar os tantos vespeiros, chega a se tornar infiel à história: não aprofunda nada sobre as violências sofridas por Nina pelo marido e fala bastante mas de maneira superficial sobre a relação dela na luta pelos direitos civis. 

Por exemplo, o filme não cita em nenhum momento o Movimento Panteras Negras (um dos mais importantes da época e de que Nina fez parte) e não detalha o boicote sofrido por ela pela sua atuação política.


Como trazer no título a pergunta "o que aconteceu?" e não se perguntar mais sobre a saída de Nina dos EUA e muito menos se algum dia ela desejou voltar.

Liz parece optar por não defender e idolatrar a artista (o que é muito comum acontecer em documentários sobre uma pessoa, como em Os EUA X John Lennon - já comentado aqui, que busca um tom mais imparcial, mas em que se vê o lado defendido). 

Mas será que um nome como Nina Simone não permanece tão vivo entre nós por ela ser realmente fora do normal e ir além em vários sentidos, de uma maneira que o documentário não ousou ir?

quarta-feira, 22 de julho de 2015

Minhas tardes com Marguerite (La tête en friche) - Jean Becker


O experiente diretor francês Jean Becker vem buscando temas em diálogo com o ritmo e nostalgia de seus mais de 80 anos...
Foi assim com Minhas tardes com Margueritte, filme de 2010 que fez bastante sucesso no Brasil.

No filme Gérard Depardieu vive Germain, homem simples que tenta refletir sobre traumas na relação com sua mãe, perspectivas em seu namoro e, principalmente, na descoberta da relação com Margueritte.

Margueritte é uma senhora que ele conhece em uma praça e com quem vai descobrindo afinidades na maneira de lidar com a vida, com os pombos, com as histórias das pessoas (ou dos personagens).

É ela também que lhe apresenta um novo mundo, o da literatura: é como se el começasse a conviver com outras pessoas e lugares e ampliasse os horizontes, inclusive de suas relações reais.

A premissa é bastante singela e simpática, porém o tratamento que dá é por vezes simples demais, chegando a ter passagens rasas e até inverossímeis.

A empatia que temos com os personagens aos poucos vai se desgastando e a história não se sustenta. Fica certa poesia no ar, mas que não se adensa ou se aprofunda.

domingo, 19 de julho de 2015

Curtindo a vida adoidado (Ferris Bueller's day off) - John Hughes


O roteirista e diretor John Hughes é um dos ícones americanos dos filmes de "sessão da tarde", entre seus roteiros estão Esqueceram de Mim e Beethoven, além de ter roteirizado e dirigido o clássico Curtindo a vida adoidado.


Visto hoje o filme pode provocar reações diversas: desde uma nostalgia pelos anos 80 (figurinos, músicas, visuais);

Uma admiração por certo frescor de um humor mais nonsense e uma liberdade maior de interpretações e decupagens, por exemplo o diálogo direto com o público, com Ferris se dirigindo para a câmera (a linguagem muitas vezes também responsável por constrangimentos se visto hoje em dia);

Um estranhamento pelo humor politicamente incorreto e profundo incômodo pela premissa e conflitos apresentados.


Como o título original diz, acompanhamos um dia de folga do adolescente Ferris Bueller. Na verdade, um dia em que ele decide cabular aula para curtir a vida.

Para isso tem que criar diversas traquitanas e armações para enganar seus pais e distrair o diretor da escola.


Nessas enganações não há pudores ou escrúpulos, o que vale é mesmo se dar bem. E em se dar bem está incluído tudo que a sociedade de consumo prega: mulher bonita, carro possante, lugares selecionados e com listas VIP etc.

Fora do contexto da época (e mesmo dentro dela) a mensagem do filme é deprimente.

Mesmo na única personagem que esboça um conflito real: o amigo Cameron, que questiona Ferris a todo momento, em parte por sua timidez e medo de enfrentar adversidades, mas por outro por não parecer ver sentido em todas as "doideiras" que o amigo faz. 

Cameron então resolve romper com tudo e assumir a culpa do acidente com a Ferrari do pai que Ferris pegou para eles darem uma volta. Mas o que ele ganhará com isso? Por que o fará? O que poderá vir de bom disso? Essas são respostas que o filme não esboça, ao contrário, não demonstra a menor preocupação. A preocupação é apenas "se dar bem".

Independentemente de ser um filme para descontração e diversão, as atitudes inconsequentes fazem com que o filme seja porta-voz de uma ideologia egoísta, consumista, machista, manipuladora, aproveitadora e superficial. 

Uma pena que tanta gente tenha se sentido representada por esse filme.
Ainda bem que na mesma época tivemos outros clássicos "sessão da tarde" como ET e De volta para o futuro!


sexta-feira, 17 de julho de 2015

Enquanto somos jovens (While we're young) - Noah Baumbach


O roteirista e diretor americano Noah Baumbach costuma mostrar habilidade em representar o cotidiano com realismo e humor. Filmes como Lula e a Baleia e Frances Ha - já comentado aqui - parecem crônicas da vida de muitas pessoas. 

Situações de separações, crises profissionais, crises de identidade, amizades... O olhar cuidadoso sobre essas passagens revelando detalhes e aprofundando as questões mas sem perder o humor é que parecem fazer sua marca.



Porém em Enquanto somos jovens Baumbach parece ter se perdido.

O conflito é muito interessante: um casal de meia-idade (vivido por Ben Stiller e Naomi Watts) que se vê em crise entre não se sentir nem tão "gente grande" bancando todas as responsabilidades, nem tão jovens para aceitar todas as novidades e fazer tudo com frescor. 


Assim eles vão se dividindo entre situações com os amigos de sua idade e um casal de jovens que acabam de conhecer e que começam a acompanhar.

Baumbach aproveita para listar todas as situações cômicas possíveis nessa intercalação, mas o resultado é uma sucessão de estereótipos e preconceitos,. 

Desde os jovens que ignoram a tecnologia e com isso parecem autênticos (apenas com isso) - apresentando quase um manual de comportamento hipster, ou os "maduros" perdendo a inocência de achar que ter um filho é apenas o paraíso (sem considerar o "padecimento").

Situações preconceituosas em relação a experiências lisérgicas e espirituais ou na relação dos personagens com a música e a dança.

Seja Naomi Watts aprendendo hip hop ou sua amiga levando seu nenê a uma aula de iniciação musical que parece um programa frenético de TV, algo como "Xuxa para baixinhos" com um nenê de colo. 

O filme se perde ainda numa discussão de criatividade pra falar sobre a relação das diferentes gerações com a autoria: o que se cria, o que se transforma, do que se apropria, o que se assina?

Questão extremamente pertinente e relevante, mas para a qual nem o diretor parece ter um posicionamento e assim vai desconstruindo a opinião de todos os seus personagens.

Começamos o filme sendo cativados e instigados por todos, mas terminamos com a sensação de personagens rasos e, ao contrário do que se espera (até pelo elenco), bem sem graça.


A temática, situações, tipo de cena, todo repertório de Baumbach está ali, mas sua abordagem dessa vez se perdeu... Que ele volte à sua jovialidade e frescor, mesmo que ele mesmo já não esteja assim tão jovem...

quarta-feira, 1 de julho de 2015

As vantagens de ser invisível (The Perks of Being a Wallflower) - Stephen Chbosky


Chbosky é um artista diversificado: assina livros, produções, roteiros e direções de cinema e TV.
Um de seus maiores sucessos foi o filme As vantagens de ser invisível, baseado em seu próprio livro de mesmo título.

O filme mostra o cotidiano de Charlie, um adolescente introspectivo que se sente deslocado na escola.

(Entenda-se aqui a escola tipicamente americana, com modelos, rótulos e turmas muito fortemente estabelecidas - ao menos como se vê na TV e no cinema).

Charlie é melancólico, já esteve em depressão e encontra consolo nos livros. Por isso uma das primeiras pessoas a quem se aproxima na nova escola é o professor de literatura, vivido por Paul Rudd.


Mas a vida de Charlie muda um pouco quando ele se enturma entre os desenturmados da escola.


Ali ele encontra um grande amigo, uma namorada e seu primeiro amor, vivido pela simpática atriz de Harry Potter, Emma Watson - também já vista por aqui em filmes como Bling Ring.


E assim completa a trajetória de um protagonista como a grande maioria dos filmes adolescentes.

O que começa sendo diferente: a não aceitação por ser diferente, logo passa à tentativa dele de ser diferente "daquela maneira", o que dá praticamente na mesma.

Nesse sentido há filmes muito mais profundos e com personagens igualmente (ou muito mais) carismáticos... Desde filmes que trabalham questões de gênero como Amigas de Colégio, Hoje eu quero voltar sozinho e Azul é a cor mais quente.

Mas também em filmes como Houve uma vez dois verõesAs melhores coisas do mundo, Antes que o mundo acabe, Os Inquietos, - muitos comentados por aqui. Ou mesmo a saudosa série Anos Incríveis.

As vantagens de ser invisível resulta sem graça, mas sua mensagem interessante parece tocar os adolescentes. Que seja uma semente para amadurecer então... O diretor e seu público...