quarta-feira, 31 de agosto de 2011

A Árvore da Vida (the tree of life_ - Malick



Visto há alguns dias e após muitos comentários trocados com amigos, minhas impressões já perderam um pouco seu frescor e também não tem a profundidade da interessante crítica de Fábio Andrade.

Mas vale a pena registrar o envolvimento que tive com a construção não linear e causal do filme (principalmente no segundo terço do filme). Cada vez mais acostumados com filmes em que se vê a apresentação de personagem, se espera o conflito, seu ápice e conclusão, ver algo que sai disso sempre instiga. 

E o filme constrói as memórias da família de forma bastante íntima e realista, numa proximidade emocional e em uma estrutura quase literária, se não fosse tão imagética.

Mas antes e por trás disso vem as intenções: Terrence Malick revela sua pretensão de desvendar o sentido da vida (talvez ao invés de tree, ele quisesse chamar de true of life);


De mostrar a graça contida no feminino, a natureza contida no masculino e o pior, a verdade contida em suas imagens. 


Indo da gênese apocalíptica da criação da vida, passando pelas memórias da construção de personalidade e de caráter e chegando ao... Céu? 

Malick consegue ser brega, moralista, reducionista, afetado e extremamente pretensioso.



E para mim as qualidades ficam um pouco perdidas, já que para um fim que não me convence...


Não compartilho de suas premissas, me canso com sua beleza - de extensa narrativa, calculada poesia, loudosas sinfonias, maneirismos de atuação (em meio a grandes momentos dos atores também).


Mas a graça de uma mãe não pode se resumir à maneira como ela move graciosamente suas madeixas.

Conheço pouco do diretor e ao invés de me motivar, confesso que fiquei em dúvida... Não me rendi nem admirei como Cannes, inclusive contesto suas palmas ao filme... 

Apesar de não ter amado Melancholia e de também achar banível as declarações de Trier, ainda assim para mim também há frescor de linguagem e mais contundência ali...

Mas vale a experiência da Árvore, quem sabe Malick não tenha melhores frutos na próxima... Um aperitivo no trailer!


quarta-feira, 24 de agosto de 2011

Um Sonho de Amor - Luca Guadagnino



O jovem diretor italiano Luca Guadagnino me deixou um pouco perdida com seu filme:
inquieto, inovador, elegante, incômodo...
E não por motivos convencionais.



Ao se buscar uma sinopse o filme parece bastante normal: uma família de classe alta que vive seus amores e desamores em paralelo com a sucessão e destino de sua fonte de renda, a empresa têxtil que leva seu nome: Recchi.

A família é composta pelo avô, grande patriarca fundador da empresa, sua esposa, o filho, sua nora e seus netos: dois rapazes e uma moça, além dos parceiros destes.

E dessa composição já se inicia as primeiras estranhezas do filme. (Em tempos de filmes apocalípticos, ao se falar de algo estranho deve-se pensar em grandiosidades, mas aqui o problema é a falta de foco e direção da narrativa). 

Desde o princípio vemos pincelados diversos conflitos, ou melhor, conflitos latentes, máscaras que esperamos que caiam e crises que esperamos ver expostas.

E o que parece falta de foco, acaba sendo mais uma maneira diferente de compor um panorama e mostrar múltiplas facetas de um conflito. 

Desde a apresentação vemos que Um Sonho de Amor corrompe a cartilha do cinema clássico: não há no fim do primeiro ato um conflito muito evidente, ao menos não o que será o cerne do filme e de onde vem seu nome.

Ele até vai aos poucos vamos nos aproximando da protagonista, mas demoramos a entender o que ela sente e pensa.

Emma, vivida com precisão pela inglesa Tilda Swinton (que vive uma russa fora d'água entre italianos e que se entregou de corpo e alma ao projeto, sendo inclusive sua co-produtora) parece viver impassível uma vida de formalidades em seu cotidiano e seus compromissos familiares. 

E é essa frieza e falta de conflitos é justamente o que nos faz buscar nuances nas entrelinhas dos acontecimentos e das reações com os conflitos dos que estão ao seu redor. 


Mas no decorrer do filme algo vai mudando: ela deixa de ser apenas uma mulher subserviente que apenas busca satisfazer os desejos da família e prezar pelas aparências. 

O que esperávamos dela diante de situações fora de padrões dentro da família como paixões homossexuais e desejos aventureiros profissionais não se consolidam. 

E parece que ela mesma se surpreende com essa sua reação, ela vai se descobrindo (ou redescobrindo, já que sua essência, seu passado russo apagado e sufocado volta a tona com sua felicidade). E o filme vai retratando essa descoberta - inclusive de maneira subjetiva, já que muda a fotografia de maneira bastante não realista e ousa também na montagem.

Assim o filme vai mostrando a que veio: vai junto com a personagem botando suas garras de fora - sua criatividade, sua ousadia, suas paixões!


Claro que no meio das "estranhezas" me parece que há alguns excessos como metáforas na natureza para uma cena de sexo (com abelhas, poléns e flores), mas no geral a força das personagens e da narrativa se sobrepõe.


Em tempos de cinema feito através de fórmulas hollywoodianas é muito prazeroso e instigante ver experimentos fora dos padrões.


Guadagnino, sem querer revelar verdades universais, conta uma história de amor com qualidades contraditórias como delicadeza e audácia.

(Claro que muito de sua referência vem de "clássicos" do cinema moderno italiano, como o sublime Morte em Veneza de Visconti - explicitado na presença de Marisa Berenson no elenco, como a velha matriarca, por exemplo). 

Mas como mesmo dentro dessa tradição o mais comum é vermos dramas traduzidos em narrativas mais novelescas, por isso resulta tão surpreendente!


Confira a eloquência e poesia no trailer!


terça-feira, 23 de agosto de 2011

Saturno em Oposição (saturno contro) - F. Ozpetek



Bonito título do filme do italiano Ferzan Ozpetek. E bonita temática de amor e amizade.

A união e fidelidade de um grupo de nove amigos: suas personalidades, suas interações, trabalhos, criatividade, corações...


Muitos momentos tocantes, simpáticos, divertidos. Mas confesso que sinto falta de lapidação para me envolver ainda mais e ver a profundidade dos temas de casamento, fidelidade, traição, perda, morte, companheirismo... 

Mas o filme se excede no tom (talvez não entre os italianos e sua vocação melodramática). Por vezes a trama fica novelesca, os diálogos resvalam no brega, há deslizes de decupagem e a trilha que não resvala, mas sim atropela em sua breguice!

Vale o mérito da temática e do elenco (embora com atuações irregulares, em sua maioria está muito bem!), realmente o filme é bonito, agradável e emocionante! 


(Faltaram lapidadas e editadas, mas...  Pelo trailer se degusta e se entende um pouquinho do filme, confira!)


segunda-feira, 22 de agosto de 2011

Mamute - Kerven e Delépine



Primeiro filme que vejo da dupla Gustave de Kerven e Benoît Delépine, mas foi uma agradável apresentação.

Não se trata de nenhum filme profundo, surpreendente ou inovador, mas até por isso... Em tempos de filmes tão pretensiosos (alguns geniais, é verdade), é bom ver algum filme mais simples...

Gerard Depardieu encarna o Mamute (em alma e muitos quilos): é um homem que recebe sua aposentadoria do último trabalho que fazia em um açougue e a partir daí se vê um pouco perdido. 

Sua mulher, vivida por Yolande Moreau (conhecida pelos filmes de Jean Pierre Jeneut) se irrita com sua prostração e tenta orientar suas tarefas (com muito mau humor). 

Em princípio o Mamute se sai mal em todas as tarefas que tenta realizar, mas quando ele tem que sair em viagem em busca de documentos dos lugares onde trabalhou em sua juventude, o filme se torna um road movie de conhecimento pessoal...



Me lembra um pouco Flores Partidas de Jim Jarmusch, onde Bill Murray também busca descobertas de sua vida e se depara com personagens excêntricas... 

E nessas excentricidades bastante sabor no filme: a sobrinha do Mamute com certo romantismo hippie, diversos ex-patrões de simpáticos, a escrotos ou companheiros, e o fantasma de uma antiga paixão de Mamute, que descobrimos ser um de seus grandes traumas... 


O fantasma é vivido por Isabelle Adjani, que com maquiagens e angulações se vê conservada em sua beleza da juventude.




(De quando ela inclusive contracenou com Depardieu em um de seus melhores filmes - Camille Claudel). 


E o filme termina com reencontros e superações, sem alardes, mas de maneira harmônica e realmente singela...


Valeu a sessão da tarde! Confira no trailer!

domingo, 21 de agosto de 2011

ex isto - cao guimarães


Segundo filme lançado da série Iconoclássicos produzida pelo Itaú Cultural.
Agora foi a vez de Cao Guimarães enfrentar Paulo Leminski e um de seus livros mais importantes, Catatau.


Dizem ser um dos livros mais difíceis e ousados de Leminski, o que se percebe pela própria premissa: "e se Descartes teria vindo ao Brasil com Nassau?".

Não li o livro, mas no filme vejo um personagem silencioso, curioso, instigado e quase intimidade com o que vê de nossa cultura. Certo deslumbramento com a paisagem natural, curiosidade com comidas, pessoas, música, dança, etc.

A construção do filme é interessante pois é uma espécie de docudrama, o videoartista Cao coloca o interessante ator João Miguel em situações construídas e situações improvisadas:

Ele rema por belas paisagens, interage no mercadão provando comidas, pedindo um corte de olho de peixe, dança com pessoas na rua, se mimetiza com manequins...


Um filme muito sensorial, bonito, poético.

Mas cansativo. 

Talvez excessivamente intelectual e hermético, muitas vezes não me alcançou...

E outras me deixou com impressões ambíguas e que difíceis de avaliar sem ter lido o livro... Falas como "o índio não pensa, o índio come aquele que pensa", ou  colocação do próprio Leminski em relação ao seu livro e que fecha o filme: "o Catatau é o fracasso da lógica cartesiana branca no calor, o emblema do fracasso do projeto batavo, branco, no trópico". 

Como diria o amigo escritor e cineasta, Daniel Salaroli, parece uma frase um pouco simplista pra concluir um filme/livro que parecem mais complexos do que colocar que um tipo de pensamento não é possível por uma geografia ou cultura...

Ficam então diversas dúvidas, cansaços pela extensão do filme e imagens e palavras que ecoam...

Matas brasileiras, diversidades de um mercadão, jogos de palavras que tanto me encantam, misturas de texturas lindamente construídas na tela e poesia pura como a frase:
"A reta é o pior dos labirintos".



Confira a trama tortuosa no aperitivo do trailer!

segunda-feira, 15 de agosto de 2011

Melancholia - Lars Von Trier

Para mim um dos maiores cineastas da atualidade. Mais do que por seus filmes brilhantes, por sua criatividade e ousadia... Raro um artista com tantas novas propostas e tantas facetas...

Amo desde Os Idiotas, para mim um filme profundo, visceral, tocante! História que tenta chegar às entranhas, ao que há de essencial no ser humano, desmascarar o que são máscaras. E em estética dogma-documental que lhe dá força!



Mas posso achar muito interessante o mais cerebral Europa. Ou me emocionar com um filme um pouco menos experimental como Ondas do Destino.

Mas claro que vibrar acontece mesmo em obras como Dançando no Escuro. Que talvez não seja um filme pra rever nem pra estudos aprofundados, mas seus jogos e experimentos são primorosos e muito eficientes. Lars brinca com forma narrativa (tragédia), gênero (drama musical), faz explorações em seu trabalho com atores (no caso a não atriz Bjork ao lado da diva Catherine Deneuve) e traz uma narrativa de intensa emoção, que me toca e me comove do começo ao fim.

Bem diferente das reações provocadas por Dogville e Manderlay, aqui o estilo Brechtiniano me leva novamente a uma relação cerebral com o filme: uma análise da sociedade (americana?) através de um pequeno microcosmo, uma vila, construída apenas a base de atores, um estúdio vazio, giz no chão e uma excelente montagem. 

Nos tempos de hoje, quem pensaria num filme sem cenário? Quem imaginaria prender atenção de milhares de espectadores apenas com a força narrativa do cinema? Quem ousaria por Nicole Kidman em um filme assim?

Lars Von Trier me parece um artista realmente ímpar nesse quesito.


E de sua cartola sempre vem novos coelhos, desde filmes mais simples como O Grande Chefe, como o incrível documentário Os Cinco Obstáculos: entrar em contato com um diretor que você admira e espremer sua criatividade contra a parede para ver o que sai é o que Lars faz como produtor e criador do filme... Pouco conhecido por aqui, vale a pena!


E daí o controverso Anticristo, que a mim me pega: me encanta com seu prólogo-videoarte-primor, me envolve com seu drama profundo - processo do luto, me instiga com suas referências profundas - mitos/psicanálise... 
Talvez eu entenda o excesso que muitos criticam e talvez concorde com o apontamento de certas sobras, mas talvez seja daí que venha também o vigor, a inventividade, o encanto... 

Como não se impregnar da relação de Charlotte Gainsbourg e Willem Dafoe? Como não sentir a depressão na pele, visualiza-la em imagens e pequenos gestos, como não sentir a perturbação de Lars na tela?

Perturbação que parece inesgotável e parece rumo a um extremo impossível... Ou possível dentro de uma quase ficção científica cinematográfica...

Melancholia começa novamente com um prólogo: outra espécie de videoarte e aqui muito mais fantástica. Um mundo paralelo com outras cores, outro tempo, outro espaço, outra gravidade...


A isso segue-se uma festa de casamento que nos faz lembrar do Lars do Dogma 95: muita câmera na mão, muitas máscaras sociais tentando ser desmascaradas, muitos conflitos latentes querendo explodir a todo momento.

Interessantíssimo, mas quase cansativo pra mim, já que beira o caricatural... Sim, todos temos nossas durezas, falta de tato, paranóias, inabilidades sociais, mas todos os presentes a revelarem e tão superlativamente... Ufa, será?

Mas aí se segue o bloco mais intimista, quando vamos adentrar mais na psique das personagens... Começamos com Justine (Kirsten Dunst) e uma brilhante construção de um estado depressivo.

A forma como Lars descreve a incapacidade da personagem de tomar um simples banho para mim é o que há de melhor no filme!


Porém para tentar tocar na essência dos sentimentos e de como se visualiza o que se passa em um processo assim, Lars lança mão a um apocalipse. A possibilidade do fim do mundo trazendo pânico e libertação às suas personagens.

Cheguei a ler críticas que falam da metáfora da reação das duas irmãs:

Justine que antes catatônica encara a situação com força e crueza. E sua irmã, Claire (novamente Charlotte), sempre preparada e solícita, entra em pânico e paralisa.

A partir daí diversas interpretações possíveis, desde análises de personalidades e psicologias até metáforas sociológicas e antropológicas. Mas vejo o filme se perder um pouco nesse discurso, o que tinha de mais intenso e mais verdadeiro na intimidade daquelas mulheres fica um pouco ofuscado pelo evento apocalipse (assim como talvez em Anticristo muitos vejam como excesso os surtos finais).


Me faz lembrar um pouco de Shyamalan em filmes como A Vila, onde se constrói uma grande tensão, suspense, drama, e depois se revela uma mentira... 

Melancholia é um filme sobre duas mulheres, mas de repente elas se tornam menores frente ao fim do mundo...


Controverso, Lars chegou a fazer paralelos desse apocalipse de seu filme com eventos nazistas, e se perdeu em metáforas que mostram sua mente fértil e perturbada.

Pra mim sua arte está acima do artista, e apesar de lamentar profundamente o incidente na coletiva  no Festival de Cannes 2011 (até por minha incessante defesa a ele se enfraquecer), sigo sua fã.

Sigo esperando ansiosa por sua próxima cria, sigo esperando pelas novas surpresas que ele me proporcionará, as novas reflexões e emoções que sempre me suscita!

Que venham as próximas! Porque indiferente é que não se pode ficar a esse grande nome do cinema.
(Os aplausos em Chorus de Melancholia provam isso! 
Confira no trailer!)