quarta-feira, 30 de abril de 2014

Hitchcock - Sacha Gervasi


Boa sacada do inglês Sasha Gervasi fazer um filme sobre seu compatriota Alfred Hitchcock, um dos maiores nomes do cinema de todos os tempos, autor de clássicos como Janela Indiscreta, Os Pássaros e O homem que sabia demais - já comentado aqui.


Mais ainda: apresentá-lo em meio às filmagens de Psicose - também comentado aqui - um dos filmes mais conhecidos da cinematografia mundial.

Entretanto, para Gervasi faltou uma Alma Reville em sua vida, a companheira de Hitchcock que lhe ajudava a dar corpo (e alma) aos filmes, além de ser um grande pilar em sua vida (como é muito bem retratado neste filme biográfico)...

Difícil retratar pessoas não carismáticas, talvez o segredo fosse se aprofundar mais nas questões psicológicas que atormentavam o mestre Alfred.

Instigar mais com seus silêncios, degustar mais as cenas em que estivessem à tona suas obsessões, seus sadismos, suas inquietações, suas depressões...

Isso nos aproximaria do protagonista, vivido por Anthony Hopkins, nos deixaria mais instigados com seus gestos e palavras, nos deixaria mais tocados com suas relações profissionais e sentimentais...

Deixaria as grandes coadjuvantes dessa trama: Alma Reville - vivida por Helen Mirren - e Janet Leigh - vivida por Scarlett Johansson mais humanas e mais profundas.

Isso para não seguir o caminho de Richard Linklater - diretor da trilogia de Antes do Amanhecer/Pôr do sol / Meia-noite - comentados aqui - ao retratar o gênio de Cidadão Kane em  Eu e Orson Welles.

Linklater se ateve nas pessoas ao seu redor, mantendo a aura de distância e mistério sobre o diretor e contando sobre suas criações e relações. Uma boa estratégia, mas também não tão bem realizada.

Em Hitchcock, o filme, vemos um pout-pourri de tudo: um pouco para curiosos da biografia, um pouco para curiosos do filme e dos bastidores e um pouco para os interessados em um filme sobre processo de criação e romance.

Ou seja, fica um filme cheio de potencial, mas no meio do caminho.

terça-feira, 29 de abril de 2014

O lado bom da vida (Silver Linings Playbook) - David O. Russell


Quando esteve em cartaz, O lado bom da vida, de David O. Russell foi superestimado, concorreu a oito estatuetas do Oscar e levou a de melhor atriz. 

Muitos quiseram vendê-lo como interessante, de tema profundo, boa execução etc.

Longe disso.


O filme é uma comédia romântica e dentro desse gênero, aí sim, é muito bem feito e se destaca!

O romance entre Pat e Tiffany é interessante e envolvente. Pode encantar aos românticos e divertir aos ávidos por comédia.


O casal de protagonistas não é banal, óbvio ou clichê, ambos são "fora da casinha" e dentro desse universo apresentam um pouco de seus distúrbios, fazem uma certa defesa de que não julguemos as pessoas à primeira vista - o que sempre é positivo.

(Embora também com um quê moralista que dá aquele ar de mensagem ao final do conto de fadas de "moral da história")

E fica mais fácil com atores bastante carismáticos e talentosos (não para estatuetas, mas...) como Bradley Cooper, o grande coadjuvante Robert De Niro e a laureada Jeniffer Lawrence (que ganhou destaque após protagonizar O Inverno da Alma - já comentado aqui).

Cativados pelo elenco e pelo diálogo dinâmico e divertido somos passo a passo absorvidos pelos distúrbios dos protagonistas e por seus dramas. 

Mas após sermos tragados nada mais se aprofunda, apenas a aproximação entre os dois - através de ensaios para um concurso de dança - e o percurso rumo ao final feliz. 

Uma boa sessão da tarde, que não chega ao nível de filmes como os ótimos Love is all you need, e Medianeras, os simpáticos franceses Mamute, Além do Arco-íris, Camille outra vez e Românticos Anônimos.

Ou os compatriotas de Russel: Meia-noite em Paris, Alta Fidelidade e Quase Famosos (quase todos linkados com seus respectivos comentários, para lembrar, basta clicar nos títulos).

Mas faz lembrar outras comédias românticas que saem do roteiro básico e divertem como o clássico O casamento do meu melhor amigo ou Melhor é impossível

quinta-feira, 24 de abril de 2014

Um Estranho no Lago (L'inconnu du lac) - Alain Guiraudie


Pouco ou não conhecido por aqui, o diretor e roteirista Alain Guiraudie chega com um filme bonito e instigante.

Um Estranho no Lago foi saudado pelos que viram nele a herança do cinema noir: construção de clima e suspense através de bela paisagem, decupagem precisa e personagens exóticos.

Todo o filme se passa em uma praia, local de "pegação" entre homens. Ali vale tudo: casais liberais, voyeurs, curiosos, promíscuos, perdidos, vorazes, buscadores...

Só não há muito espaço para o amor.

Aqueles que o procuram acabam encontrando riscos mais sérios, dignos de um thriller psico-erótico.

As conversas descompromissadas e que pouco a pouco se adensam entre Pierre e Henri, as buscas e investidas carentes e românticas de Pierre ou as observações perspicazes do inspetor Damroder ficam no ar.

São sobrepostas pela história criminosa de Michel e a atração de Pierre pelo perigo.

Diálogo com os filmes franceses dos anos 40 e 50, ou com a obra-prima de Camus, O Estrangeiro, Um Estranho no Lago mostra diversos estranhos, cada um a sua maneira.


(Estranho também não ter sido muito censurado por apresentar clichês da homossexualidade masculina nem pela frieza com que constrói seus personagens. 
Comentários que se ouviu de outro filme homossexual com o qual paralelos foram traçados mais pela coincidência de nacionalidade e lançamento do que por semelhanças cinematográficas: Azul é a cor mais quente - já comentado aqui).

Sem encerrar sua história e sem se completar em si, a trama fica em aberto, com lacunas, dúvidas, questões... Podemos nos projetar e tentar preencher as lacunas, mas faltam tantos sentimentos e humanidade que isso também é difícil neste filme.

A experiência do filme é densa - encantos de linguagem (elenco, locação, foto) e atrativos narrativos - mas numa relação extremamente árida.

segunda-feira, 21 de abril de 2014

Pietà - Kim Ki-Duk


Mais uma vez Kim Ki-Duk traz questões profundas e universais organizadas em narrativa cinematográfica...

Ao que pode chegar o total desconhecimento do amor? Carência? Angústia? Ira? Indignação? Violência? Brutalidade?

É um pouco de tudo isso que vemos em Pietà.

Aqui um órfão que não conheceu sua mãe trabalha como cobrador de dívidas de agiotas de forma extremamente cruel.

A violência excessiva parece querer provocar a moral do espectador (ou a piedade). E fazê-lo pensar nas questões psicanalíticas da criação, da maternidade e do amor.


Faz lembrar O Enigma de Kaspar Hauser de Herner Herzog, já comentado aqui. Ou mais ainda outro coreano: Old Boy, de Chan-Wook Park.
E de maneiras mais indiretas lembra também a questão da criminalidade X sentimentos X culpa X moralidade presente em Norte - o fim da história do filipino Lav Diaz, também comentado aqui.


Ou filmes de Bruno Dumont como A Humanidade, outro comentado aqui.

E ainda cruzamentos com filmes de outro mestre da provocação (e do cinema) Lars Von Trier em Anticristo ou Ninphomaniac I e II - todos comentados aqui.


Entretanto em Pietà faltou poesia. 


O filme é muito duro, tem uma estética mais pobre que seus filmes em geral (fotografia, arte, som...).

E não traz metáforas e um visual que transcenda tanto, talvez com exceção do lindo e denso plano final.

Ficam algumas sementes das relações expostas (as perdas que vemos no filme e como as pessoas se conectam).


Mas não há a riqueza de seus outros filmes ou de um filme como Dolls de Takeshi Kitano, com comentários aqui.


Filmes de Tsai Ming Liang como seu mais recente Cães Errantes - também comentado aqui.

Muitas referências e muitos diálogos, mas o resultado aqui é que sobram incômodos e falta carisma nesta narrativa, que faz com que o filme ecoe e nos faça refletir, mas que ele não nos tome como outros de seus filmes como A Ilha, Time ou Sonhos - mais um já comentado aqui...

O Congresso Futurista (The Congress) - Ari Folman


O roteirista e diretor israelense Ari Folman vem sempre experimentando linguagens e propondo discussões interessantes... Foi assim com o excelente filme Valsa com Bashir - já comentado aqui.


Ou a série de grande sucesso Em Terapia, com diversas versões ao redor do mundo, como a ótima americana e também a interessante brasileira - Sessão de Terapia, de Selton Mello.



Entretanto, em seu novo trabalho, O Congresso Futurista, Folman se perde.

Inspirado pela obra do polonês Stanislaw Lem, Folman quis trazer questões de nosso futuro: a realidade virtual, a aparência X essência, a busca pela eterna juventude etc.

Até faz lembrar filmes como o clássico Blade Runner, o primeiro Matrix, o recente Her - também comentado aqui.

Ou mesmo a animação Viagem de Chihiro do ótimo animador japonês Hayao Miyazaki.

A premissa aqui é bem interessante: uma atriz de meia idade praticamente fora do mercado que recebe uma proposta de vender sua imagem para virar matéria-prima de filmes feitos com sua imagem modelada (e não mais com sua real atuação).


As duras cartas do mercado hollywoodiano X as crises pessoais dessa mulher.


Mas quais são essas crises?

O filme desenvolve pouco e investe mais em discursos sobre a realidade virtual e as relações (ou não relações) das pessoas.

Conflitos confusos, falta de carisma das personagens e falta de traços bonitos da animação (o que talvez seja de opinião bem pessoal) contribuem para que o filme não cative. Ao contrário cansa e entedia.

O Congresso Futurista acaba resultando num filme longo, confuso e sem charme, talvez perdido na fantasia, afinal, em documentários e em ficções mais realistas o talento de Folman está comprovado... Então, que venham novas obras!