domingo, 25 de agosto de 2013

Bling Ring - Sofia Coppola


O quinto longa de Sofia Coppola confirma seus temas de interesse e seu estilo: história de jovens descolados, espontâneos, blases e entediados.

Sempre em meio a universos de glamour, seja glamour de fantasia de irmãs (Virgens Suicidas), de uma outra cultura (Lost in Translation), de outro tempo (Maria Antonieta) ou de Hollywood, que vimos em Somewhere - já comentado aqui - e agora em Bling Ring.

A sedução da vida de celebridades que acompanha a vida de Sofia desde seu nascimento, segue a interessando: são as figuras reais ou fictícias (claramente com inspirações de suas vivências) que lhe chamam a atenção e que trabalha em seus roteiros.

Em Bling Ring Sofia parte de um fato real ocorrido em Los Angeles no qual adolescentes começaram a invadir a casa de celebridades para conhecer mais de seus universos para se apropriar deles (furtando roupas e acessórios).

Sofia como sempre traz personagens carismáticos (tem um talento realmente especial para trabalhar com jovens, enquadra-los e nos envolver com seu frescor).

Mostra seus cotidianos de futilidade e ensaia tocar em conflitos universais desse momento de descoberta de personalidade: a insegurança, a busca de identidade, a turma, os sonhos, a crueldade do ambiente escolar, a distância dos pais, as festas...

Porém o ensaio não se concretiza pois a própria Sofia parece se seduzir mais pela sedução pela curiosidade por fofocas e por moda que esses jovens tiveram, do que o que pode estar por trás disso.

Quando Sofia tenta desvendar a motivação desses jovens, conclui apenas com um registro de como eles agiram, como se isso bastasse, como se os jovens fossem completamente fúteis e não houvesse problema algum nessa futilidade, como se ela apenas quisesse apresentar um universo real e legítimo onde o foco são roupas de marca e baladas da moda e as relações se dessem mais pela ostentação de objetos do que por sentimentos.

Uma leve sugestão de decepção de um dos garotos que valoriza mais a amizade do que as aventuras dos furtos é o máximo onde Sofia consegue chegar, para os outros personagens basta que se mirem no espelho e conversem bobagens ou "se reservem o direito de permanecer calados" e talvez daí parecer terem um algo a mais.

Ao final acaba parecendo um desperdício de um bom argumento, atores, diálogos, fotografia, arte etc. Muito esforço para resultar em um filme para o TMZ, E entertainement, Caras, Contigo e similares.

sábado, 24 de agosto de 2013

Branca de Neve (BlancaNieves) - Pablo Berger


Diretor com poucos títulos na carreira apresenta filme bem narrado e bonito, uma releitura do conto de fadas Branca de Neve.

Aqui Pablo Berger contextualiza a história no seu habitat espanhol em meio a touradas, flamenco e trupes circenses.

A menina fruto do casamento entre uma dançarina e um toureiro se vê orfã e tendo que enfrentar os desafios da madrasta-rainha-má. Um misto de Gata Borralheira e Branca de Neve.


E os sete anões vem como mini-toureiros-saltimbancos.

Há o drama, o romance, as personagens e a linguagem de fábula, mas também muita adaptação...

A construção é de filme mudo, mas com um trabalho sonoro apurado: quando embarcamos no filme como filme mudo há usos de efeitos sonoros como se fossem sons diegéticos, nos tirando novamente da imersão da narrativa, de um jeito criativo e inspirador.


Inspiradora é também a arte e a fotografia em belo preto e branco.



O filme poderia explorar personagens mais densas, já que as roteiriza em um drama-tragédia e tem atores bons e carismáticos como Ángela Molina (de filmes como Abraços Partidos de Almodóvar) e Maribel Verdù
(conhecida por outro filme fabuloso: O Labirinto do Fauno);


Ou a jovem protagonista vivida por Macarena García.


Mas o resultado final é interessante e bastante bonito, vale a pena. 

terça-feira, 20 de agosto de 2013

Flores Raras - Bruno Barreto


Bruno Barreto tem um faro muito bom para histórias, seja para adaptações de livros como Dona flor e seus dois maridos ou Beijo no asfalto. Seja para histórias reais como O que é isso, companheiro? ou Última parada 174.


O mesmo nesse seu trabalho mais recente: Flores Raras.

A ressalva está pela maneira como narra essas histórias, como escolhe situações extremamente complexas, de questões ambíguas, personagens multifacetadas e cheias de camadas, mas que recebem um tratamento que as chapa.

Podemos ver em Flores Raras a preciosidade que tinha nas mãos para tratar com delicadeza a vida de uma poeta que sofria tanto e traduzia isso em imagens e versos tão bonitos e retratar um período rico e intenso de sua vida.

Mas Bruno Barreto faz o filme parecer uma novela.

A visita de Elizabeth Bishop ao Brasil e sua descoberta de um grande amor, pela arquiteta Lota de Macedo Soares, a vivência de uma estrangeira complexada e reprimida em terras brasileiras durante o período de pré-golpe e golpe militar;


Ou o triângulo amoroso que vive com Lota e sua ex(?) companheira Mary;


A maternidade entre homossexuais;

A visão política de paisagistas, as desigualdades sociais do Brasil, tudo isso está insinuado no filme e é material para um resultado profundo e sensível, mas parece ficar na intenção.

Não há tempo para nos envolvermos com cada questão, tudo é passado rapidamente e sempre com pontuações grosseiras de trilhas sonoras e metáforas visuais (da famosa tempestade no momento de crise, passando pelo luar para lembrar a paixão até o barco afundando para o momento da morte).

Bruno fica numa fronteira pois não vai a fundo na história, ficando longe de um filme mais profundo e poético, mas também não parece torná-lo popular (o que talvez fosse seu desejo). 

Os temas que aborda aqui não são tão acessíveis e comerciais e sua linguagem já há tempos parece não emplacar grandes sucessos. Essa boa dosagem parece realmente ter ficado em suas experiências da virada dos anos 70/80.

Uma pena não fazer jus a essa história tão interessante e que só pelas pitadas do filme já é capaz de nos deixar instigados e enlevados.


 Uma arte
"A arte de perder não é nenhum mistério;
tantas coisas contêm em si o acidente
de perdê-las, que perder não é nada sério.

Perca um pouquinho a cada dia. Aceite, austero,
a chave perdida, a hora gasta bestamente.
A arte de perder não é nenhum mistério.

Depois perca mais rápido, com mais critério:
lugares, nomes, a escala subseqüente
da viagem não feita. Nada disso é sério.

Perdi o relógio de mamãe. Ah! E nem quero
lembrar a perda de três casas excelentes.
A arte de perder não é nenhum mistério.

Perdi duas cidades lindas. E um império
que era meu, dois rios, e mais um continente.
tenho saudade deles. Mas não é nada sério.

— Mesmo perder você (a voz, o riso etéreo
que eu amo) não muda nada. Pois é evidente
que a arte de perder não chega a ser mistério
por muito que pareça (Escreve!) muito sério".

sexta-feira, 16 de agosto de 2013

Ferrugem e Osso (De rouille et d'os) - Jacques Audiard


Jacques Audiard parece tentar dosar a emoção potente, latente e contida em seus personagens e seus arredores e vidas duras.


Não tão "romanceado" quanto seu De tanto bater meu coração parou (lindo título, por sinal).

Nem tão árido quanto seu Profeta - já comentado aqui.

Ferrugem e Osso traz personagens densas e enigmáticas. Há algo por trás de suas expressões, de seus gestos, de seus cotidianos. Há algo em seus olhares que é profundo e difícil de decifrar.

Personagens fraturados, mas não pelos machucados físicos, há algo que lhes está amputado por dentro.

Lembrando personagens dos irmãos Dardenne - já comentados por aqui.

Menos que o jovem pai que se vê sozinho com a responsabilidade de criar seu filho de 5 anos.

Menos que convivência precária e de dificuldades que tem ao lado da família e em seus bicos de segurança e afins.

Menos que seu encontro com uma jovem descontente com seu caminho e completamente perdida após um acidente que lhe leva as pernas.

O filme é sobre a busca por afeto desses seres, a busca de reconhecimento, a busca de amor...

Uma busca tão difícil, tão agressiva e dolorida que eles se colocam à prova o tempo todo, desafiam limites físicos, como se precisassem descobrir onde estão seus contornos:

A garota - vivida pela talentosa Marion Cotillard - que treina baleias em um parque de atrações;

O rapaz - vivido por Matthias Schoenaerts, menos conhecido por nós, mas igualmente à altura da densidade exigida pelo filme - que participa de "rinha de pessoas".

Essa violência a que as personagens se submetem nos deixam em um estado latente de apreensão.

Mas não há uma manipulação dessa energia como em Menina de Ouro, do mestre Clint Eastwood, por exemplo, que aproveita os muitos minutos de apreensão geradas pela violência das imagens para depois provocar uma catarse de sentimentos em choros que vem fáceis no acúmulo de emoções.

Também não há catarses pela ação ou diversão como nos filmes de Tarantino, do recente Django Livre - já comentado aqui.

E mesmo com histórias parecidas, não busca personagens de dores mais óbvias como de Amores Perros de Alejandro González Iñárritu.

As citações de tantos filmes que Ferrugem e Osso suscita talvez se dê pela universalidade dos sentimentos expostos, mas as feridas ali estão mais submersas, as mutilações são outras...

Talvez Audiard tenha identificado no conto de Craig Davidson metáforas físicas e visuais para questões mais profundas e filosóficas de: o que precisamos pra nos sentirmos inteiros, o que nos falta, o que buscamos...

E para isso ele cria imagens belíssimas, brinca com texturas da água, joga com o balé dos gestos e da decupagem, associa músicas bonitas e variadas e bela fotografia...

Também rege grandes atores (não só o casal protagonista, mas também os coadjuvantes, como Céline Sallette de Apollonide - já comentado aqui - ou o ator mirim)...

Ou seja, Audiard dirige um ótimo filme e nos deixa já na expectativa do próximo que está por vir...


sexta-feira, 9 de agosto de 2013

A Humanidade - Bruno Dumont


Bruno Dumont vem se destacando nas últimas décadas como um cineasta de densos e instigantes thrillers psicológicos.


Foi assim desde seu primeiro longa: A Vida de Jesus seguido do aclamado A Humanidade.

A Humanidade acompanha um funcionário público em uma cidadezinha no interior da França que divide sua vida entre as tarefas no posto policial e a investigação sobre um assassinato de uma menina;

Sua vida domiciliar com a mãe, encontros e passeios com a vizinha e seu namorado;

Ou ainda momentos em que ele se relaciona (ou que o relacionamos) com a paisagem local - (algo recorrente em seus filmes e que foi muito explorado também no mais recente Fora de Satã - já comentado aqui).

O mérito de Dumont é realmente a construção de personagens, em toda sua profundidade e complexidade. Com tempos próprios construídos através da mise-en-scène, interpretação, diálogos (ou ausência de) e montagem.

Também pela densidade de cor e enquadramentos da fotografia e trabalho sonoro.

O filme tem um peso e um ritmo próprios, mas que são justamente o que nos insere nesse universo tão particular e ao mesmo tão universal. Essa humanidade "bizarra" e que nos diz tanto respeito. 

Faz lembrar tanto mundos de tédio e horror como alguns de Gus Van Saint ou Larry Clarck. Ou ainda o mundo de personagens peculiares de Gaspar Noé - já comentado aqui, David Cronenberg também comentado aqui ou até de clássicos do mestre Dostoievski.

Muitas camadas, muitas leituras, muitas emoções (implícitas), muitas interpretações (por exemplo as de Cléber Eduardo no site Contracampo)... Interpretações da personagem perturbada, com dificuldades sobre sua sexualidade, suas relações, seus sentimentos... Interpretações sobre sua generosidade, sua dor,  seu horror, seu exercício de perdão...

Difícil de assistir e digerir, exatamente pelo tanto que impregna:

Os sentimentos, sensações e imagens tem tanta força que permanecem conosco e nos deixam buscando mais das personagens... Pelas lembranças do filme ou por nós mesmos.

Que Bruno Dumont siga com suas interpretações de novas humanidades em muitas outras obras por aí...