quinta-feira, 20 de dezembro de 2012

Elefante Branco - Pablo Trapero


O jovem e experiente diretor argentino, Pablo Trapero, segue com mais um exemplar de seu cinema sensível e comprometido.

Elefante Branco foi o apelido que ganhou a construção de um enorme hospital na Argentina, iniciada nos anos 30 e nunca terminada. Foi então invadida se instalando uma grande e complexa comunidade (semelhante a nossas invasões a prédios como o São Vito).


É sobre essa comunidade que trata o filme, a partir do ponto de vista do padre - vivido por Ricardo Darín;

Seu colega - Jérémie Renier, (conhecido por filmes como O Garoto da Bicicleta, já comentado aqui) e da assistente social - Martina Gusman, parceira de vida e de artes de Trapero.

Elefante Branco conta, baseado em fatos reais, as dificuldades com condições de higiene, saúde e, principalmente, com drogas/tráfico e política: a responsabilidade pelos problemas, administração de recursos, corrupção, etc.

Lembra exemplos brasileiros como Cidade de Deus. Entretanto Trapero não adota o tom épico usado por Meirelles, que funciona tão bem para dar essas dimensões amplas e complexas. 

Trapero quer se manter no tom dramático e intimista (como havia feito em seu filme anterior, Abutres - já comentado aqui).

O filme começa com o conflito do padre diante de doença grave, mas logo entram questões de celibato, castidade, vocação, cansaço físico e psicológico de todos os assistentes, frustração diante de ideais, etc.

Tudo isso em paralelo com os conflitos dos moradores, vinganças, delatos... A narrativa acaba se tumultuando e se perdendo.

Falta uma costura mais dinâmica ou um foco maior que nos permita nos envolver nos pequenos dramas particulares. Como Trapero soube fazer tão primorosamente em Leonera

Vira um pout porri de situações e dramas, todos com incrível potencial, mas pouco explorados. Envolve, impacta, instiga, emociona, mas poderia ir além...

segunda-feira, 17 de dezembro de 2012

O espelho (Zerkalo) - Tarkovski


Um dos filmes mais importantes, emblemáticos e difíceis de Tarkovski, O Espelho nos propicia diferentes reflexões profundas sobre a passagem do tempo, a soma, multiplicação e divisão de personagens em nossas vidas (ou na dele, no caso, já que o filme tem grande caráter autobiográfico).

Há diversas interpretações possíveis, seja por seus aspectos psicológicos ou poéticos, e por isso pode-se encontrar muitos ensaios e artigos sobre o filme 

(um aperitivo seria o artigo do excelente crítico Luiz Zanin) ou no próprio livro de Tarkovski: Esculpir o Tempo.

Também há muitas considerações possíveis sobre a narrativa, que não tem um encadeamento linear, parece uma soma de imagens com personagens que se fundem e se dissipam, em belíssima fotografia, arte e som.

 - um pouco como se dá no plano da memória ou dos sonhos, semelhante à narrativa de um dos escritores inspiradores de Tarkovski: o francês Marcel Proust.

Tarkovski também parece em busca de tempos perdidos em sua filmografia, em tom nostálgico seja com a infância - como em O Rolo Compressor e o Violinista; seja com a maturidade e a família - como em O Sacrifício; com a História  - como em A Infância de Ivan; ou mesmo em relação a um tempo futurista - como em Solaris.

Falar sobre Tarkovski e seus filmes não é buscar afirmações e comentários pontuais, mas buscar questões, dúvidas, direções que o cineasta aponta. 

Que sentimentos e dimensões aparecem difusos em seus pequenos-espelhos-filmes-poesia, ao mesmo tempo tão vagos e nebulosos, mas também tão amplos e profundos.



Poesia pura. Para "ler", "reler" e recitar.

sexta-feira, 7 de dezembro de 2012

O rolo compressor e o violinista (Katok i skripka) - Tarkovski


Primeiro média-metragem de Tarkovski, enquanto ele tomava fôlego e descobria seu universo poético e filosófico, que viria a seguir em obras-primas como Solaris, O Espelho ou O Sacrifício (comentados aqui).

O Rolo Compressor e o Violinista traz uma narrativa menos etérea e mais singela, num drama de poesia mais cotidiana e concreta.
Faz lembrar a graciosa estreia de Manoel de Oliveira, Aniki Bobó, talvez pelas ações corriqueiras e o olhar delicado e afetuoso sob a infância.

Mas aqui, apesar do encanto e pureza do protagonista - o pequeno violinista do título - há também um rolo compressor... 

Não apenas o trabalhador que o conduz e personifica, mas o conflito de classes implícito - em diálogo com boa parte da produção do cinema soviético.

O menino e o trabalhador interagem em uma relação de troca, mas sem muita perspectiva. Quase um amor impossível, que tantas vezes vemos em filmes românticos, aqui aparecendo entre um menino e uma figura masculina paternal.

Dados que alimentam uma visão psicológica do filme, que parece estar presente e intencional.

Por exemplo quando pensamos nas questões apresentadas do menino aprendendo a se defender com o homem, se relacionando com a mãe e tendo que lidar com ordens e privações e referências de arte, força, trabalho, afetos...

Mesmo em narrativa mais convencional, com fotografia, arte e tempos de decupagem e montagem mais clássicos.

E mesmo Tarkovski encerrando a narrativa nela mesma (sem as referências metafísicas de filmes seguintes), há muita projeção possível no filme e questões que podem ir além... Bela estreia! 


segunda-feira, 26 de novembro de 2012

Solaris (Solyaris) - Tarkovski


Após se iniciar brilhantemente com A Infância de Ivan (já comentado aqui), e se desafiar com a biografia de Andrey Rublev, Tarkovski se embrenhou em uma complexa narrativa: Solaris, inspirado em livro de Stanislaw Lem.

Ali ele traz, através de uma construção de ficção científica, questões extremamente profundas e filosóficas como, por exemplo: o que é o ser (em contraponto aos robôs ou aos diferentes seres que somos em nós mesmos).

Relações com 2001 de Kubrick, lançado quatro anos antes, ou com Blade Runner de Ridley Scott, lançado dez anos depois (sem falar nos tantos outros mais recentes, Aliens e exterminadores e vingadores do futuro...).

Mas em Solaris a viagem é muito mais interna do que externa, não importam tanto os astros e planetas, os efeitos de gravidades aqui são outros.

A história que começa com um psiquiatra sendo enviado ao espaço para acompanhar astronautas em uma nave (que parecem estar extremamente perturbados). 

Primeiro os detalhes sobre a operação, o espaço, o contexto histórico e científico da época, depois vão sendo revelados os efeitos provocados pelo novo planeta - solaris - de onde os astronautas e o psiquiatra estão próximos.

E na segunda parte deste longo filme o foco se volta para o efeito "sobrenatural" de solaris, a possibilidade que ele dá aos astronautas de materializar e se relacionar com lembranças e desejos.

Um processo que é ao mesmo tempo sedutor e desesperador e vai misturando os traumas de lembranças do psiquiatra, seu desejo pelo que era e pelo que se queria que fosse e angustia da impossibilidade.

A angustia do que pode haver além do real.

(fazendo lembrar Sonhos de Kim Ki-Duk - já comentado aqui - ou Time, no qual a protagonista se transfigura completamente com diversas plásticas para testar o amor do companheiro a ela... Mas quem é ela? A original ou a outra surgida?)

Por isso Solaris vai tão além dos fatos que apresenta, seu conteúdo está nas entrelinhas, nas poeiras cósmicas debaixo de tapetes, em buracos negros de pensamentos, em constelações de reflexões...

Filme para nunca se fechar em si e para seguir conosco por anos-luz...

sexta-feira, 23 de novembro de 2012

Na Neblina (V Tumane) - Sergei Loznitsa


Um dos destaques em Cannes em 2012, Na Neblina, do diretor russo Sergei Loznitsa, é contextualizado na 2a Guerra Mundial, nas fronteiras ocidentais da URSS, em regiões ocupadas por tropas alemãs. 


Ali vivem pessoas simples, camponeses, que se vêem em embates de sobrevivência, ética, moral, honra...

O quanto vale a vida, o amor aos familiares, qual o preço do amor à pátria, do que é feita a honra...?
Questões que ecoam e se camuflam na paisagem neblinosa do filme.

Personagens duros, situações extremas e certa delicadeza ao narrar sem pressa pontos de vista distintos diante de impasses. Um russo que é tido como traidor é capturado para ser executado. Não sabemos muito sobre eles ou sobre seus companheiros, mas aos poucos as histórias vão sendo contadas e vamos entendendo a complexidade da guerra a partir de uma narração intimista, com questões singulares e pessoais mas que ajudam a compor o cenário histórico.

Cenário histórico em belas, áridas e frias paisagens. Assim são as locações de florestas invernais com fotografia escura e quase dessaturadas, cujo cume é justamente a neblina das cenas finais.

Filme que embota nossa visão, mas aclara sentimentos e reflexões nebulosos, sem tirar o peso e complexidade da situação.


Bonito, poético e denso.

quarta-feira, 14 de novembro de 2012

Like someone in love - Abbas Kiarostami


Não é sobre "um alguém apaixonado" (como diz o título em português) o novo filme de Abbas Kiarostami, se trata mais de gestos que nos levam a um alguém "in love"... em amor (que, sim, em inglês é sinônimo de estar apaixonado, mas pode ser muito mais amplo e complexo).

E assim é o filme... De dimensões muito mais amplas, complexas e profundas.

Narradas através de uma construção simples, quase crua e ao mesmo tempo quente.

O grande diretor iraniano Kiarostami explora seu domínio com a linguagem do cinema iraniano em um tratamento mais próximo ao documental, como já visto em seus filmes anteriores como Close Up ou Através das Oliveiras, mas traz a ficção aprendida com outros cinemas (como o europeu, com quem flertou no filme anterior Cópia Fiel - já comentado aqui) ou como o japonês, flerte atual...

A trama de Like someone in love se passa no Japão e começa com uma garota atendendo um telefonema em off (fora do quadro), apenas ouvimos sua voz e emprestamos seus olhos para ver o que está ao seu redor. 

De cara já se mergulha em certa cultura oriental com gestos do comportamento japonês, mais lacônico e contido.

A construção da cena instiga: a maneira não convencional de apresentar a personagem e sua longa duração.  A cena quase chega a se exceder em formalismo (de não mostrar a personagem), mas quando ela surge vem com tanta simplicidade e verdade que nos entregamos a ela.

Kiarostami faz suas personagens cativarem aos poucos.

Assim no ambiente seguinte, quando a menina novamente volta a usar o celular, ficamos completamente envolvidos com o que está sendo narrado pelo telefone. 

Começamos a intuir sua história e compartilhamos em silêncio sua dor silenciosa: a garota é uma prostituta que tenta se dividir entre sua vida profissional e sua vida pessoal com namorado e familiares, a quem esconde seu outro lado.

E através do cliente a quem ela vai atender naquela noite, essas duas vidas se unem, se chocam, se mesclam.


Um senhor de quem também não conhecemos muito, mas que se vê intrigado com aquela garota tão espontânea, bonita e cativante.

Lembra um pouco os filmes de Wong Kar Wai, mas sem tantos recursos estéticos (de fotografia, arte e trilha, como em Amor à Flor da Pele, por exemplo).

Kiarostami é mais simples, traz cenários mais realistas e fala de um amor mais singelo e cotidiano (sem a dimensão subjetiva e transcendetal de Kar Wai), mas numa delicadeza e profundidade similar.

A partir da personagem deste senhor e da contraposição com o namorado da menina, Kiarostami acaba falando de maneira filosófica sobre o amor também. 

Questões como o ciúme, o respeito, a liberdade e a sinceridade por um lado; questões como a generosidade, o carinho, a preocupação, a atenção, a ternura por outro...


Como diria Drummond: personagens "gauche" mas que vão de "mãos dadas".


Para onde não se sabe, pois em seu não-convencionalismo, Kiarostami muda algumas vezes a direção da narrativa e termina surpreendentemente, nos deixando no ar (pelo amor, pela densidade e pelo final em aberto).

sexta-feira, 9 de novembro de 2012

O Gebo e a Sombra - Manoel de Oliveira


Incansável, já em pré-produção de seu próximo filme, Manoel de Oliveira, aos 103 anos (quase 104), é autor de de dezenas de filmes (alguns já comentados aqui) e lança seu mais recente na Mostra Internacional de São Paulo (sua fiel escudeira brasileira): O Gebo e a Sombra.

Falando sobre cinema literário a partir do último filme de Raoul Ruiz, recém-comentado aqui, Manoel parece um mestre das adaptações (já adaptou e flertou com alguns clássicos literários como A Divina Comédia, de Dante, Singularidades de uma Rapariga Loura, de Eça de Queiroz e diversos textos de Agustina Bessa-Luís.

Mesmo em seus roteiros originais a palavra sempre tem suma importância, o que se pode ver até pelos títulos: A Carta, Palavra e Utopia ou um de seus mais geniais: Filme Falado.

Manoel costuma trazer diálogos longos e densos, sem tantas gesticulações e movimentações e mesmo sem tantas metáforas visuais. 

Vale o confronto de suas personagens através das palavras, e também de suas buscas por elas, através dos silêncios, suspiros, choros...

O Gebo e a Sombra conta a história de uma família em crise: o filho sumido, a mãe em depressão, a nora sem ação e o pai tentando manter a honra e a dignidade a qualquer custo, encobrindo roubos e ganâncias, vivendo privações e podendo pagar um preço alto por isso.

Essa é a "entrelinha" da história que pode ser vista como metáfora para a crise em que vive o capitalismo e a sociedade portuguesa.

Alguns paralelos são possíveis a partir da trama enxuta e precisa de Manoel.

Economiza em locações e arte, mas esbanja na fotografia escura que produz belos contornos e contrastes e nas grandes interpretações de Michael Lonsdale, Claudia Cardinale, Jeanne Moreau;


E de seus parceiros portugueses: Leonor Silveira, Luís Miguel Cintra e seu neto Ricardo Trêpa.


Os aspectos teatrais e pesados de Manoel podem dificultar a relação do público com seus filmes, mas uma vez dentro de suas tramas difícil também sair... 

Ficam em nós e ecoam, em profundas reflexões de questões atemporais e tempos nostálgicos, etéreos e eternos.