quarta-feira, 4 de fevereiro de 2015

Boca de Ouro - Nelson Pereira dos Santos

Nelson Pereira dos Santos tem um bom faro para obras literárias adaptáveis e ótima mão para essa direção.
Autor da excelente adaptação Vidas Secas, de Graciliano Ramos, se destaca também na adaptação de Boca de Ouro, de Nelson Rodrigues.


O texto de Nelson Rodrigues é rico por suas várias camadas e interpretações, seu talento em nos inebriar e confundir entre personagens que começam santos e aos poucos revelam seus pecados, ou que parecem grandes vilões, mas que depois descobrimos suas fraquezas... 

Diversas leituras possíveis, riqueza de detalhes, tridimensionalidade de personagens...

E em Boca de Ouro a construção dramatúrgica, propondo uma mesma história contada três vezes cada vez partindo de um sentimento.

Guigui, vivida por Odete Lara, é abordada por jornalistas sobre o bicheiro Boca de Ouro, vivido por Jece Valadão, com quem ela teve um caso no passado. Ela conta sobre Boca com despeito, reforçando seus defeitos e seu lado perverso.

Em seguida Guigui descobre que a motivação da reportagem é por conta da morte de Boca, então ela passa a ser tomada por arrependimento e tenta dar justificativas a todas as atitudes de Boca, inclusive as de caráter mais duvidáveis.


E por fim, vendo que já nada a para se preservar entre ela e Boca, faz uma nova versão onde ninguém parece santo.

O espectador então segue seus diferentes relatos, mas o “jogo” que se estabelece não é apenas pela variação da mesma história feita na primeira pessoa de Guigui, mas a narrativa do filme, que se dá em terceira pessoa, distanciado dos sentimentos da narração da moça e assim nos permite observar nas variações de cada versão o que pode ou não ser verdade, o que pode ser somado ou subtraído e, enfim, o que pode compor uma realidade mais tridimensional sem tantos fatos completamente positivos ou negativos. 

A sobreposição dos diferentes pontos de vista da mesma personagem diante dos mesmos fatos faz com que o espectador tenha que construir e reconstruir sua relação com a história e com as personagens e assim chegar a um resultado com mais ambiguidade e relatividade.

Nelson Pereira além de se apoiar no ótimo texto, faz uma construção simples e eficiente e conta com um ótimo elenco: além de Odete Lara e Jece Valadão, temos Daniel Filho e Maria Lúcia Monteiro em interpretações bem interessantes.


Filme de 1963, mas que merece nossa visita mais de 50 anos depois...

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