segunda-feira, 19 de julho de 2010

Brilho Eterno de uma Mente sem Lembranças (Eternal Sunshine of a Spotless Mind) - Gondry


Fico realmente tocada quando filmes alcançam o intangível: transformar sentimentos, sensações e outros substantivos abstratos em imagens, sons e narrativas realmente é um mérito!


Por exemplo: como falar de separações? A angústia de conviver com lembranças, com sonhos que nunca foram, com a dor do amor que fica, apesar do amor que vai? Como concretizar esse etéreo?

Boas respostas que dei esses tempos aqui foram: "Sonhos" Do Kim Ki Duk e "Foi Apenas um Sonho" (Revolutionary Road) do Sam Mendes. Agora aproveito pra comentar o "Brilho Eterno de uma Mente sem Lembranças"... No qual Michel Gondry parte de uma situação totalmente fantástica e ao mesmo tempo tradutória de algo tão concreto nas trajetórias de nossas vidas.

Inventar Lacuna, a clínica especializada em apagar recordos sentimentais daqueles que sofrem com o passado e usá-la numa típica história de casal: conhecer, apaixonar, conviver, consolidar, achar problemas, entrar em crise, separar...

A construção não linear para confundir, instigar e também mostrar que uma relação não é necessariamente linear com começo, meio e fim marcados e definitivos. Somada de histórias paralelas que dão outras perspectivas desse sentimento tão poderoso que é o amor, que pode ser incontrolável e incontornável, podendo estar acima de nossas escolhas racionais.

Por dar vida a um tema tão universal e com pontos de vista ao mesmo tempo óbvios e profundos, o filme se tornou um certo ícone do coração de muita gente, por se sentirem expressadas naquilo nunca antes possível de ser dito... 

Ainda mais com uma linguagem tão envolvente, contemporânea, cheia de referências (desde o elenco, passando pelos efeitos visuais videoclípicos até a trilha sonora e o poema de Alexander Pope citado e que dá título ao filme...).

E pra completar, a moral da história que me ganha totalmente, pois sempre foi a minha: as vivências valem a pena e fugir delas, das lembranças e do passado é raso e falso.

Ou como diria Renato Russo "nada vai conseguir mudar o que ficou".

E algo sempre fica, como esse filme comigo!


quarta-feira, 16 de junho de 2010

Fish Tank - Andrea Arnold

Filme adolescente mostrando a periferia de outros países... Aqui a Inglaterra não tem conhecida, mas com as paixões, a falta de perspectiva, a agressividade, a carência, o espírito perdido tão familiares e universais...



A história de descoberta, de tentativas da protagonista: com uma mãe que negligencia as filhas, uma irmã menor com quem não tem diálogo, o namorado da mãe que lhe desperta desejos, um cavalo atado com quem se identifica, a dança como sua forma de expressão...
Sem grandes acontecimentos, mas com uma riqueza de cotidiano, de detalhes...



Podia ainda ir bem além, mas o que está de qualquer maneira instiga e emociona.

terça-feira, 25 de maio de 2010

Dente Canino - Lanthimos

Nesse filme as pessoas falam grego!

Mas não é só, uma situação limite que chega a ser um pouco surreal, mas só um pouco, porque sabemos de fatos verídicos de pessoas encerradas em um espaço...
E também isso não é o que mais importa:

O que vale aqui é a construção das personagens, diferentes, intrigantes, em tempos, ações, enquadramentos, tudo que nos leva a um olhar realista, seja pelos silêncios, pelos gestos, ou por planos que desenquadram...


O ambiente fechado e os jovens fazem lembrar o brilhante "Pântano" de Lucrecia Martel, mas em um tom mais estriônico e europeu...

A violência também vai além, a psicológica, a física, a que reflete em quem está assistindo... Incomoda, mas faz pensar!



Onde estão os perigos do mundo? O que há dentro de nós? O que nos espera no lado de fora?



Kynodontas (Dente Canino) é um exemplo, de Yorgos Lanthimos, premiado em Cannes em 2009 choca com irreverência! Cada vez mais raro ver filmes que nos pareçam verdadeiramente diferentes, vale ver!!!

domingo, 16 de maio de 2010

Psicose do mestre Hitchcock

Difícil saber exatamente nos dias de hoje porque Psicose se tornou um clássico. Além de ser um filme com grandes qualidades artísticas, o que ele teria de excepcional?

Posso intuir que o carisma com que o início do filme é construído, nos aproximando da vida de uma jovem com sentimentos profundos numa situação difícil que se vê impelida a jogar tudo pro outro e tentar algo novo... O que?


Não chegamos a saber, porque o mestre também nos instiga e surpreende mudando completamente a trama. A jovem é assassinada e em cenas brilhantemente construídas, que estarão na história do cinema provavelmente pra sempre, já que a música e os gestos das facadas estão no imaginário mundial. 


E então o filme segue como um policial onde se tenta descobrir quem matou a bela. Thriller armado, em suspense puro. E ao final, uma outra volta, porque o filme deixa de se preocupar também com o assassino e se detem no porquê do assassino ter cometido seu crime.

Muitas camadas, muitas idas e vindas, muitas idéias lançadas.

Sigo com certa heresia cinematográfica de sentir que Hitchcock não dialoga muito comigo; não por não reconhecer seu talento, de maneira alguma, mas por não me envolver tanto tentando descobrir assassinatos e saber o que se passa. Em geral me interessam mais os porquês e ao final pra mim em seus filmes isso está um pouco desequilibrado, dividido com tantas ações brilhantemente construídas.

No meu imaginário também já está o chuveiro, o grito, a faca, o "nhim-nhim-nhim", mas já espero outros saltos que se possam dar, os tratamentos que podem ser dados em outras psicoses...


domingo, 9 de maio de 2010

Dead Ringers - David Cronenberg

Tinha grande expectativa com a obra de David Cronenberg, Dead Ringers, ou na interessante tradução brasileira: Gêmeos, Mórbida Semelhança.


E o que me distanciou do filme foi justamente isso: a morbidez... Seguramente um filme com uma trama profundamente envolvente onde dois irmãos que são gêmeos idênticos tem uma relação estranha com seus corpos - são médicos, ginecologistas e sempre ávidos por pesquisar o corpo humano e feminino. Essa pesquisa em conjunto também levam pra vida afetiva que levam, já que compartilham as mesmas mulheres, sem que elas saibam... Completamente mórbido! 

Mas essa união tem um limite, e eles tem rompantes de tentar buscar sua identidade... Um verdadeiro parto para eles...



Meu problema com o filme é que o sinto muito frio: não sinto nenhum carisma pelos protagonistas, nem mesmo pelos personagens secundários e acho tudo muito esquemático.




Desde os personagens que não saem de seus caráter esquemáticos, passando pela música que pontua e sublinha diversos momentos até a fotografia e direção de arte, que jogam o tempo todo com o contraste entre o vermelho e o azul, quase não havendo nenhuma outra matiz... 

Assim não sei se um pouco porque se datou e o assisti tardiamente, ou se porque realmente esse não é um universo que sou tão atraída para adentrar, mas sigo vendo Cronenberg com respeito, mas também com certa desconfiança... (confessando que também não sou nenhuma especialista, de forma alguma).

Podendo me divertir com "A Mosca", achar um pouco gratuito "Marcas da Violência" e aplaudir verdadeiramente "Senhores do Crime"...

sábado, 8 de maio de 2010

O cinema poético e comprometido de Ghobadi

Comecei a descobrir o cinema iraniano com certo "boom" que houve em São Paulo no final dos anos 90...
Filmes singelos e delicados que buscavam mostrar a poesia do cotidiano como "Balão Branco", "A Maçã",  "O Silêncio". 

Mas alguns filmes saiam dessa simplicidade... Fosse Kiarostami em seu tão profundo "Gosto de Cereja" ou Ghobadi que já em seu primeiro longa trouxe uma história também cheia de um cotidiano e realidade, mas com muito mais peso e drama... 



Na verdade, com mais tragédia, já que em "Tempo de Embebedar Cavalos" vemos a vida de uma família extremamente pobre e sem muitas perspectivas, onde uma das crianças tem uma doença grave e eles tentam buscar alternativas... Reviravoltas, tristezas, tentativas esperanças...





Não muito diferente de seu filme seguinte: "Tartarugas Podem Voar", que para mim é um dos filmes mais tristes que já vi...


Numa comunidade curda no Iraque, quase só há crianças entre os sobreviventes, e elas tentam seguir a vida em meio a toda sua fragilidade, suas feridas, sua responsabilidade antecipada, sua vontade de brincar, de acreditar, de ter esperança e tentar construir...


Parecem mesmo refugiados, num tempo e espaço esquecidos, para o qual o mundo se permite não dar atenção, deixar de lado, jogar regras de um jogo sujo...

E Ghobadi em uma ficção bem realista nos aproxima de uma história onde tartarugas podem voar, em explosões, sonhos ou imaginação... Vale a pena!

Por isso minha grande curiosidade com o último filme de Ghobadi: "Ninguém sabe nada sobre os Gatos Persas"... Outra chave, outro ritmo, outro ponto de vista...


Baseado em fatos reais e também jogando com um olhar documental, aqui traz um universo de cidade grande, Teerã... Onde um grupo de jovens músicos tenta espaço para produzir e divulgar sua música...

Personagens carismáticos, história simples e envolvente! Indie movie iraniano. Sempre rico conhecer outro universo, ainda mais porque tão distante do nosso latinoamericano... Mas dessa vez algo sobra... Ghobadi se divide entre contar a história da banda, de seu entorno e fazer um pequeno panorama do cenário musical iraniano e aí que se torna cansativo, porque vira quase uma série de videoclipes que nos distraem um pouco da história e não tem a mesma força que o intimismo com os personagens...

De qualquer maneira segue contundente, envolvente, cheio de dramas, melodias e pulsações...

Vale a pena descobrir mais sobre os Gatos Persas...



terça-feira, 4 de maio de 2010

Soul Kitchen de Fatih Akin

Fatih Akin é uma promessa da nova geração de cineastas que até agora não me decepcionou...
Começou com o potente e competente "Contra a Parede", em seguida veio outro drama de impacto: "Do Outro Lado", e entre os dois ainda havia um documentário musical...

Eis que surge então uma comédia musical: Soul Kitchen... 


Não chega a uma grande história como as anteriores, mas mais uma vez traz personagens muito interessantes, aqui explorados em um outra chave...



Faz um filme leve, irônico, divertido, cheio de carisma e ricos sabores saindo de uma cozinha com os tipos mais estranhos, gauches e outsiders...

Misturas de nacionalidades, tons, tipos e temperos...

Bonapetí!


segunda-feira, 3 de maio de 2010

Os jogos de sedução e de tempo de Julio Meden

Júlio Meden é um diretor de já respeitável filmografia, mas no Brasil, como acaba passando com grande parte da cultura iberoamericana, ignoramos a maior parte... Em grande parte por certa distância da língua... Que apesar de hermana, tem suas particularidades... Mas outro tanto porque acabamos consumindo mais os norte-americanos, ou enaltecendo mais aos franceses... E muitas vezes perdemos pérolas...

Nos dois filmes que vi de Meden: Lucia e o Sexo e Os Amantes do Círculo Polar, há uma grande inquietação em relação aos encontros e desencontros amorosos... As coincidências, as reminiscências, as perdições em tempo e espaço, a magia do sentimento e da narrativa ficcional...

cenas de 
Amantes do Círculo Polar


Em ambas as obras há uma sedução muito grande em sua narrativa: casting cuidadoso, boa trilha sonora, locações paradisíacas... E roteiros onde há premissas que instigam profundamente, que propõe viagens diferentes e atrativas, mas que em algum ponto se perdem um pouco... Excesso de casualidades, de idas e vindas... Tanto em Amantes do Círculo Polar como em Lúcia e o Sexo, o menos seria mais!
Ainda mais porque o mais poderia ser máximo, genial!

Ficam de qualquer maneira sementinhas e a curiosidade do que mais poderá vir...




domingo, 2 de maio de 2010

A Vida Secreta das Palavras - Isabel Coixet

A Vida Secreta das Palavras é um filme profundo e delicado... Acompanhamos uma protagonista silenciosa e com o peso de um segredo, que nos distancia, mas ao mesmo tempo nos intriga... Nos instiga a sabermos mais... Assim como o paciente que ela tem que cuidar como enfermeira... Falante e escondido através de piadas e palavras e mais palavras... 

A vida secreta aqui está tanto nas palavras ditas, como nas não ditas...

E os segredos são muitos...

A história é bastante envolvente... O roteiro, os atores... Mas algo na direção dá umas travadas... Acho que pra que fique tão construído esse silêncio e essas fugas de um personagem ao outro, em alguns momentos a história dá umas truncadinhas... Mas nada grave... Logo Isabel Coixet encontra novamente o fluxo e volta a contar a bela história que tem nas mãos... Ou na boca... Ou em seus olhos, que nos empresta por duas horas...



sexta-feira, 30 de abril de 2010

Dolls - Takeshi Kitano

Ao ver "Sonhos" e comentá-lo em aula, imeditamente me lembrei de "Dolls" - uma obra-prima de Takeshi Kitano... Cineasta irregular, mas que quando acerta a mão sabe fazer muita poesia com a sétima arte...

Aqui, por exemplo, fala de diferentes facetas do amor, encontros e desencontros, possibilidades e impossibilidades e transforma idéias abstratas em pictorias magníficas!

Como o casal que segue no filme do começo ao fim... em seu encontro de alma e desencontro de vida... atravessando todos os momentos do dia, todas as estações do ano, todos os estados de espírito...

Em "Dolls" vemos a simplicidade da felicidade em um brinquedinho de criança, e o fatalismo da felicidade parecer efêmera, frágil, impossível...
Casais que mesmo quando se encontram não podem desfrutar desse amor... Pior: casais que mesmo quando se REencontram, são impedidos novamente de vivê-lo...

E como em "Sonhos" de Kim Ki-Duk, Kitano também dá forma à sentimentos e situações abstratas de amor, solidão, angústia, loucura...
Me faz lembrar meu professor de criação literária citando Chico Buarque: "'ter que arrumar o quarto de um filho que já morreu' não é mesmo uma das melhores metáforas para saudade?". Ki-Duk e Kitano criam diversas...

E exploram o universo oriental com primazia... No minimalismo, nos detalhes: coloridas flores, belas e emblemáticas borboletas, máscaras, bonecos,teatros, óperas e quadros...

É o jogo de marionetes da vida transferido para 120 minutos de grande magia!

Delicado, suave, profundo...

Sonhos - Kim Ki-Duk


O que tem de mais profundo naquilo que sentimos? 
O que é o amor? A dor? A angústia? A união? A separação?

Como traduzir isso em imagens? Em histórias? Em poesia?

Kim Ki-Duk é um dos cineastas da atualidade que mais me chamam a atenção... Desde que vi o seu inquietante A Ilha; passando por aquele que o fez se consagrar em certo círculo em SP - Casa Vazia; até por outros não tão bem realizados, mas de argumento ainda mais sensacionais, como Time; ou em seu mais recente: Sonhos...

Aqui Ki-Duk parte de uma premissa absurda de um cara que tem sonhos premonitórios do que uma garota sonâmbula irá fazer, e ele nem a conhece... Ambos estão envolvidos com finais de relacionamento, e a relação que criam entre si terá a ver com isso...

Sonhos mais que contar uma história, joga com imagens, metáforas, símbolos... Não tem nada ver com nosso costume ocidental de racionalizar os sonhos, (como Freud)... Também não tem a ver com os sentimentos como eles são, mas como eles podem ser sentidos e representados, como em máscaras de teatro oriental... 


Por exemplo, Kim Ki-Duk não busca uma narrativa para a sensação de se sentir preso, atado ao passado de uma relação que já não é, ele busca imagens...

Ele não busca ações para essa tentativa de libertação, mas poesias visuais... 

Não é uma conversa triste e racional com lágrimas, pode ser uma algema, uma borboleta, um quarto vazio...

Por isso talvez a história não chegue a ser sensacional, mas o mergulho nas imagens, na sensação, me dilaceraram um pouco... E acho possível a qualquer um que já tenha sentido a angústia de não poder recuperar o que já passou; de saber que há que seguir mesmo em parte ainda querendo ficar; de amar mas saber que já é impossível; a sensação do avesso...

Abstrações tão concretas... em imagens às vezes tão belas quanto falsas, tão verdadeiras quanto tristes...

Além do que Sonhos me parece um mergulho profundo numa outra cultura... Que em parte sempre me faz perguntar o quanto o respeito pelas diferenças também não chegam a uma tolerância exacerbada onde talvez mesmo para os nativos parecerá excessivo e demasiado falso... Mas algumas sutilezas são fundamentais... Desde perceber que os ideogramas aparecem ao revés ou até saber que na simbologia oriental, numa relação, a busca de 1+1 será igual a 1... a união simbiótica... Tão distinta da nossa busca ocidental, onde apesar dos entrelaçamentos, 1+1 usualmente seguirá sendo 2...

E talvez por isso mesmo quando já me sentindo "2" e tendo que subtrair o outro, ainda haverá um ali debaixo, mesmo que doído... Já no filme...



domingo, 11 de abril de 2010

Nine


Tenho restrições com musicais, mas confesso que muitas vezes eles me ganham... talvez da mesma maneira como me encante com contos de fada simplórios e antiquados da Disney... Mergulho em um mundo de fantasia, me contagio com as músicas e com o ritmo e já estou...

Assim posso rir com palhaçadas em Dançando na Chuva, ou refletir em Todos Dizem eu Te Amo, ou me emocionar e derramar um rio de lágrimas em Dançando no Escuro, cantarolar em A Pequena Sereia... E me entreter bastante com Chicago! Filme de tribunal, tipicamente americano, como em geral não me interessam por nada, mas que deixaram boas recordações em mim de um dia de shopping com pipoca...

Um dia mais melancólico e de ressaca em minha estada em Valencia, busquei as opções não dubladas em um castellano meloso, eis que encontrei então Nine... Parecia uma ótima opção para me divertir: elenco bom, diretor que havia me divertido anteriormente, por que não?

Mas logo no começo, vendo que a narrativa não avançada, que era pesada e que era apenas uma sucessão de mulheres se exibindo e um homem se lamentando... Argh... Ok, a crise de criatividade é algo que nos faz ficar girando a cabeça, mas ficar rodando um filme inteiro em volta desse mesmo eixo...

Me cansou...

E olha que Daniel Day-Lewis me atrai a tentar ver o algo mais que parece haver atrás dos seus olhos, e olha que ver Sophia Loren depois de tanto tempo me parece muito rico, e olha que Kate Hudson é bem carismática, que Penélope Cruz está muito bem, Judi Dench também e que Marion Cotillard me intriga cada vez mais...

E aí está a prova: a importância que tem um roteiro!

domingo, 28 de março de 2010

Saraband do eterno saudoso Ingmar Bergman

Feito para uma série televisiva e adaptado ao cinema... Resultado: último filme de Bergman...
E ali suas origens e referências: o teatro, a literatura, a psicologia... Seu cinema de longos silêncios e diálogos, de gritos e sussurros, de closes e planos seqüências, de aposta em atores e em Liv Ullman...

Mais uma tragédia de Bergman composta aqui em dez movimentos muito bem orquestrados: os personagens são como instrumentos, têm seus timbres e melodias e em cada combinação têm uma reação...

Uma história de encontros e desencontros, amores e desamores... Um casal de senhores que se encontram e falam sobre o passado, sobre seu casamento e sua separação... Se atualizam em relação ao presente e acabam se confrontando com a situação de cada um em sua família, com seus filhos, netos e afins...

Agudamente profundo, graves atos e sentimentos: personagens que são apresentados de acordo com pontos de vista de outros, que assim mostram suas contradições e também em suas distintas atuações de acordo com o interlocutor... Em momentos demonstram amores infinitos, em outros ódios insuperáveis... egoísmos X altruísmos, fragilidade X manipulação, doçura X perversidade...

Vasto material psicológico em primorosos acordes...

Vale a pena!
E para ficar o gostinho de revisitar filmografia tão importante!

quarta-feira, 24 de março de 2010

La Ciénaga - Lucrecia Martel e seus frutos (dentre os quais: "Laurita")



Hj revi o longa de estréia de Lucrecia Martel...
Novamente impactante, com força e frescor...



Uma família em férias em uma casa de praia, a decadência de cada um, o caos do coletivo, a pequenez e perdição de cada um e tb a possibilidade das profundidades por trás...

Mais que a idéia e a trajetória da narrativa, o que fica é a qualidade da representação: os diálogos naturalistas, todos ao mesmo tempo, sem ordem e sentido organizados; o mesmo com a caracterização dos personagens, tantas vezes mesclados, tantas vezes sem se saber as relações exatas entre eles; a câmera na mão que busca; os ruídos e sons que "poluem"; a montagem que ora corta demais, ora de menos, em uma vertigem rítmica que acompanha o todo...
Um filme preciso em seu caos, enérgico em sua intenção, brilhante em sua realização!

Me deixou refletindo sobre minha carreira cinematográfica... o que quero expressar com meu cinema, o que devo dizer em um primeiro longa... mais que isso: como devo dizer... e como isso define um pouco o que virá depois...


Como Lucrecia que depois nos mostrou um ambiente mais intimista em La Niña Santa, ainda com muita profundidade e muita particularidade, mas sem o mesmo frescor...

E curiosa ainda pra ver o mais recente... La Mujer sin Cabeza...



Rever La Cienaga também me fez pensar em conversas com Roney Freitas, diretor do curta Laurita, cuja maior fonte de inspiração é esse filme de estréia de Lucrecia...

Roney também busca um caos de férias, essa comunidade que se estabelece em uma casa para desfrutar um verão e onde se unem parentes, amigos, agregados, desejos, temores, histórias, segredos...

Com a delicadeza e profundidade do ponto de vista juvenil, aqui, no caso, da recém iniciada puberdade de Laura, a protagonista, que nos leva à nossa infância, às nossas lembranças, e nos traz um pouquinho da dele, um pouco de todo esse imaginário e poesia...

terça-feira, 23 de março de 2010

O Enigma de Kaspar Hauser

Cineasta inquieto, aqui, Herzog aproveita uma história verídica de um homem que foi encontrado depois de anos de claustro, sem que nunca tenha tido contato com nenhuma sociedade nem nenhuma língua...

Vemos então um homem descobrir o mundo c/olhos bem particulares:
às vezes com a pureza de uma criança, às vezes com a dor de um exilado, às vezes com a angústia de um "gauche", às vezes com a ansiedade de recuperar o tempo perdido, às vezes com o desespero de fugir de tudo e de todos...


Alguns lhe acolhem, outros lhe estranham...
Alguns têm muita paciência, outros nenhuma...
Situações de tensão até chegar a um clímax...

E fica a reflexão: afinal, o que é normal, o que temos ou não temos que desenvolver... O cérebro desse homem era desequilibrado por não ter desenvolvido a fala ou o convívio em sociedade, mas aqueles que vivem em coletivos sabem agir como tal?

Ver o filme hoje não tem muito frescor pela imagem, mas talvez tenha mais profundidade pelos questionamentos que podemos fazer em um tempo de big brothers e Josefs Fritz...




Talvez por isso tenha vindo também o precioso Old Boy do coreano Chan-Wook Park. Esse tb vale a pena!!! E como!!!

Conhecer ao outro para conhecer a ti mesmo...

sexta-feira, 12 de março de 2010

Ver o El Secreto de Sus Ojos de Campanella, vencedor do oscar de melhor filme estrangeiro 2010, também me fez pensar no quanto La Teta Asustada é um filme especial (que merecia o prêmio, além do urso de ouro de Berlim).

Com um vigor de histórias singelas e profundas de povos marginais, numa narrativa cheia de força e um pouco desequilibrada, mas que parece dizer muito mais ao mundo do que uma novela não tão boa de Campanella...
Me pergunto se foi uma dedicação tardia pelo Filho da Noiva, esse sim merecedor!


La Teta Asustada é o primeiro longa da peruana Claudia Llosa e vem cheio de desejo de dialogar com suas origens (de povos indígenas outrora massacrados e oprimidos)


em uma narrativa super intimista de uma garota vivendo a descoberta de sua sexualidade e sua crise de identidade (a perda de sua avó, com quem mantinha um vínculo profundo e que era um ser que ainda se mantinha totalmente fiel às origens e a histórias sofridas de quando mulheres vítimas de agressões ao amamentar seus filhos transmitiam seu medo... tetas assustadas).


O filme acaba sendo um pouco longo, se desequilibra em tudo que quer contar, mas me interessa muito mais exatamente por esses excessos... Excesso do que me fazer ouvir...


Mas que agradeço profundamente...
Pela cultura, profundidade, delicadeza e poesia...

Campanella e El Secreto de Sus Ojos



Quando vi O Filho da Noiva me apaixonei pela narrativa ao mesmo tempo simples e profunda, divertida e dramática, com histórias românticas, familiares, profissionais, filosóficas... E ao mesmo tempo numa fluidez... Quase como uma telenovela, mas de qualidades preciosas!



Grande mérito! Um dos meus filmes do coração... (reforçando minha curiosidade e admiração pelo cinema argentino)

E isso me manteve curiosa pra acompanhar a trajetória do diretor: tanto ver seu filme anterior O Mesmo Amor, a Mesma Chuva - que trabalha dentro do mesmo universo e com o mesmo tom, porém demonstrando menos maturidade e mais moralismo. Ou no filme seguinte O Clube da Lua que trouxe algumas variações do mesmo tema (família, romance, crise econômica...), em alguns quesitos até com mais profundidade, mas de maneira geral com um pouquinho menos de sabor... De qualquer maneira, todos bons filmes: boas premissas, boas, tramas, bons atores...

Com seu filme mais recente de novo minhas expectativas, mas não sei porque algo me deixava com pé atrás... Mas veio uma estatueta de melhor filme estrangeiro, então novamente a curiosidade...

Que não fez jus...

O Segredo dos seus Olhos tem uma narrativa embolada demais, quer jogar com gêneros (romance X thriller), mas acaba não se atendo nem a um nem a outro, os personagens aqui são menos profundos, têm menos camadas e parecem mais artificiais (o que fica reforçado tb por uma má caracterização dos personagens rejuvenecidos ou envelhecidos... Atores de 40 e poucos anos interpretando personagens de 20 e tanto ou 50 e tanto...)

O mérito nos outros filmes de Campanella, de fazer uma crônica do cotidiano aqui se perde com a tentativa de uma narrativa mais elaborada e fantasiosa... O feitiço vira contra o feiticeiro e me deixa com gosto amargo de decepção na saída do cinema...

Que venha um próximo para se redimir e me arrebatar novamente!


sábado, 6 de março de 2010

Gaspar Noé: Irreversível e Sozinho Contra Todos




Gaspar Noé realmente me conquistou com Irreversível.
Polêmica, nem todos "compram" o exagero do filme: violência de todas as formas - física, moral, psicológica, etc.




O que mais me interessa é a estrutura, o jogo que faz com o espectador.
Não basta pensar em narrativas não-lineares, há que fazer com que isso traga mais às suas leituras. Por exemplo, o mais chocante de começar um filme pelo fim, é mostrar como esse fim representa o máximo de degradação na vida de um casal e como ao vermos a história voltar e ficar cada vez mais suave, sutil, até mesmo romântica e vermos nos confrontar como espectadores com um certo alívio pelo "final feliz" e a contradição que isso gera ao repensarmos na estrutura. E mais ainda: em como quanto mais o final, ou seja, o princípio, se torna feliz, mais aterrorizante e destrutivo se torna o começo, ou seja, o fim.

Gaspar quer mostrar um mundo corrompido e quer mostrar o quanto participamos disso, o quanto ao tentar fugir e não enfrentar, estaremos sendo mais hipócritas e talvez mais perversos ainda...

Vendo um professor falar em aula do quanto a cena do estupro o incomoda e acha insuportável, me faz questionar se não é por a cena ser extremamente erótica e despertar sentimentos inescrupolosos de desejo de violação de quem está vendo... Perverso da parte do diretor, mas muito interessante...

E Gaspar parece tentar jogos parecidos em Só Contra Todos, apresenta um cara sem nada, um pária, digno dos personagens mais deploráveis de Dostoievski (como de Memórias do Subsolo)... Ele apresenta ao personagem de maneira bem simples, sintética, quase sem recurso algum, apenas o acompanhando em closes, planos de conjunto em ações ora cotidianas, ora de reações violentas. Mas a força e impacto do filme vem na voz em off do personagem, um constante fluxo de pensamento narra todo o filme e nos faz ver tudo que o personagem pode ter de repulsivo: ele julga e despreza a todos, declarando seu desejo de matar, violar, agredir...
Um homem de meia idade que vive no subúrbio de Paris e que tem em si marcas de um passado de violência e de desencontros em relações, trabalhos e ideais.

De certa maneira Noé joga com um ponto de vista distanciado, onde podemos apenas odiar ao tipo e vê-lo com escárnio, mas fica um incômodo por detrás, que pra mim me parece que é porque todos temos pensamentos desprezíveis, mas nosso pudor e nossa moral nos impede de externá-los.
Essa intenção fica ainda mais forte quando Noé traz um único momento em todo filme em que não acompanhamos o ponto de vista do protagonista. Aqui, depois dele ameaçar um cara, há uma reação de um grupo, que mostra também toda sua agressividade e preconceito, ou seja, todos ali podem ser tão desprezíveis como ele, se tivermos a oportunidade adentrar suas consciências, talvez façamos descobertas bem desagradáveis...

E assim fica a sementinha pra olharmos pra nós mesmos... Nossos próprios fantasmas e urubus... Uma arte que pode não ser a mais agradável, mas que me parece muito interessante, nobre e instigante do cinema...Voilà!


quinta-feira, 4 de março de 2010

Shutter Island

Pelo trailler já via que não era meu tipo de filme... Suspense, fantasias, Leonardo di Caprio...
Mas impulsionada por uma aula, fui...
Tem certa construção de clima, certa qualidade estética, certo suspense, mas...
Falta tanto...
É daqueles filmes em que a história vai dando voltas e em vários momentos vc se vê pensando: mas quem perguntou isso? Pq tá me contando? Pq agora tá desfazendo tudo que tinha feito? Pq tantas pistas falsas? E pq essa fantasia melosa? Pq certa breguice? Pq esses clichês?

O fundo da história traz uma discussão interessante sobre tratamentos psiquiátricos, aborda pontos fortes e profundos, mas para aí...

O que me plantou foi a sementinha de ler o livro, afinal, o único livro do Dennis Lehanne que li - Mystic River - que eu conheci primeiro pelo filme (por sinal mto bom), e que o livro era ainda superior!... Então, imagino que aqui deva ter coisa muito boa tb...

E tb lembrei mto de um conto sensacional de Gabriel Garcia Marquez: "Só Vim Telefonar"...
Vale mto a pena!!

O que me leva a crer que embora seja um pequeno Scorsese, tb num é de tudo perdido...
Se remar bte, talvez...

quarta-feira, 3 de março de 2010

A Fita Branca

Sentimentos profundos. Personagens densos. Conflitos psicológicos. Filmes transtornados.
Mais uma vez Haneke explora esses elementos de seu repertório e imaginário com maestria.

Aqui um laconismo, uma elegância preto e branca, uma suavidade pesada.
O silêncio que antecede tragédias em filmes de suspense parecem perdurar por esse filme do início ao fim.

Acompanhamos a história de moradores em uma pequena vila alemã na primeira metade do século passado... O cotidiano, a moral, a religiosidade... Tudo ali em pequenos detalhes, de forma simples e ao mesmo tempo tão complexa pra tantas interpretações do sentido pré-guerra de tudo aquilo.

E sim.
Mas não como a tese que tantos querem pregar, mas como o mais puro cinema.
Vale a pena.
Mais uma vez Haneke.