Gaspar Noé realmente me conquistou com Irreversível.
Polêmica, nem todos "compram" o exagero do filme: violência de todas as formas - física, moral, psicológica, etc.
O que mais me interessa é a estrutura, o jogo que faz com o espectador.
Não basta pensar em narrativas não-lineares, há que fazer com que isso traga mais às suas leituras. Por exemplo, o mais chocante de começar um filme pelo fim, é mostrar como esse fim representa o máximo de degradação na vida de um casal e como ao vermos a história voltar e ficar cada vez mais suave, sutil, até mesmo romântica e vermos nos confrontar como espectadores com um certo alívio pelo "final feliz" e a contradição que isso gera ao repensarmos na estrutura. E mais ainda: em como quanto mais o final, ou seja, o princípio, se torna feliz, mais aterrorizante e destrutivo se torna o começo, ou seja, o fim.
Gaspar quer mostrar um mundo corrompido e quer mostrar o quanto participamos disso, o quanto ao tentar fugir e não enfrentar, estaremos sendo mais hipócritas e talvez mais perversos ainda...
Vendo um professor falar em aula do quanto a cena do estupro o incomoda e acha insuportável, me faz questionar se não é por a cena ser extremamente erótica e despertar sentimentos inescrupolosos de desejo de violação de quem está vendo... Perverso da parte do diretor, mas muito interessante...
E Gaspar parece tentar jogos parecidos em Só Contra Todos, apresenta um cara sem nada, um pária, digno dos personagens mais deploráveis de Dostoievski (como de Memórias do Subsolo)... Ele apresenta ao personagem de maneira bem simples, sintética, quase sem recurso algum, apenas o acompanhando em closes, planos de conjunto em ações ora cotidianas, ora de reações violentas. Mas a força e impacto do filme vem na voz em off do personagem, um constante fluxo de pensamento narra todo o filme e nos faz ver tudo que o personagem pode ter de repulsivo: ele julga e despreza a todos, declarando seu desejo de matar, violar, agredir...
Um homem de meia idade que vive no subúrbio de Paris e que tem em si marcas de um passado de violência e de desencontros em relações, trabalhos e ideais.
De certa maneira Noé joga com um ponto de vista distanciado, onde podemos apenas odiar ao tipo e vê-lo com escárnio, mas fica um incômodo por detrás, que pra mim me parece que é porque todos temos pensamentos desprezíveis, mas nosso pudor e nossa moral nos impede de externá-los.
Essa intenção fica ainda mais forte quando Noé traz um único momento em todo filme em que não acompanhamos o ponto de vista do protagonista. Aqui, depois dele ameaçar um cara, há uma reação de um grupo, que mostra também toda sua agressividade e preconceito, ou seja, todos ali podem ser tão desprezíveis como ele, se tivermos a oportunidade adentrar suas consciências, talvez façamos descobertas bem desagradáveis...
E assim fica a sementinha pra olharmos pra nós mesmos... Nossos próprios fantasmas e urubus... Uma arte que pode não ser a mais agradável, mas que me parece muito interessante, nobre e instigante do cinema...Voilà!
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