quinta-feira, 5 de janeiro de 2012

Budapeste - do livro ao filme (Chico Buarque - Walter Carvalho)


O livro de Chico não é fácil: diversas camadas, tempos e espaços.

O protagonista é um ghost writer e partindo disso já temos diferentes nuances: o universo cotidiano dele, o universo do criar, o universo das criações e o universo da mentira dessa fantasia, já que estamos falando de escritores fantasmas... 

Esse protagonista vive a vida dupla de escritor e acaba escolhendo uma vida dupla na Hungria para tentar se encontrar... Larga o Rio de Janeiro e se instala em Budapeste. E vai e volta. E se atrai por histórias, por culturas, por lugares, mas mais do que tudo: por línguas, por palavras, por sonoridades...


Mas essa personagem é daquelas onde não se identifica exatamente a motivação, há uma nebulosidade, um tédio, uma falta de paixão em seu entorno, um pouco como tantas personagens dostoievskianas, por exemplo...


Conclusão: um protagonista sem graça, daqueles que queremos sacudir e de quem esperamos reações o tempo todo.



Mas o livro vai entretendo e o desafio criativo do protagonista e seus duplos nos intrigam e nos levam a um final surpreendente, da narrativa mais simplória e realista se passa a um patamar mais poético e reflexivo sobre criador e criatura...

Difícil adaptação cinematográfica.

Não só pela demanda de poesia e reflexão, mas principalmente pela falta de carisma do protagonista.

No cinema não há muito espaço para personagens assim. Pode-se ter vilões, pode-se ter personagens perdidos, sem rumo, mas há certa máxima em que personagens devem ter objetivos e lutar por eles.


Assim, mesmo um protagonista entediado e perdido como Jack Nicholson em O Iluminado de Kubrick,  tem brilho no olhar.


Ou personagens mais cinzentos demandam um entorno, como o coro de personagens em M. O Vampiro de Dusseldorf de Fritz Lang ou ainda a voz narrativa ácida, irônica e cheia de personalidade de Brás Cubas em suas memórias (de Machado às adaptações). 

Walter Carvalho se instiga pelo desafio da adaptação buarquiana (outrora magistralmente adaptado por Ruy Guerra em Estorvo).

Walter é bastante fiel, mas se perde justamente no retrato cinza de seu protagonista.

Começando pela seleção de Leonardo Medeiros para o papel, que mais uma vez traz seu tom cotidiano, cansado, sem curvas, sem brilho (como em outros filmes comentados aqui).


As outras personagens tampouco ajudam, pois são justamente projeções da mente enfastiada e cinzenta de seu protagonista.



E assim a narrativa avança competentemente (boa fotografia, cenários, locações, som...), mas sem grandes curvas, sem luz e com o agravante das duas horas não darem conta da progressão de suspense que há no livro.

Walter tem consolidado uma carreira de fotógrafo brilhante e uma cinematografia já sólida e eclética, começando com seu excelente documentário Janela da Alma e passando pelos mais comerciais Cazuza, o tempo não para e Raul, o início, o fim e o meio (a estrear em breve). 

Mas aqui, em Budapeste, o resultado foi um filme morno e que se distancia do livro pela frase - que inclusive abre o filme: "Pensei que Budapeste fosse cinza, mas Budapeste é amarela"...


Faltou o amarelo e essa luz e esse dourado que poderiam fazer do filme algo mais fiel à cidade-título...

A Chave de Sarah (Elle s'appelait Sarah) - Gilles Paquet-Brenner


Adaptação de livro homônimo de Tatiane de Rosnay, A Chave de Sarah se inspira em passagem real da história: a prisão e encaminhamento de milhares de judeus franceses para Auschwitz em 1942.

Apesar das dezenas de filmes (entre eles verdadeiras obras-primas) sobre o assunto, o diretor francês Gilles Paquet-Brenner consegue trazer uma abordagem com pontos diferentes e bem interessantes.


O filme segue duas linhas narrativas: uma no presente, onde a jornalista Julia Jarmond, vivida pela excelente Kristin Scott Thomas (marcante por filmes como Há Tanto Tempo que te Amo - já comentado aqui)que pesquisa essa passagem da 2a Guerra.

Tanto por demandas de sua profissão quanto por circunstâncias e coincidências pessoais que também trazem novos pontos de vista e perspectiva à história (ao falar de família, casamento, maternidade etc). 

A outra linha é a que se passa no período de guerra e que tem como protagonista Sarah, uma menina que tem sua vida interrompida ao ser capturada junto com sua mãe e seu pai, mas que consegue proteger seu irmão o trancando no armário na promessa de salva-lo com a chave que leva...


Por um lado cenas de investigação jornalística, dor e pesar, por outro cenas de campo de concentração, dureza, privação, preconceito, compaixão... 


Um pouco do que já foi narrado e visto muitas outras vezes mas com um acréscimo sobre a importância da história na vida das pessoas: 


O trauma de lembrar e a angústia maior de esquecer, não tomar conhecimento ou nem saber. Aí está o principal conflito desse filme de tantas camadas e aí está seu principal mérito.


Bonito, profundo e bem realizado, talvez se perca um pouco no roteiro e na adaptação já que trabalha com muitas idas e vindas, providências, coincidências... 

Há momentos de certo rococó e rebuscamento que distanciam um pouco. Fosse o filme mais simples e cru e nos deixaria mais próximos dessas duas mulheres tão fortes que nos cativam e nos emocionam filme afora, ou melhor, filme adentro...

terça-feira, 3 de janeiro de 2012

Tudo Pelo Poder (The Ides of March) - G.Clooney

George Clooney vem se alternando na direção (e de certa forma, um pouco mais desigual, também na interpretação) entre filmes mais cômicos, românticos, leves e populares e filmes de temas mais densos e espinhosos.

Começou com Confissões de uma Mente Perigosa (Confessions of a Dangerous Mind), passou ao ótimo Boa Noite, Boa Sorte (Good Night and Good Luck), no qual narrava um episódio da televisão americana e seus anos de censura em uma luta entre o apresentador Edward Murrow e Joseph McCarthy

Tema político, ao mesmo tempo histórico e contemporâneo, tamanha a influência da mídia e sua repercussão na vida das pessoas desde seu surgimento. Um filme simples, sintético (poucos atores, locações, cenários) e muito elegante (bela fotografia PB, ritmo e elenco precisos).

Em seguida uma comédia para refrescar - O Amor não tem Regras (Leatherheads).


E novamente o tema político, explicitando ainda mais relações de poder e política. 
Tudo pelo Poder (The Ides of March) é uma adaptação da peça de Beau Willimon sobre os bastidores de uma campanha política: 



Um candidato à presidência (Clooney - explorando seu carisma para a personagem);

Seus assessores (o excelente Philip Seymour Hoffman - como velho amigo e companheiro - o pouco conhecido Ryan Gosling - como jovem promissor); 

E o assessor do concorrente (Paul Giamatti).

No filme as verdadeiras "táticas de guerrilha" de uma campanha: limites de sonhos, metas, aspirações, ética, escrúpulos... Diálogos inteligentes, de humor ácido, de realismo podre (ou de poder).

E em meio às aspirações de poder surgem os desejos da carne (através da jornalista vivida por Marisa Tomei e pela carinha mais conhecida pelas séries americanas, mas com futuro promissor para as telonas: Evan Rachel Wood), para dar mais nuances e mais suspense a esse thriller político.
E nesse triangular de sexo, poder e disputas vem reflexões mais profundas e inquietantes que fazem o filme se destacar além dos bons diálogos e do bom registro dos bastidores políticos.

Filme com temática mais intelectual, mas em roupagem mais comercial... Nos EUA parece que não atraiu muito público, mas parece que renderá bons prêmios. Aqui, dentre várias opções, vale a pena se ver!



quarta-feira, 28 de dezembro de 2011

As Canções de Coutinho


Autor de um dos documentários mais importantes do cinema brasileiro - Cabra Marcado para Morrer, Coutinho toca pela simplicidade, pela crueza e intensidade dos depoimentos selecionados. 


Com temas e cenários ora mais contundentes, como o maravilhoso Boca de Lixo,
ora mais transcendentais, como Santo Forte,
ora mais singelos como O Fim e o Princípio


E também com exemplares de uma genialidade e sensibilidade incríveis como em Jogo de Cena, um dos melhores filmes brasileiros dos últimos tempos.


Em Jogo de Cena Coutinho embaralha depoimentos reais de mulheres sobre a maternidade e o amor, entre outros assuntos e interpretações desses depoimentos.

O jogo de cena feito mexe com o espectador que vê o pacto que faz com o filme (de credibilidade pela "verdade", de entrega a emoções reais etc) ser quebrado e refeito a todo momento. As reflexões propiciadas por essa montagem são interessantíssimas, emocionantes e profundas.

Difícil pensar o que poderia vir depois desse filme e então Coutinho parte de uma premissa mais "simples", na mesma linguagem minimalista de pessoas falando sem cenário, mas com a mesma seleção emocionante de palavras do coração... 

Palavras do coração não no sentido piegas, embora também. A partir de músicas que marcaram a vida de pessoas, elas contam situações de amor pelas quais passaram e daí cantam à capela as palavras e melodias que lhes rondam pelo amor, pela dor, pelo ciúmes, pela frustração, pelo pesar, pela alegria...


De uma intimidade quase constrangedora, tamanha a proximidade e invasão em universos tão particulares. 

(Parece quase uma sessão de terapia filmada, que parece beirar a ética da exposição alheia, não houvesse uma pesquisa, uma seleção, um cuidado que legitimam o desejo dos entrevistados de desabafarem para quem quiser ver - e ouvir!).

Mas o que torna o filme tão bom é esses universos tão particulares e íntimos serem também tão universais. Passamos pelos 90 minutos compartilhando histórias bonitas e doídas e rememorando nossas próprias, cantando junto e somando outras ao repertório...

As Canções, filme para ver e ouvir e despertar as lembranças...


domingo, 18 de dezembro de 2011

Restless e a inquietude de Gus Van Sant


Gus Van Sant é um diretor extremamente talentoso e que pode variar em narrativas mais clássicas como Gênio Indomável e Milk (já comentado aqui) e outras mais autorais e líricas como Paranoid Park Elefante, vencedor de Cannes em 2003.


Uma de suas constantes, independente da forma, é a juventude e, mais que isso: jovens deslocados, melancólicos, solitários, gauches...

E é assim em seu novo filme, Restless, no Brasil: Inquietos.


Enoch (Henry Hopper) é um frequentador de enterros morbidamente interessado - ou intrigado - com a morte. Nesse ambiente conhece Annabel (Mia Wasikowska), uma simpática e misteriosa garota que em seguida descobrirá ser uma paciente com câncer.

Os dois se identificam por suas excentricidades, seu gosto pela fantasia e abertura à imaginação. Se propõe jogos, charadas, faz-de-contas e não expõe nenhum preconceito por qualquer dúvida ou diferença que apresentem (muito diferente de uma média onde jovens posam de "sabe-tudo" e tentam seguir padrões).


Essa "fantasia" é o que torna o filme tão bonito e faz com que questões profundamente complexas como o amor e a morte se vejam tão poéticas.


Mas é também nesse tom surreal que o filme se amorna.


Não há em Inquietos um pacto de fantasia como nos filmes de Jean-Pierre Jeneut, por exemplo em seu mais conhecido Amélie Pouilan, ou nos recentes Submarino de Richard Ayoa e
Frango com Ameixas de Marjane Satrapi (já comentados aqui e ali, mas ainda inéditos no circuito comercial).



E assim suas personagens ficam um pouco perdidas em um tempo e espaço que poderiam ser mais interessantes se num universo completamente verossímil, que daria uma dimensão mais exótica e densa - como acontece em Os Sonhadores do mestre Bertolucci.

Alguns aspectos do filme que contribuem para isso são o excesso da trilha musical e a presença de fantasmas, que deixam a dúvida se o filme está sendo narrado em terceira pessoa ou não.

Se há uma mistura de subjetividade com paranóias e traumas envolvidos, já que o filme evoca esses desdobramentos de experiências de morte. 

Algumas lapidadas e o filme seria mais intimista, mais profundo, mais poético. Ficaria mais aberto às interpretações do espectador, que sem dúvida se envolveria pois o filme é muito bem construído (elenco, interpretações, fotografia, arte...).


Bonita obra, mas que poderia tocar mais.


quinta-feira, 15 de dezembro de 2011

Rebobine, por favor (be kind, rewind) - Gondry


Gênio do mundo do videoclipe, com grandes obras criativas e estéticas 

(de artistas como Björk e Chemical Brothers), de vez em quando Michel Gondry também se aventura pela sétima arte.

Por exemplo com o hit (até excessivamente cultuado) Brilho Eterno de uma Mente sem Lembranças (comentado aqui), no qual explorou além de seu talento visual, sentimentos e pensamentos profundos e abstratos em uma narrativa bem estruturada e envolvente.



Esse histórico foi o que me levou a ver - mesmo que tardiamente - Rebobine, por favor, ou no original: Be Kind, Rewind.

A sinopse tem algum atrativo criativo já que após as fitas de uma locadora serem desgravadas (por uma "desmagnetização" acidental), há um grupo recriando clássicos do cinema-pipoca americano, 


E tem como protagonista Jack Black, que costuma desempenhar muito bem seus papéis nerds-humorísticos (como em Alta Fidelidade e Escola de Rock)

Entretanto o filme é bastante pobre, não só as recriações extremamente toscas, que parecem literalmente brincadeiras juvenis, mas também o "filme por trás do filme".


As histórias desses "pretensos cineastas" são simplórias, seus conflitos pouco envolventes, suas personalidades pouco carismáticas e as premissas pouco críveis e um tanto gratuitas.

O que poderiam ser duas horas de entretenimento-pipoca, acabam mais como um chá-morno-enfadonho.


Faltaram justamente as principais qualidades de Gondry: criatividade (pois o nonsense parece mais uma piração amadora) e estética.