O protagonista é um ghost writer e partindo disso já temos diferentes nuances: o universo cotidiano dele, o universo do criar, o universo das criações e o universo da mentira dessa fantasia, já que estamos falando de escritores fantasmas...
Esse protagonista vive a vida dupla de escritor e acaba escolhendo uma vida dupla na Hungria para tentar se encontrar... Larga o Rio de Janeiro e se instala em Budapeste. E vai e volta. E se atrai por histórias, por culturas, por lugares, mas mais do que tudo: por línguas, por palavras, por sonoridades...
Mas essa personagem é daquelas onde não se identifica exatamente a motivação, há uma nebulosidade, um tédio, uma falta de paixão em seu entorno, um pouco como tantas personagens dostoievskianas, por exemplo...
Conclusão: um protagonista sem graça, daqueles que queremos sacudir e de quem esperamos reações o tempo todo.
Mas o livro vai entretendo e o desafio criativo do protagonista e seus duplos nos intrigam e nos levam a um final surpreendente, da narrativa mais simplória e realista se passa a um patamar mais poético e reflexivo sobre criador e criatura...
Difícil adaptação cinematográfica.
Não só pela demanda de poesia e reflexão, mas principalmente pela falta de carisma do protagonista.
No cinema não há muito espaço para personagens assim. Pode-se ter vilões, pode-se ter personagens perdidos, sem rumo, mas há certa máxima em que personagens devem ter objetivos e lutar por eles.
Assim, mesmo um protagonista entediado e perdido como Jack Nicholson em O Iluminado de Kubrick, tem brilho no olhar.
Ou personagens mais cinzentos demandam um entorno, como o coro de personagens em M. O Vampiro de Dusseldorf de Fritz Lang ou ainda a voz narrativa ácida, irônica e cheia de personalidade de Brás Cubas em suas memórias (de Machado às adaptações).
Walter Carvalho se instiga pelo desafio da adaptação buarquiana (outrora magistralmente adaptado por Ruy Guerra em Estorvo).
Walter é bastante fiel, mas se perde justamente no retrato cinza de seu protagonista.
Começando pela seleção de Leonardo Medeiros para o papel, que mais uma vez traz seu tom cotidiano, cansado, sem curvas, sem brilho (como em outros filmes comentados aqui).
As outras personagens tampouco ajudam, pois são justamente projeções da mente enfastiada e cinzenta de seu protagonista.
E assim a narrativa avança competentemente (boa fotografia, cenários, locações, som...), mas sem grandes curvas, sem luz e com o agravante das duas horas não darem conta da progressão de suspense que há no livro.
Walter tem consolidado uma carreira de fotógrafo brilhante e uma cinematografia já sólida e eclética, começando com seu excelente documentário Janela da Alma e passando pelos mais comerciais Cazuza, o tempo não para e Raul, o início, o fim e o meio (a estrear em breve).
Mas aqui, em Budapeste, o resultado foi um filme morno e que se distancia do livro pela frase - que inclusive abre o filme: "Pensei que Budapeste fosse cinza, mas Budapeste é amarela"...
Faltou o amarelo e essa luz e esse dourado que poderiam fazer do filme algo mais fiel à cidade-título...
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