quarta-feira, 24 de dezembro de 2014

Olmo e a Gaivota (Olmo & the Seagull) - Petra Costa

OLMO E A GAIVOTA: APROPRIAÇÕES E HIBRIDISMOS DA LINGUAGEM AO TEMA.


A jovem diretora Petra Costa estudou artes cênicas e antropologia, mas é com a linguagem cinematográfica que vem desenvolvendo sua arte e se comunicando com o mundo...

Começou com um singelo e poético registro de seus avós que resultou no premiado curta Olhos de Ressaca.

Em seguida enfrentou o desafio de trazer à tona uma história íntima muito dolorida e difícil, mas que em suas próprias palavras pôde encontrar consolo na poesia... Poesia de seu próprio filme, Elena, já comentado aqui.

Com ele Petra ganhou destaque mundial, ampliou suas fronteiras e seu universo.

Em sua diversificação de assuntos escolheu outro tema intimista mas dessa vez não tão pessoal...

Em Olmo e a Gaivota Petra, ao lado da dinamarquesa Lea Glob, empresta seu olhar para acompanhar um casal integrante do grupo Teatro de Soleil

O conflito de Serge e Olivia é querer ter um filho e não abrir mão de tudo que têm.

Como conciliar uma carreira itinerante, em que se empresta o corpo e ao mesmo tempo abrigar e gerar um outro ser, por exemplo?

Esse é o principal desafio vivido na pele, principalmente por Olivia.

Novamente de maneira próxima e delicada e com recursos bastante envolventes, Petra explora câmeras que atuam, sons que embalam, luzes, músicas e enquadramentos que nos tragam pra dentro dos personagens.

E, assim como em Elena, Petra propõe um híbrido de linguagem: não se sabe bem a medida de documental e ficcional dos registros.

Em Elena a justificativa se dava por ser um retrato da própria vida da diretora e, portanto, qualquer elaboração sua, adaptação, visualização e mesmo reencenação, cabiam como o documento de uma realidade. 

Se para ela um momento de passagem de amadurecimento feminino se dava como mulheres imersas na água, como questionar o real contido nisso? Por que não a saudade poderia ser documentada de maneira abstrata e poética? Afinal, como se registra a falta que alguém nos faz?

Mas em Olmo e a Gaivota, a crise da mulher que tem que interromper seu trabalho pela gestação, a sensação de abandono que tem pelo marido que continua o trabalho, a relação com as mudanças de seu corpo, a elaboração da ideia de família, as brincadeiras com as transformações, o cotidiano se adaptando ao que vem, o faz de conta especulando o que há de ser, os momentos prosaicos, os encontros, as descobertas... 

Todas essas questões vêm em cenas que Petra e Lea captam... Mas que também manipulam.

Há cenas em que a intimidade é extrema e já nos faz não saber qual o grau de realidade contido naquilo. As diretoras se tornaram tão íntimas do casal que portam uma câmera praticamente invisível? O casal é tão acostumado a uma vida de entrega e em comunidade que têm tamanha facilidade para se expor? 

Os dois são tão artistas que podem representar a si mesmos? Ou o que está representado é ainda algo que não é bem realidade?

Durante todo o filme vemos espaço para todos esses momentos.
Embarcamos na ficção, voltamos à realidade, ficamos em um espaço nebuloso...

Por momentos somos tirados do transe pela explicitação da direção também.

Em um momento de uma discussão tensa, de repente ouvimos a voz de Petra interferindo, ela não se apresenta como uma terceira pessoa comentando a situação documentalmente, mas faz mesmo uma direção entre dois atores.

Em outro momento vemos um isolamento extremamente poético da protagonista, mas: se documental o isolamento soa falso (já que para a câmera ela está claramente se expondo) e se ficcional o que nos sobra como documento?

Interessantíssimas questões que nos fazem refletir muito não apenas nos temas mas também na linguagem, no discurso...

De certa forma em tudo há uma discussão sobre apropriação: os limites da apropriação do corpo em uma gestação, da apropriação da vida que muda, da vida que chega, da vida que surge... 

Os limites da apropriação da realidade para sua transformação e formatação em um suporte e duração que o torne filme.
Vale muito a apropriação que fazemos dessa uma hora e meia de filme e tudo que podemos elaborar e recriar dentro de nós...

Considerando-se ressalvas ou não, é inegavelmente uma intensa experiência e que vale muito a pena!

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