quarta-feira, 16 de novembro de 2011

Cisne - Teresa Villaverde



Um dos filmes mais estranhos, bonitos e interessantes visto nos últimos tempos: Cisne da portuguesa Teresa Villaverde.



O filme constrói com sensibilidade e poesia a história de Vera, uma talentosa e reconhecida cantora em turnê por Lisboa, de onde vemos emergir o tom nostálgico e melancólico.

Cisne abre com a música de Vera, mas nos contará sobre os bastidores, muito mais do que da vida de hotel e camarim, mas de sua vida íntima, suas angustias, seus sonhos, seus amores...

E de maneira nada convencional.


Uma personagem que se comunica por falas e gestos poéticos - em intensas metáforas visuais, como seu choro de sangue.


Assim, nos aproximamos literalmente de seu eu lírico, conhecendo, nos identificando e nos atraindo por seu íntimo. 

(Me lembrando muito os excelentes curtas de Caetano Gotardo  - como Areia e O Menino Japonês).

Vera busca acompanhantes desconhecidos quando está em turnê, e por isso conhece um jovem que vai se seduzindo por ela, se interessando pelo seu jeito ao mesmo tempo frio e passional, cheio de regras e manias, mas aberto à imprevisibilidade e às incertezas presentes no outro. 

Além da insônia que os une, Vera e esse garoto, cuja história de orfandade vamos conhecendo, tem muitas afinidades: busca de carinho, reconhecimento, amor e origens...


Difícil definir o que se destaca nessa história de amor (amor do garoto por Vera, de Vera por seu companheiro, amores por estranhos, vizinhos, irmãos, conhecidos... Amor como verbo intransitivo...). 

Ficam sugestões, impressões, sensações do que estaria sendo dito, apesar da linearidade da construção a imprecisão da história nos deixa despistados e embriagados (o que seria fato, o que seria projeção subjetiva), mas em mim fica a potência do caos de pensamentos e sentimentos das intensas personagens.

A crise possível no amor, a maturidade, a juventude, a maternidade, o sucesso, a solidão, tudo está abarcado embrumeadamente no filme e várias notas vem à tona para mergulharmos... Difícil de se captar todas as entrelinhas em uma única assistida, merecedor de novas sessões, que estréie por aqui!


Fora de Satã (Hors Satan) - Bruno Dumont


Aclamado por outros títulos exibidos no Brasil como A Vida de Jesus e A Humanidade (este premiado em Cannes em 99), Bruno Dumont fez sucesso esse ano com Fora de Satã.

Suspense, thriller psicológico, drama, romance... Um jogo de filme realista com tempos lentos, diálogos desencontrados, personagens instigantes e situações e entidades metafóricas, filosóficas, míticas...


Me faz lembrar de excelentes referências como a obra-prima de Saramago O Evangelho Segundo Jesus Cristo, a obra-prima de Bergman O Sétimo Selo, o gracioso filme Deixa ela entrar ou o recente exemplar brasileiro Trabalhar Cansa.


Fora de Satã mostra um homem misterioso pastoreando por montes ermos, 



E sempre acompanhado por uma garota estranhamente seduzida por ele.


O tom sinistro do filme já vai nos levando a desconfiar dos milagres feitos pelo homem e nos faz reconhecer nessa figura o "satã" do título. 


Mas o filme não pretende trazer conclusões, nem temáticas, nem dramáticas nem filosóficas.

Ele apenas constrói um bom filme e com isso envolve o espectador e deixa para ele as múltiplas interpretações possíveis.


Irmãs Jamais (Sorelle) - Marco Bellocchio


Marco Bellocchio tem uma filmografia vasta, que pelos poucos títulos que chegaram por aqui, podemos concluir que vale a pena conhece-lo mais. Pelas amostras exibidas em São Paulo nos últimos tempos, podemos ver seu cinema comprometido (algo bem importante entre os italianos atualmente), original, profundo e extremamente belo. 


O primeiro que conheci foi o belo e denso:
Bom dia, noite.
(abordagem original sobre o sequestro de Aldo Moro)

Em seguida o excelente Vincere.
(também original ao se partir de uma situação vivida por Mussolini em sua juventude e representativa de diversos aspectos da figura do ditador)

Agora a Mostra de São Paulo trouxe Irmãs Jamais, um filme estranho, irregular, diferente, mas bastante instigante.

O filme é de fato experimental, pois surgiu de filmagens feitas, em intervalos de vários anos, em uma oficina de cinema que Belocchio dava na cidade onde cresceu (como explica Zanin).

Ali Belocchio registrou sua família (filha, filho, tias etc) e construiu uma história familiar com diversos paralelos à sua, mas que segundo ele é ficcional.
Entre cenas longas, estranhas, poéticas, bonitas, misteriosas, Irmãs Jamais vai trazendo alguns assuntos à tona: o lado conservador da família que preza pela manutenção dos laços, da união e do patrimônio; 

A geração seguinte com diversas inquietações e aspirações maiores, desejando criar, construir, expandir e conquistar o mundo; e a terceira geração, que apesar de representar o futuro, me parece a mais impregnada de nostalgias. 

Ali se sente o gosto pela infância na cidade pequena, a importância dos valores e laços familiares e ali se antevê a crise entre o velho e o novo, entre a valorização da família e a busca de novas identidades...



Para mim a personagem da menina que vemos crescer (interpretada pela filha de Belocchio, Elena, de seus cinco aos 13 anos) pode ser um alterego do diretor:

Aquele que agradece, homenageia e sente saudades da cidade e dos espaços onde cresceu, e das pessoas com quem se relacionou e se formou, mas também aquele que deseja ir além, ganhar o mundo e fazer filmes...

Na construção do filme sentimos as cenas feitas aos poucos, em intervalos de anos, com diferentes pontos de vista e amadurecimento,


Mas o olhar intimista; o desejo de se aproximar de um tempo em espaço lento, denso e particular; as personagens profundas; a estética um pouco sombria, mas bela e poética... Tudo está ali.


Colcha de retalhos e intenções que funcionam. E instigam a conhecer os outros títulos.


domingo, 13 de novembro de 2011

O Palhaço - Selton Mello



Hoje tem goiabada? Tem sim, senhor!

Um dos maiores atores da nova safra de talentos brasileiros, com dezenas de filmes na carreira, Selton Mello tem também ambições autorais.


Seja recriando diálogos e improvisando com suas personagens (por exemplo de O Cheiro do Ralo da adaptação de Heitor Dhalia para o excelente livro de Lourenço Mutarelli
Meu nome não é Johnny de Mauro Lima, ou em O Auto da Compadecida da adaptação de Guel Arraes para Ariano Suassuna); 


Seja trabalhando como entrevistador (Tarja Preta), seja co-produzindo obras em que acredita, ou, claro, criando seus próprios filmes.

Selton revela uma mente inquieta e sensível com muito a compartilhar.

Por exemplo: o universo de O Palhaço, seu segundo longa, que mais do que trazer os bastidores do circo e homenagear artistas e comediantes brasileiros, parece falar da dura vida artística. 



Além de dirigir, Selton protagoniza a trama na qual o palhaço Pangaré, filho e parceiro de Puro Sangue, vivido pelo exemplar Paulo José
é administrador de uma grande trupe de palhaços, bailarinas, domadores e afins, parece cansado das intempéries da vida na estrada e seus imprevistos, dificuldades e restrições.

Selton opta por um filme sem grandes ações dramáticas, mas exagera ao não compartilhar mais de perto os sonhos e as angústias de sua personagem.

Por exemplo, um de seus maiores desejos é um ventilador, mas ele não explora a sensação de calor e as cenas não nos levam a compartilhar esse desejo, o que acaba fazendo com que sua busca se enfraqueça.

Acho uma pena pois realmente o universo é muito rico (já vimos em um de nossos clássicos nacionais, Bye, Bye Brasil, de Cacá Diegues), pois a opção do filme e das personagens mais monotônicas podem trazer grande comicidade e compaixão, principalmente com o ótimo elenco reunido e com a qualidade técnica do filme, exemplificada por exemplo pelo trabalho de arte e fotografia primorosos... 



Mas meu mergulho no filme acaba não se aprofundando... Ficam os aplausos pelo belo espetáculo, mas um desejo de quero mais!


Submarine - Richard Ayoade



Jovem ator, roteirista, produtor e diretor, o inglês Richard Ayoade revela sua experiência em um filme bastante interessante e divertido: Submarino.



A história é novamente as crises de um garoto de 15 anos diante da vida na escola e os problemas com os primeiros amores, a popularidade, a criatividade. 


Novamente também aparece a reverberação de problemas no casamento dos pais refletidos na vida do filho. E novamente uma abordagem intimista do garoto impopular e sem destaque, pelo qual podemos passar diariamente sem nos darmos conta.

"Novamente" pois ao vermos Submarino podemos nos lembrar do divertido Quase Famosos de Cameron Crowe;

Do ótimo Lula e a Baleia de Noah Baumbach;



De exemplares nacionais de Jorge Furtado (Houve uma vez dois verões, O Homem que copiava e Meu tio matou um cara);



Laís Bodanski (As Melhores Coisas do Mundo);

Ou mesmo de Kevin Arnold e seus Anos Incríveis, para mim uma das melhores séries televisivas de todos os tempos!

Submarino encanta menos pela história e seus conflitos e muito mais pela narração bastante divertida, cheia de referências culturais (filmes, músicas, livros...), de humor irônico e saboroso que revelam, por exemplo:

Como o protagonista Oliver se acha um gênio da literatura, cool e maduro e tem tudo planejado em sua vida (registradas em deliciosas cenas vindas da imaginação de Oliver).



As personagens, aliás, são um dos pontos fortes do filme. Os diálogos e a montagem também são destaques. Vale a pena conferir.

Olhando Espelhos - Negar Azarbayjani


O estreante diretor iraniano Negar Azarbayjani se aventura em um tema polêmico em Olhando Espelhos.
Principalmente se pensarmos na realidade repressiva em que vive o Irã (descrito em Dias Verdes de Hana Makhmalbaf).

O encontro de uma jovem mãe de família com um jovem transexual.

Cheio de nuances e acontecimentos, Olhando Espelhos conta a história de Rana, uma jovem cujo marido foi preso por não honrar uma dívida devido a um roubo, e por isso assume o taxi do marido para sobreviver e juntar dinheiro. 


Em suas andanças pela cidade ela encontra Adineh ou Eddie, jovem que tenta fugir da casa de seu pai para poder sair do país e passar por um tratamento de mudança de sexo, já que na Alemanha fez um acompanhamento onde se confirmou sua transexualidade.


Nesse encontro, Rana passa por muitas variações de sentimentos: medo, indignação, incompreensão, aceitação, carinho... 


Bonita história, talvez um pouco excessiva em tantos dados e tantas cenas, que muitas vezes não tem tempo para um preparo, um crescente de emoções e uma maior aproximação das personagens, lembrando um pouco as telenovelas. 

Faltam cenas como a inicial com discurso em off, num desencontro de som e imagem muito envolventes, ou as cenas em que há jogos de enquadramentos em metáforas visuais como quem encara espelhos.

Talvez seja o caso de mais experiência e maturidade, já que há momentos de puro cinema: tocantes, bem construídos (atuações, fotografia, montagem...), e que fazem jus a um tema tão denso.

sexta-feira, 11 de novembro de 2011

The yellow sea - Hong-jin Na



The yellow sea é um verdadeiro
 mar de sangue construído pelo sul coreano Hong-jin Na.

Começa numa construção gradual da história de Gu-nam, um motorista de táxi, desiludido pelo abandono de sua mulher, endividado e envolvido com bandidos;


E numa vida desregrada de jogos e bebida em que não consegue dar atenção à sua mãe e sua filha pequena.

Mas algo parece angustiar esse homem e fazer com que ele queira mudar de vida. Quando recebe então uma proposta envolvendo um assassinato e muito dinheiro, ele resolve se arriscar.


A partir daí o filme assume seu lado negro (ou vermelho-sangue) de crimes, ações, aventura, torturas, subornos, porradas, lutas, fugas, buscas, assassinatos...  


Hong-jin dialoga então com o cinema de ação americano, por exemplo da trilogia Bourne, pelas sequências de perseguição de carros com direito a muitas batidas de carros.

E também com filmes de máfia oriental, aqui sem lutas de espada, mas com facas, canivetes, facões... (já que apesar de dezenas de mortes no filme em diversas cenas, apenas em uma há a presença de revólver).


Filme muito competente, mas um peixe fora d'água na Mostra, desajustada surpresa.