quarta-feira, 26 de outubro de 2011

O Desaparecimento do Gato - Sorin



Carlos Sorin é da ótima safra de ótimos diretores argentinos das últimas décadas, seu talento e sensibilidade se vê em Histórias Mínimas e O Cachorro.



Dessa vez buscou uma história mais madura, com conflitos da meia idade, classe média alta, trama aparentemente mais densa e universal. Entretanto, para mim o que ficou foi um filme menos autoral e bem menos envolvente.


De início já um diálogo muito didático e verborrágico para explicar a premissa do personagem que recebe alta de um hospital psiquiátrico após crises que interferiram em suas relações. 

Disso passa-se à retomada de sua relação com sua mulher, a verdadeira protagonista do filme que não sabe como reagir diante das mudanças sofridas pelo marido. 

Ela não sabe o que esperar dele: o homem inteligente, divertido e sarcástico com quem conviveu por toda a vida, o homem surtado e violento dos meses anteriores à internação ou o novo homem gentil e passivo que está a seu lado.


Essa crise é trabalhada dentro de um suspense psicológico envolto de situações quase fantásticas.



Na transversal desse conflito está o tal gato que desaparece... O bicho de estimação que reage às estranhezas envolvendo o marido.

O realismo com tom de terror fantástico me faz lembrar o recente brasileiro Trabalhar Cansa.


Porém Sorin é bem mais contido...

Tem mérito, mas realmente não me conquistou. Prefiro seu talento intimista para retratar o cotidiano de personagens que revelam a profundidade em sua simplicidade, partir do profundo para mim pareceu um pouco vazio...
Confira no trailer!

terça-feira, 25 de outubro de 2011

O Garoto da Bicicleta (le gamin au vélo) - Dardenne


Os irmãos Dardenne seguem com seu cinema vigoroso, de personagens fortes, tramas com profundidade psicológica, conflitos de desajustes e inadequação...

O Garoto da Bicicleta dá quase a impressão de um Pixote de 1o mundo... (E aí se intui que diferença faz uma educação e abordagem diferente).

Com elenco impecável, inclusive e principalmente pelo protagonista, vivido pelo garoto Thomas Doret.


O filme tem grande densidade, tanto pela história do garoto que não tem mãe e é abandonado pelo pai, vivendo os azedumes de busca e de pessoas que se aproximam dele por interesse e sem amor.

A densidade está também não só naquilo que o filme mostra, mas no que ele não mostra. São as lacunas um de seus maiores méritos, que nos mantém instigados, curiosos, interessados e envolvidos... 

O Garoto da Bicicleta nos provoca para pedalar pelas elipses e preencher com as passagens, os sentimentos, os acontecimentos que só podem ser intuídos.

E aí o filme me conquista.

Pois dessa vez os irmãos Dardenne nos chocam menos (e para alguns parecem apresentar um filme menos interessante), já que o final é mais acalentador que dos demais filmes... Nessa quase sequência de A Criança, inclusive com mesmo ator, Jérémir Renier,



Há uma personagem, vivida por Cécile de France, que nos instiga não por sentimentos mals, mas pelos bons... E para mim é a personagem que fica mais em aberto, é a que me convida mais às entrelinhas e entrecenas, e é a que acaba me aproximando mais do garoto...

E tudo está harmônico, como sempre a fotografia, arte, som... Tudo compõe bem com as tramas realistas e cruas dos Dardenne... Um cinema com marca e personalidade, que vale a pena ser visto!


domingo, 23 de outubro de 2011

Meu País - André Ristum



Meu País tem uma boa premissa, bons atores, emoções bonitas e fortes.
Mas Meu País me faz sentir estrangeira, já que trabalha de maneira contida e linear demais... 
Faltam curvas no roteiro, falta ambiguidade nas personagens e, portanto, mais verossimilhança...

O resultado é que a trama não envolve como poderia: o irmão mais velho, Rodrigo Santoro, que volta da Itália após a morte do pai, Paulo José, e se depara com o irmão imaturo, Cauã Reymond, envolvido em vícios e a irmã, Débora Falabella, recebendo alta de hospital psiquiátrico e precisando de cuidados... 

Não vemos a transformação dessas personagens, não há um crescente de mudança em seus pontos de vista, sentimentos, ideais. E quando há mudança vem de situações clichês e não soam verdadeiras, o que nos faz nos sentir mais alheios...

André Ristum é um diretor muito cuidadoso com suas obras, desde curtas muito singelos e bonitos, como Homem Voa? e 14 Bis. 
Até essa sua estréia em longas, mas parece que faltou ousadia, faltou mais proximidade da trama, faltou traduzir com mais intensidade o que seria o "país dele", pois a intenção de fazer um filme intimista, baseado em passagens autobiográficas para mim resulta em um filme de outro lugar, outra realidade, e sem dúvida não do filme do "meu país".



segunda-feira, 17 de outubro de 2011

Mostra Internacional de São Paulo


Comovida com a morte de Leon Cakoff, criador e diretor (e super-herói) da Mostra Internacional de Cinema de São Paulo - um dos maiores acontecimentos cinematográficos do país e uma das minhas principais fontes de contato com o que há de mais diferente e especial no cinema de todo o mundo.


Às vésperas da abertura da 35a edição, Cakoff parte, deixando a nós, cineastas e cinéfilos, um pouco órfãos. Entretanto, sua ação foi tão sólida, que parece que deixou a garantia da permanência da Mostra no calendário de eventos da cidade.

Essa Mostra será triste por sua perda, mas aprendi com o próprio cinema, que a dor e o luto fazem parte.



Como trabalhou tão poeticamente Kieslowski em A Liberdade é Azul 
e tão realisticamente Jacques Doillon em Ponette.


Ou mesmo tão dolorosamente Philippe Claudel em Há Tanto Tempo que te Amo. 


Mas a vida segue - como nos japoneses Hanami
ou  A Partida. 



E nos traz reflexões como em O Sétimo Selo de Bergman.


Asas do Desejo de Wenders.


Ou Gosto de Cereja de Kiarostami. 



Por outro lado, para mim a 35a Mostra terá também uma felicidade: estrear um filme - Tatu Bolinha - meu novo curta, que integrará a programação do evento.






Estarei na Mostra por dentro e por fora e com Cakoff de uma maneira ou de outra...

sábado, 8 de outubro de 2011

Londoni férfi (O Homem de Londres)


A maestria de Béla Tarr está no intangível: são os silêncios, as lacunas, o brilho, as sombras, a luz, a melodia...

Baseado em conto de Georges Simenon, O Homem de Londres conta mais do que a história de um funcionário de estação de trem que testemunha uma briga por uma maleta de dinheiro e consegue resgata-la. O filme fala sobre valores, ética, moral, culpa, bens materiais, direitos, família...


O protagonista em nenhum momento consegue comemorar a conquista da fortuna, seu peso é sentido profundamente e o acompanha em toda a narrativa. 



Esse peso é levado para suas relações familiares: com a filha, interpretada por Erika Bók, também atriz da obra-prima O Cavalo de Turim; e com a esposa, vivida por Tilda Swinton (que me marcou pelo recente Um Sonho de Amor).

Porém as discussões e interações às vezes se perdem um pouco pra mim, em parte por o filme ser dublado, em parte por diferenças de tom na interpretação.

Algumas vezes me desconecto do filme, mas quando volto é sempre para me embevecer com as lindas imagens, com a bela (e excessiva) trilha, e me instigar com a densidade das personagens...

(Eduardo Valente também fala sobre as irregularidades do filme em ótima crítica)

Ver sentimentos complexos como a culpa, o remorso, o encantamento traduzidos em sons e imagens com tanta destreza realmente me conquista.

Mais um ponto para esse grande cineasta húngaro!
Confira no trailer!






segunda-feira, 3 de outubro de 2011

Um Conto Chinês


Com boas recomendações, me aventurei para mais um exemplar do cinema argentino...
Dessa vez: Um Conto Chinês de Sebastián Borensztein.
Filme bem simpático, divertido, agradável...

Os hermanos realmente tem talento, consistência e repertório na sétima arte!


Mas confesso que esse não é dos meus preferidos. Prefiro a irreverência de Lucrecia Martel, a densidade de Trapero ou ainda a humanidade de Daniel Burman, por exemplo.

Sem falar na obra-prima mais "novelística" O Filho da Noiva de Campanella...

Mas não há como negar: Um Conto Chinês constrói muito bem suas personagens e faz uma amarração improvável (inspirada pela mania de seu protagonista que coleciona notícias absurdas de jornais)...

E o investimento do filme é em parte em um realismo explorado no cotidiano do protagonista, mais uma vez o grande ator Ricardo Darín. Porém esse realismo é construído em um tom caricato: a personagem é excêntrica de uma maneira que beira o inverossímil. 

E a situação em que ele se vê: amparando um chinês que é roubado e não sabe como sobreviver em Buenos Aires sem falar espanhol e sem encontrar seu tio que vive ali é verdadeiramente insólita... 


A comunicação feita de gestos (e resmungos por parte do "anfitrião") é bem divertida e vemos que há ali o potencial de uma relação mais profunda e de sentimentos...

Mas esses sentimentos só se confirmam definitivamente em um diálogo final, onde todos os absurdos são postos à mesa e se revelam improváveis coincidências.

A partir daí todas as resoluções se dão, mas sem muita preparação, a não ser de piadas, rimas visuais, diversão...

Ricardo Darín cumpre muito bem seu papel, mas começa a parecer desgastado por tantos filmes, parece estar sempre no mesmo papel, ora numa posição mais distanciada, fazendo mais piadas e comentando sua própria "sorte" em tom mais cômico, ora levando o drama mais a sério e investindo em sua cara sisuda e densa...

Os demais atores também estão bem, reagem bem no seu entorno, carismáticos coadjuvantes para sua banda...

Trilha, montagem, foto, tudo colaborando para um gracioso filme de entretenimento... (confira no trailer!)
Combinou com meu sábado à noite, embora eu esperasse mais...

Que venham agora novas reflexões da realidade argentina... Quem sabe estréias dos já consagrados, ou ainda surpresas das novas gerações...

domingo, 2 de outubro de 2011

Trabalhar Cansa - Ju Rojas e Marco Dutra


Amigos virando gente grande. Gente grande de cinema. E grande mesmo, Trabalhar Cansa tem muitos méritos: 
A história explora com veracidade, proximidade e densidade a vida de um casal de classe média que luta contra o desemprego, o cansaço, o tédio, as agruras do cotidiano...
Mas não é tudo.

Juliana Rojas e Marco Dutra seguem fiéis ao seu cinema (muito bem desenvolvido em seus curtas, como Um Ramo e O Lençol Branco, que já vinham despertando interesse em muitos, por exemplo em Cannes, onde os curtas foram exibidos, 

Um Ramo foi premiado - foto ao lado -  e Trabalhar Cansa esteve concorrendo em 2011 ao lado de grandes diretores de todo o mundo).

A fidelidade a esse cinema que eles desenvolvem vem na busca de uma estranheza no cotidiano, da exploração de um imaginário mais fantástico, de suspenses sem alardes, mistérios construídos lenta e constantemente e com muito realismo... 

E em narrativas que não são completamente redondas de começo, meio e fim, mas que deixam lacunas para preenchermos, espaços para nos espelharmos, nos envolvermos, participarmos...



O mérito dessas narrativas interessantes e intrigantes (pontuadas por um roteiro extremamente criativo e por uma montagem precisa) vem com a interpretação realista e marcante de grandes atores como Helena Albergaria, (com quem tive prazer de trabalhar em Tori) e Marat Descartes ;

E em coadjuvantes bem interessantes como Gilda Nomacce - foto ao lado - e a estreante Naloana Lima. (Em alguns momentos as interpretações chegam a ter tons destoantes, mas nada que chegue a comprometer).




A estética crua e realista também fazem ressaltar as qualidades do filme (fotografia, arte, som...).



Orgulho ver meus colegas de faculdade e trabalho, minha geração, o cinema com quem dialogo crescer, ser fiel a si e ser potente!

O filme tem o trabalhar que cansa, o trabalhar realista, mas tem também o trabalhar que vai além, do realismo fantástico cheio da magia do cinema...
Vida longa ao Trabalhar, que não Cansa, mas intriga e nos embriaga de cinema! Confiram!