quinta-feira, 31 de março de 2016

A Paixão de JL - Carlos Nader



O documentarista Carlos Nader tem muito respeito pelos temas com os quais trabalha. Assim pode seguir a precisão de Eduardo Coutinho ou a poesia de Leonilson.


A Paixão de JL parte dos diários gravados de Leonilson, que correspondem a sua fase mais produtiva como artista, e também a descoberta de sua doença e sua morte.

Leonilson foi um artista plástico brasileiro, autor de mais de quatro mil obras, muitas premiadas e apresentadas em diversos museus do mundo. 

A temática de suas obras são bastante pessoais e Nader costura com destreza e poesia a costura e a ponte entre os depoimentos gravados em K7, as gravações de programas de TV feitas por Leonilson e imagens de suas obras.

Nesse universo vemos as contradições de valores conservadores, paixões libertárias, motivos para medos e para lutas, pensamentos íntimos e particulares e conexões com culturas ao redor do mundo e ícones pop.

Nader faz uma conexão entre tudo isso mas sem ser extremamente didático e nem fechar o discurso e interpretação do olhar artístico e criativo de Leonilson.

Suas conexões trazem sentido e emoção as obras que vemos, mas também nos permite fazer uma viagem particular por esse mundo.

quarta-feira, 30 de março de 2016

Ovelha Negra (Hrútar) - Grímur Hákonarson


O cinema islandês vem ganhando força com uma geração ativa, assim como Dagur Kári, de Desajustados, já comentado aqui, Grímur parte de um conflito simples e o constrói com simplicidade, delicadeza e competência.

Ovelha Negra conta a história de dois irmãos que vivem brigados sem se falar mas que se unem para tentar salvar o rebanho de ovelhas da família (uma espécie de herança e de honra).

Essa parceria velada, cheia de sentimentos implícitos e interessantemente não explicados, vai adensando a trama.


Faz lembrar o singelo e doce Uma História Real de David Lynch, embora com final menos ameno e em uma paisagem deslumbrante e menos conhecida.

Aqui, no país em que a população de ovelhas é maior que a de pessoas, é bonito ver a relação das pessoas com os animais.

E a importância cultural, familiar, histórica e de afeto entre as pessoas e os bichos.

O filme nos comove e chega ao ápice na sequência final em meio a uma tempestade de neve, onde o calor entre as pessoas se mostra imprescindível.

terça-feira, 29 de março de 2016

Desajustados (Fúsi) - Dagur Kári


O filme islandês Desajustados de Dagur Kári tem uma sinopse não tão original: homem tímido, com visual fora de padrão, vive uma vida pacata e acanhada de imaturidade e bullying, até que se apaixona e tenta viver novos desafios.

Entretanto a história não se constrói de maneira direta e chapada, seu diferencial está no roteiro e direção que primam pelos detalhes e delicadeza.


E também pelas sequências realistas e não romanceadas, como é mais comum de se ver.

Somos apresentados a sensações, sentimentos e desejos com uma sutileza cheia de emoção.

O protagonista Fúsi nos constrange e nos conquista aos poucos e vamos torcendo por ele a cada palavra proferida, a cada passo dado.

E nossa catárse não vem com sua vitória absoluta, mas com pequenas mudanças genuinamente possíveis em nosso dia-a-dia e por isso ainda mais tocantes e envolventes.

Um salve a todos os Fúsis em nossas vidas, dentro de nós e nas telas do cinema!


quinta-feira, 17 de março de 2016

Os Amigos - Lina Chamie


Temas e roteiro bastante interessantes. Num meio tom em misto de amargura e doçura.

A história de um arquiteto que perde um amigo de infância e faz um balanço de seu passado e presente: seus ideais de trabalho, suas buscas amorosas, seus vínculos, seus sonhos...

O filme ainda traz cenas líricas de uma contação de história feita por crianças e imagens de animais (lembrando um pouco A hora da estrela - ótima adaptação de Suzana Amaral para a obra-prima de Clarice Lispector).

Porém os trocadilhos e metáforas inteligentes do filme nem sempre encontram um tom, algumas vezes pareceriam mais apropriados para algo cômico (quase sitcom). 

E a divergência entre um texto mais exagerado e a interpretação contida também dificultam essa aproximação com uma história de tanto potencial.

Amigos acaba sendo um filme fechado em seu círculo e com dificuldade para ultrapassar outras relações.

segunda-feira, 14 de março de 2016

O Filho de Saul (Saul fia) - László Nemes


Primeiro longa do húngaro László Nemes que já tinha tido a experiência de trabalhar com o mestre Béla Tarr, diretor de O Cavalo de Turim, já comentado aqui.
Nemes mostra como as marcas do holocausto ainda podem estar presentes e serem recontadas com inovação e frescor por alguém que nem imaginava nascer nos tempos da 2a Guerra.
Nemes conta a história de um prisioneiro de campo de concentração que tenta dar um enterro digno a uma criança. O filho de Saul

Não temos certeza. O que fica claro é a importância desse ato por alguém (destaque para o ator Géza Rhrig que testemunha todas as atrocidades possíveis naquele campo, mas não quer aceitar de maneira alguma que essa criança não possa ao menos descansar em paz.


Como disse o crítico Luiz Zanin, o fim digno é uma busca nas sociedades que viveram mortes em massa e está presente em diversos filmes como Nostalgia da Luz, também comentado aqui.

Por isso empatizamos com a busca quase insana de Saul. Sua dificuldade em ver a situação em perspectiva, que lhe deixa muito mais próximo de seu íntimo e seu particular.

A fotografia também compartilha esse ponto de vista: só vemos o que está perto, não há quadro lateral (já que a janela usada na captação é de formato quadrado) e não há foco nas ações desdobradas em 2o plano. 

Mas elas estão lá. E impactam talvez até de forma mais poderosa.

E nos emocionam por vermos um drama pessoal em uma tragédia coletiva, como fizeram outros filmes como O Pianista de Polanski ou Bent de Sean Mathias.


O Filho de Saul é simples, cru, talvez supervalorizado pela crítica, mas merece o crédito por sua força e precisão e nos deixa atento para o cinema de Nemes e da Hungria.

Nostalgia da Luz (Nostalgia de la luz)- Patricio Guzmán


O documentarista chileno Patricio Guzmán juntou diversos interesses seus em um único filme. Nostalgia da Luz fala sobre estrelas, ditadura, memória... 


Assuntos de profundidade incalculável, por isso a abordagem etérea de Guzmán.

Depoimentos muito interessantes e bons argumentos, porém o discurso oscila... Entre a profundidade, contundência, poesia, mas também em certa imprecisão... 

Nem sempre os assuntos se conectam naturalmente e às vezes as relações por vezes tão bonita, em outras flui menos.



A importância da matéria, daquilo que é intocável como as estrelas e daquilo que parece estar para sempre desaparecido.

A dor do desaparecimento, essa morte que não se define e que angustia os que ficam (tema difícil de narrar, como podemos ver por exemplo em depoimentos na Comissão da Verdade, ou no belo Vala Comum de João Godoy, que se pode ver na internet).

Nostalgia da Luz é um bom título então para esse filme de tema intraduzível em palavras e de bom uso das poeiras (do deserto do Atacama ou do cosmos) para sua narrativa.

quinta-feira, 10 de março de 2016

Eu Sou Ingrid Bergman (Jag är Ingrid) - Stig Björkman


Stig Björkman é um experiente documentarista e que foi instigado a fazer esse filme em um encontro casual com Isabella Rossellini (filha de Ingrid com o diretor italiano), foi ela que lançou a ideia e lhe apontou alguns passos.


Alguns desses passos estavam dados pela própria Ingrid que escrevia muito sobre si e adorava fazer filmes caseiros. E esse material de partida já se mostrava muito rico por si só. 



E de fato é um dos destaques do documentário.
Uma maneira de apresentar Ingrid desarmada, num olhar mais intimista e bastante revelador.



O complemento dos depoimentos dos filhos, apenas aprofundam a composição do mosaico.


Mas as revelações do filme estão menos no que é dito, estão nas entrelinhas.

O filme mostra o tempo todo a mulher forte, voluntariosa, trabalhadora, impulsiva, frágil, solitária, que mergulhava no trabalho e em homens por quem se apaixonava, deixando pra trás relações, afetos e admiradores.

Também deixava em choque um público conservador que acompanhava seus grandes sucessos de Hollywood e esperavam dela um símbolo de beleza e perfeição.

Eu sou Ingrid Bergman não vai a fundo em tentar psicologizar as motivações de Ingrid, nem dos efeitos de suas ações em seus filhos ou em outras pessoas próximas. 

Algo se pode ver e sentir por uma admiração, ressentimento, raiva ou amor que escapam nos discursos. Mas muito permanecerá no mistério do olhar penetrante e sedutor da atriz e no que fica embargado em seus filhos.

Stig fala pouco da obra da atriz (mas permite captar sua magnitude de filmes como Viagem à Itália - já comentado aqui) e apenas nos traz esses guardados mais pessoais sem elaborar muito a costura.

Nos deixa com uma matéria prima crua e com a qual podemos bordar questões feministas, artísticas, mercadológicas, afetivas...

Principalmente se pensarmos o quanto uma mulher ainda pode ser condenada ao sair dos padrões de boa esposa, boa mãe e bom exemplo.

Por um lado parece um documentário simplista e pouco acabado, por outro parece ser um documentário exatamente como um documentário deve ser...
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