sexta-feira, 3 de outubro de 2014

Estorvo - Ruy Guerra


Baseado no romance homônimo de Chico Buarque, Ruy Guerra cumpre o desafio de fazer um filme absolutamente lírico.

Em Estorvo, acompanhamos o protagonista através do seu olhar: sentimos seus incômodos, vemos as outras personagens com as distorções de seu ponto de vista e vamos sendo levados sem objetivos claros, num fluxo de pensamentos e acontecimentos.

Tudo tem a imprecisão da subjetividade: dos diálogos em falas repetidas, passando pelas lentes exóticas, pelos sotaques ou nas elipses de ações.

A trama faz lembrar outras obras em que os personagens são um pouco vítimas das circunstâncias e não tem objetivos claros, como O Estrangeiro, de Camus.

Aqui também não entendemos muito bem os fatos, mas ficamos totalmente imersos no clima e ao lado desse personagem carismático e intrigante.

O protagonista é vivido pelo cubano Jorge Perugorría, astro do ótimo Morango e Chocolate de Tomás Gutiérrez Alea e Juan Carlos Tabío.

O cubano Perugorría traz um sotaque de português de Portugal e se mistura a vozes brasileiras falando português, espanhol e outras misturas.

O filme às vezes esbarra um pouco na caricatura e fica um pouco datado pela direção de arte e atuação, mas o lirismo fala mais alto.

Não há precisão de tempo, espaço, local e muitas vezes nem mesmo da imagem, reforçando que importa menos a lógica dos acontecimentos e muito mais as sensações.

Como em poemas, como em músicas, como em videoclipes, mas tão raramente em longas-metragens.


Apenas um mestre como Ruy Guerra, autor de obras-primas como Os Cafajestes e Os Fuzis



Nenhum comentário:

Postar um comentário