terça-feira, 26 de novembro de 2013

Tatuagem - Hilton Lacerda


O experiente roteirista Hilton Lacerda, parceiro de outros pernambucanos como Cláudio Assis e Lírio Ferreira e autor de filmes como Baile Perfumado, Amarelo Manga, FilmeFobia e Estamos Juntos (estes dois já comentados aqui), também se arrisca na direção.

Já havia dirigido curtas e documentários e chega agora com Tatuagem.

Tatuagem tem vigor, frescor e uma excelente direção. 

Ótimos atores (conhecidos - como Irandhir Santos que brilha o filme todo - e também desconhecidos que não ficam para trás), muito bem dirigidos, mise-en-scène extremamente envolvente, interessante direção de arte e fotografia...

Muito bom o mergulho em um universo da cultura de vanguarda dos anos 70, dos artistas gauches e excluídos da época da ditadura...


O filme conta a história de um grupo de artistas vivendo quase que em uma comunidade, clima hippie e libertário da época e nos convida a esse mergulho.

Nos sentimos tragados dentro desse universo, assim como um de seus protagonistas,  Fininho, o garoto que serve o exército e nas horas vagas desfruta desse mundo paralelo.

Conflitos sobre a arte, processo criativo (remetendo um pouco ao Esse amor que nos consome também comentado aqui), homossexualidade, paternidade, ditadura, amor, paixão, ciúmes, liberdade...

Questões caras e profundas, tratadas de maneira ao mesmo tempo densa e prosaica, cheias de realismo e magia.

Talvez o que falte ao filme é um pouco de edição: tanto de ideias já que às vezes poluem um pouco (as passagens minimalistas, apenas com atores e diálogo são maravilhosas), de conflitos (que fazem com que o roteiro tenha mais reviravoltas do que o necessário);

Direção de arte (excesso de decoração e figurino da trupe de teatro pobre) e mesmo montagem (algumas cenas teriam mais força se mais enxutas, sem começo, meio e fim e com lacunas para o espectador preencher).

Afora essas arestas, o filme é puro deleite: personagens carismáticas, universo encantador, elementos muito bem orquestrados.

Vontade de novas tatuagens para fechar espaços nos corpos cinéfilos de quem assiste...

segunda-feira, 25 de novembro de 2013

Mataram meu irmão - Cristiano Burlan


Em tempos de exposições excessivas de tanta futilidade em redes sociais, nos comovem as histórias reais que vem em narrativas profundas e elaboradas.

Foi assim com o documentário Elena, de Petra Costa - já comentado aqui. E é assim com Mataram meu irmão, documentário elogiado e premiado de Cristiano Burlan.

Mais um exemplar de documentário em primeira pessoa, em que o cineasta compartilha sua história pessoal e impacta com a força da realidade.

Se Petra usa de sua poesia e feminilidade para investigar o que aconteceu com sua irmã, mergulhando nas memórias e na psicologia da irmã, Burlan usa da secura e do "papo reto" e faz uma investigação mais sociológica.


O filme começa com imagens belas e poéticas, mas o tom de seu discurso já é duro e sério.

Depois o filme segue um discurso mais baseado em depoimentos (em especial do amigo durante cerveja na praia), discursos diretos, sem rebuscamentos ou metáforas, que ajudam a recompor a trajetória do irmão.

A "dura realidade da periferia" com verdade e simplicidade. Não são os grandes crimes e criminosos de Cidade de Deus, não é a vida de miséria registrada em tantos outros filmes, são relatos mais cotidianos, mas nem por isso sem grandes acontecimentos e situações dramáticas.

Mataram meu irmão é um soco no estômago, acompanhar a crueza dos fatos e ver a emoção de forma contida, mas tão densa (resultando na linda cena de um abraço familiar) é impactante.

Experiência não só cinematográfica, mas antropológica, principalmente porque é uma história que está vencendo as muralhas da periferia e chegando a classe média frequentadora de cinemas.
(E muito corajosa pela exposição que faz das pessoas envolvidas).

Grande feito.

E, assim como dito de Petra, fica a curiosidade para ver os próximos trabalhos de Burlan, saber como outras narrativas poderão ter a mesma força em seu cinema, em como outras feridas menos íntimas poderão ser tratadas e nos tocar com a mesma pungência...


terça-feira, 19 de novembro de 2013

Norte, o fim da história (Norte, hangganan ng kasaysayan) - Lav Diaz


Aos poucos a cinematografia de outros orientes vai se aproximando, por exemplo de trópicos tão distantes mas com algumas semelhanças notáveis como do tailandês Apichatpong (com filmes já comentados aqui), o indonésio estreante Edwin que trouxe o diferente Postcard from the zoo na Mostra de São Paulo de 2012 (também comentado aqui) ou os filipinos Brillante Mendoza (com filmes já mais conhecidos e comentados neste blog).


Lav Diaz, que esse ano recebeu uma retrospectiva na Mostra e pode apresentar alguns de seus filmes.


Entre eles: Norte, o fim da história, livremente inspirado em Crime e Castigo do mestre Dostoievski.


Diaz traz vários elementos bem interessantes para uma adaptação, desde uma atualização no tom da conversa filosófico-jurídica entre estudantes presente no livro, e o apego em personagens secundários.

Raskolnikov aqui não é o único protagonista e não vemos suas perturbações como nos apresenta Dostoievski, a inspiração para esse personagem no filme veio mais do ditador Ferdinand Marcos.

A riqueza da história recontada por Diaz está em outros personagens, apresentados com simplicidade e singeleza, que narra com doçura o cotidiano árduo de vidas tão precárias.

Essa precariedade é explorada em diversos aspectos, desde falta de moral e ética, falta de justiça até falta de recursos propriamente.

Assim, em uma longa narrativa (o filme tem cerca de 4 horas), Diaz traz diversas histórias e contextos, em uma costura semelhante a novelas (com diversidade e entrelaçamentos).

Mas com a busca da profundidade de Dostoievski (personagens densos, tempos para reflexão, paisagens contemplativas...).


Vale a pena conhecer esse outro desfecho da história. E quem sabe se aventurar em outras tramas (mas tendo em conta que os filmes de Diaz em geral tem muitas horas de duração!).

segunda-feira, 18 de novembro de 2013

Instinto materno (Child's Pose) - Calin Peter Netzer


Diretor romeno que está se "espoenciando" na cena cinematográfica internacional, Calin Peter Netzer lança seu terceiro longa: Child's Pose.

Roteiro simples, enxuto e preciso, com cenas e conflitos bastante potentes.

Poucas vezes vemos conflitos envolvendo classes altas e baixas do ponto de vista dos ricos, mas sem perder o aspecto crítico.

Esse é o caso aqui: um homem de 30 e tantos anos atropela um garoto e quem tenta resolver a situação é sua mãe, uma socialite trabalhadora e controladora.

O filme poderia ter se inspirado em notícias de jornal sobre o atropelamento cometido por Thor, filho do empresário Eike Batista, que matou um garoto mas teve as informações manipuladas (testemunhas desaparecidas, juízes trocados etc) para que Thor saísse ileso de qualquer processo.

Em Child's Pose acompanhamos a narrativa a partir da personagem Cornelia.

Ela tem seu cotidiano de arquiteta e decoradora e de socialite em programas culturais interrompido para auxiliar o filho que cometeu um crime.

Aos poucos se vê as relações conflituosas envolvendo todos os personagens, e acompanhamos a situação de Cornelia num misto de desprezo e simpatia, já que ela é por vezes injusta, fria e inescrupulosa, mas faz tudo com amor.

De fato a tradução do título em português faz sentido, é o lado maternal da mãe que é visto acima de tudo e justifica um pouco seus atos.

A trama parece comum em novelas, mas o tratamento que recebe: câmera intimista, tempo de expressões e diálogos, atuações etc são de grande realismo e força.

Vale muito a pena.



sexta-feira, 15 de novembro de 2013

Lira Paulistana - Riba de Castro


Com uma cultura musical tão rica, o Brasil acaba tendo um gênero cinematográfico bastante específico de documentários musicais...

Muitos filmes tem sido feitos, tanto de artistas renomados como os Tropicalistas ou Raul - filmes já comentados por aqui. Também de artistas menos presentes nos grandes cenários como Tom Zé
ou Arnaldo Batispta (este também comentado).

Em Lira Paulistana, Riba de Castro também relembra um universo alternativo, mas intensamente rico da dita música de vanguarda paulista.

O documentário de Riba conta a história de maneira detalhada e ritmada, com muitos depoimentos que vão estabelecendo jograis divertidos. Falas consonantes ou dissonantes que vão pouco a pouco nos trazendo novas notas e compondo essa Lira.

Sempre um prazer ver e ouvir artistas tão bons, como o saudoso Itamar Assumpção, que também já ganhou um documentário musical próprio com Daquele intante em diante - outro que também se encontra por aqui.

Riba foi um dos fundadores da casa de show Lira Paulistana, muito ativa nos anos 80 em São Paulo e por isso a história é contada com tanta propriedade (e com preciosos materiais de acervo).

Não são só informações sobre os shows e eventos que aconteciam naquele espaço, mas também o clima da época, o pique das pessoas e seus sonhos.

O saudosismo acaba ficando presente, tanto que o filme acaba não tocando no fim da Lira Paulistana. O desejo de que não acabasse parece presente nessa lacuna. Por um lado falar do fim talvez fosse dar um tom estranho para o filme, mas por outro poderia trazer reflexões interessantes também.

É sempre rico parar para pensar no ontem (em termos históricos poucas décadas são um piscar de olho) e ao mesmo tempo ver o quanto se mudou e o como conseguimos estabelecer certa distância crítica e de análise.

De qualquer maneira as reflexões sobre a época e sobre seu fim ficam com os espectadores. E também a vontade de voltar no tempo, nem que seja através de músicas na vitrola (ou no youtube ou aparelho de CDs):  http://www.youtube.com/watch?v=enUS3tcwPr4

quinta-feira, 14 de novembro de 2013

Inch'Allah - Anais Barbeau-Lavalette



Filha de cineastas, Anaïs Barbeau-Lavalette também encontrou na sétima arte a maneira de se expressar.

O conflito apresentado em seu longa Inch´Allah é a crise entre palestinos e judeus em plena Cisjordânia. 

Ali vive a médica estrangeira Chloe que se vê absolutamente dividida entre sua vida de quem vem de fora apenas para colaborar e alguém que passa a viver a vida do local;

Entre a jovem de classe média e a apaixonada por um militante palestinos em dificuldades, entre árabes e judeus;


Entre o cotidiano simples e a guerra, entre a vida e a morte...

A narrativa é simples e a trama não tão original. Mas a força dos conflitos, a boa execução da linguagem e o carisma dos personagens nos instigam, envolvem e emocionam.

3X3D - Jean-Luc Godard, Peter Greenway & Edgar Pêra


Grandes autores reunidos para uma tarefa interessante falar/apresentar a cidade portuguesa de Guimarães em 3D.

3 X 3D traz três curtas. O primeiro, de Peter Greenway, faz um tour pela cidade, apresentando algumas figuras importantes da cidade e de outras épocas.

Porém a narrativa é extremamente pobre, além da câmera que nos propõe um passeio, os personagens aparecem quase como cenário, sem nenhuma ação ou interação. Na tela ainda aparecem alguns textos, fazendo com que o filme pareça uma aula em powerpoint.

Em seguida vem o curta de Edgar Pêra que propõe sátiras sobre a própria linguagem, com comentários sobre cinema de gênero, brincadeiras com a linguagem 3D e o diálogo entre autores e espectadores.

Algumas questões divertidas, mas que se repetem e se alongam, sem nos acrescentar muito.

Por fim Godard traz suas reflexões (em sua própria voz, como em alguns de seus últimos filmes), sempre de modo culto e rebuscado sobre imagens cinematográficas em 3D. Algumas colocações nos deixam intrigados e fazem pensar, mas no geral o discurso é cansativo e não acrescenta muito.

A reunião dos três curtas também não propõe um diálogo entre si e faz da experiência do filme algo disperso, desconexo e sem graça. Decepção.