domingo, 19 de dezembro de 2010

Antes que o Mundo Acabe - Ana Luiza Azevedo



O cinema gaúcho costuma vir com inventividade, e de uma maneira diferente: sem grandes pretensões... Não são histórias mirabolantes, são causos do cotidiano bem contados... E é isso que cativa... 

Tipo o primeiro longa de Furtado: Houve uma Vez dois Verões (da foto ao lado). E que dialoga muito com a estréia de Ana Luiza Azevedo: Antes que o Mundo Acabe (que, aliás, tem vasta experiência como assistente de Jorge)...

Aqui vemos o cotidiano de um adolescente em uma pequena cidade no Rio Grande do Sul. Os melhores momentos do filme são justamente do menino com seu melhor amigo, a namorada, as situações na escola, a interação com a família...

Mas com a família vem um conflito: a harmonia em sua casa com a mãe, o padrasto e mesmo sua meia-irmã com quem se atrita, ameaçada pela crise causada pelos contatos feitos por um pai verdadeiro que ele não conheceu...

O porém é que essa história é muito detalhada e contada didaticamente e a atuação do pai, que destoa do elenco adolescente e não tem nem a mesma vida, nem o mesmo charme e espontaneidade...


Algo que seduz também na figura da irmã, que é quem narra o filme...


O filme não resulta tão denso, redondo e interessante quanto um As Melhores Coisas do Mundo de Laís Bodanski, mas traz uma história com crises do primeiro amor, traição, relação com melhor amigo, estudos e vestibular, escolha de profissão, perspectiva de futuro, referências familiares, etc.

E com isso deixa uma semente plantada e uma curiosidade por conhecer mais o que poderá vir de Ana Luiza... Que esse mundo não se acabe e que possa crescer muito mais!

quinta-feira, 16 de dezembro de 2010

É Proibido Fumar de Anna Muylaert

Não é que o filme seja perfeito, não é. Há um desequilíbrio na história, uma trama policial bem fraca e que compromete até a construção das personagens, mas o que é bom no filme é tão bom, que pra mim o que salta aos olhos e enfumaça a vista são realmente os méritos!



Raríssimas experimentações de tamanho naturalismo e potência na interpretação!



Diálogos extremamente verdadeiros, situações banais cheias de charme! E mesmo nas personagens de tom farsesco e caricatural essa mesma verdade!


Personagens de carne e osso! 
Tanto nos primorosos principais: Glória Pires e Paulo Miklos.

Como também nos secundários ou nas participações especiais: Marisa Orth, Antônio Edson, família Abujamra, Pitty, etc, etc, etc.



A arte e a fotografia caminham no mesmo sentido naturalista, e na arte um charme todo especial presente em mínimos detalhes!




Trilha bacana, montagem bacana, filme bom!




Saí feliz com o cinema brasileiro!
Saí admirada de Anna Muylaert!

(de quem a experiência anterior - Durval Discos - não gosto! ali se ensaia uma graça, se ensaia também um mosaico de interessantes figuras paulistanas, mas tudo é abandonado em nome de uma narrativa nonsense que não cola, não pega e fica rodando como disco quebrado em vitrola fora de época)...





Mas esse, realmente merece os prêmios que levou! Justifica cada inventivo!
E que venham e se permitam muitos "é proibido fumar" por aí...

domingo, 21 de novembro de 2010

Você Vai Conhecer o Homem de seus Sonhos

Filme de Woody Allen em cartaz sempre me causa uma empatia para ir ao cinema. O famoso "mesmo quando é ruim é bom". Woody Allen tem humor, personagens carismáticos, tramas simpáticas, diálogos originais e saborosos, sua qualidade cinematográfica - excelentes trilhas sonoras, ótimas fotografias, competentes montagens, etc.


Entretanto, entre as últimas experiências allenianas nenhuma foi entusiasmante... Nem o enfadonho Sonho de Cassandra; nem o nada espanhol Vicky Cristina Barcelona - que ao menos tem personagens e atores muito cativantes, mesmo com a trama bagunçada e sem grande inventividade;
nem o morno Tudo Pode Dar Certo:
  (http://diculturices.blogspot.com/2010/08/whatever-works-wallen.html). 



Mas com Você Vai Conhecer o Homem de Seus Sonhos minha vontade é mesmo de ir dormir... Evitar o quase pesadelo da trama óbvia, repleta de chavões, personagens clichês, diálogos sem interesse... 



E pra piorar tudo, a costura é tão fraca que necessita de uma narração. As narrações em Allen não são incomuns, mas geralmente vem com suas observações irônicas, inteligentes, do seu típico humor ácido. Aqui é uma narração-descrição, nada a acrescentar...

Na verdade, a sensação que me deu foi a de um locutor fazendo compacto de novela... Tantos acontecimentos e reviravoltas na história (volto a dizer: sem originalidade) chegam a tumultuar, e daí são organizados em um texto sem graça...



Claro também que com o grande elenco (Anthony Hopkins, Naomi Watts, Antonio Banderas, etc, etc) que tem, a experiência do diretor com seus fotógrafos, montadores, trilhas, etc, o filme não chega a incomodar, apenas enfastia mesmo...

Mas me aflige um pouco isso estar se tornando uma constante em Woody Allen, parece que deixamos de ter a garantia de filmes bons de um cineasta de produção tão regular que já soma mais de 60 direções ao longo de sua carreira...

Fico aguardando ansiosamente um turning point em sua trajetória e que venha um final mais feliz!

sexta-feira, 19 de novembro de 2010

Uma Casa para o Natal de Bent Hamer

Apresentada pela Mostra Internacional de Cinema ao diretor  norueguês Bent Hamer, o primeiro filme que vi de sua autoria foi o interessante Histórias de Cozinha.

Filme de tom seco e humorado, trazia história não mto realista de experimentos científicos em uma cozinha. Mas acaba indo além  ao mostrar por trás temperos humanos das personagens.


Anos depois vi outro com tom bem mais pop: Factotum - com um dos queridinhos do cinema "independente" americano Mat Dillon encarnando Bukowski. Mas sem ser tão fã de Bukowski, nem de Dillon e com uma narrativa pouco criativa, minha resposta ao filme foi bem morna...

Eis que então numa nova Mostra vem Uma Casa para o Natal.

Filme multiplot típico: personagens meio solitários, desencontrados, errantes... O "clássico": "cada um na sua, mas com alguma coisa em comum".

E a construção é bem feita: desde crianças enfastiadas, passando pelas melancólicas, adultos frustrados, despedaçados...

Narrativas construídas aos poucos, em silêncios nórdicos, imagens bonitas, situações envolventes... Mas faltava algo...

E a liga vem da pior maneira... Assim como a chuva de sapos que me frustra em Magnólia, aqui vem uma aurora boreal belíssima, mas beirando o brega e o pior é que ela vem acompanhada de uma música muito melosa que estraga qualquer rabanada ou panetone...

Se Uma Casa para o Natal se contentasse com o corriqueiro e mais humano, mereceria mais presentes e elogios do Papai Noel...

No caso, acabou me desanimando e deixando com a sensação de que poderia ser melhor (principalmente sem os 5 minutos finais).

quinta-feira, 11 de novembro de 2010

Cópia Fiel (copie conforme) Abbas Kiarostami



Grande mérito tentar um novo discurso, um novo diálogo, nova experiência...

Paisagem e atores europeus em diálogos que lembram bastante os excessivos franceses... (Cenário da protagonista Juliete Binoche).


Passagens interessantes; jogo de atuação feito pelos personagens dentro da ficção; algumas colocações de uma palestra sobre originalidade (Copie Conforme); um bom personagem pré-adolescente, mas...

Não me tocou... Não senti emoções com as situações, não criei identificação com os personagens, não fui instigada por nenhum suspense, curiosidade, novidade...

Talvez já houvesse certo flerte parecido em seu episódio de Tickets, mas ainda vi ali personagens mais humanos e com mais conflitos. Aqui não vejo muito do Kiarostami que me encantou com seu profundo e filosófico Gosto de Cereja


Ou como em seus jogos com ficção e realidade dentro do contexto iraniano no singelo Onde Fica a Casa do meu Amigo? ou no híbrido Através das Oliveiras.

Mas quando o diretor é dessa magnitude, primeiro ficamos esperando que haja mais do que vimos em um filme que parece tão mediano, (o que também não me bloqueia a criticar), segundo: nos mantemos no aguardo do que poderá vir a seguir, e na esperança que venha algo mais "fiel" a tamanho talento...


terça-feira, 9 de novembro de 2010

Como Esquecer - Malu de Martino


Como Esquecer... Nem memorável, nem deletável... Boas intenções, bom argumento, bons momentos de interpretação, bons textos... Quase um desperdício já que um tratamento tão fraco, tão novelístico em diálogos pomposos e artificiais, situações e desfechos previsíveis, personagens clichês... 

(A mocinha que está depressiva e mau humorada e não se rende dessa sua condição em NENHUMA situação; o mocinho gay que é positivo e divertido e evita encarar QUALQUER coisa com mais seriedade; a coadjuvante romântica que coloca seus
 sentimentos acima de TODOS 
os problemas e questionamentos 
que venha a ter; 


aluna apaixonada, bem resolvida e idealista; mulher madura, bem resolvida e segura. - Aliás, interessante apresentar tantos personagens gays que questionam seus relacionamentos sem questionar suas opções sexuais: mérito do filme).


Porém a maneira como todas essas personagens se relacionam parece mal construída (talvez um mal de adaptação por querer trazer muitas situações e condensá-las). Há um excesso de coincidências e chegam a incomodar (toda a gama de relações da protagonista se condensa em 5 pessoas e absolutamente mais ninguém...) E polui o que é o mais interessante que é justamente a personagem que não aparece, a que está sendo esquecida e que aparece justamente como um fantasma, em geral como funcionam os Ex em nossas vidas, principalmente no momento de transição, momento de "luto"...

O final das relações são sempre tão densos e complexos, se intui que o livro no qual o filme foi baseado também seja, mas o filme fica muito aquém... Quer colocar em trama o que é filosofia e só consegue primariamente em textos
narrados e diálogos mal feitos...

Fica o gostinho de uma proposta que começa muito bem, com o que está nas entrelinhas, com os sentimentos que ficam não ditos, que tem uma profundidade e complexidade de sentimento, mas que aqui se transformam em frases de efeito opacas...

Os maus diálogos e monólogos também comprometem outro ponto positivo do filme: ter no casting Ana Paula Arósio em um papel original para sua trajetória que em geral a explora por sua carinha doce de mocinha de novela, mas sem situações e falas mais densas e críveis, esse talento se enfraquece...


Fica a boa intenção, boa proposta, mas a diretora Malu de Martino deixa a desejar na execução para que esse fosse um filme de como lembrar...

segunda-feira, 8 de novembro de 2010

Heaven - Susanne Bier


A Mostra Internacional de Cinema de São Paulo sempre gera certo frisson em relação aos filmes... Uma ansiedade por ver todos, comentar, saber que estamos nas melhores sessões, que vimos o de mais raro e original e que tiramos a sorte grande...

Nas últimas Mostras não pude frequentar assiduamente, mas as  "boas surpresas" vieram com mais "normalidade" do que o possível... Nenhuma grande surpresa, nada de tirar o fôlego, mas sem dúvida bons filmes. 



Esse ano tive essa impressão, por exemplo, ao rever O Estranho em Mim, esse ano em circuito (e já comentado aqui)... E em 2010 minha bola da vez foi Heaven de Susanne Bier. (Exibido aqui com título Em um Mundo Melhor).



Diretora que se iniciou no Dogma, já havia me conquistado com os complexos, densos, impactantes e competentes Brothers e Depois do Casamento.

Esse ano foi a vez de Heaven...





O filme flerta com as relações do ocidente com a África, com certo tom de denúncia e comoção que me lembram o Jardineiro Fiel de Fernando Meirelles.


Mas aqui o tema acaba se revelando outro... Para mim é um filme sobre a vingança... Sentimento que tentamos ou não controlar, justificar, exercer, evitar, mas que está presente em nossa sociedade...

Acompanhamos a trama de dois meninos se revoltando com a crueldade de colegas de escola que tentam exercer o poder sobre eles, em situações típicas de humilhação infanto-juvenil. 

Mas ao embaralhar essa trama com a de um médico sueco que trabalha em atendimentos de emergência em campos africanos.


Em condições de absoluta miséria, onde ele se vê diante das questões éticas de "quem se deve atender ou privilegiar?". Aí a história ganha complexidade e confronta o espectador...

Pois é muito fácil ficarmos do lado de personagens "gauches", perdedores que queremos ver vencer, torcer por ele e esperar suas superações a qualquer custo! 

Por isso o ponto de vista irresponsável de Tropa de Elite 1 que nos faz defender um protagonista extremamente fascista, mas por quem nos levamos a ficar ao lado e até torcer por ele...

Aqui a "torcida" pelo mais fraco ganha mais camadas... Os princípios do médico que numa atitude cristiana apresenta a outra face a quem lhe bate (literalmente), nos dá outras perspectivas e mostra um ponto de vista que da minha parte não consigo me identificar e torcer ao longo da narrativa e até por isso me surpreende e conquista ainda mais, pois realmente apresenta uma alternativa de um mundo melhor e tão pouco praticado... O cinema que o diga!



Parabéns, Susanne! Continue com lições bonitas e de talento cinematográfico!

segunda-feira, 1 de novembro de 2010

Abel - Diego Luna

Estréia na direção do jovem ator Diego Luna com simpático filme Abel. Sucesso de bilheteria no México, que parece ser fruto da singeleza, delicadeza e bom humor do filme!






Um menino que sofre com a separação dos pais, tem fortes crises psicológicas e acaba assumindo o lugar do chefe de família. 


O filme resulta numa comédia quase nonsense, mas que tem como fundo uma discussão sobre relações familiares, valores, distúrbios psicológicos, o limiar entre válvulas de escape e a loucura... Brincadeiras lúdicas de criança ou fugas doentias da realidade...

Para mim sinto faltar um pouco de densidade e ritmo no filme, mas admito que eu talvez não seja o público alvo... 

De qualquer maneira Abel tem muitos méritos e espero que venha a trajetória de um bom jovem diretor latino! (mas que siga também em interpretações de bons filmes como E Sua Mãe Também ou Milk)!

sexta-feira, 29 de outubro de 2010

Dos Hermanos de Daniel Burman

Daniel Burman pode não ser extraordinário, mas no alto dos seus 37 anos já apresenta uma filmografia considerável e bastante simpática.

Já falei sobre a força que tem O Abraço Partido, a simpatia com que me identifico com As Leis de Família e Ninho Vazio. Agora é a vez de Dois Irmãos.

Aqui Burman flerta mais com a comédia, em personagens mais caricatos, mas também com suas complexidades, dramas e complexidades...
Dois irmãos bem diferentes que começam a enfrentar as crises da terceira idade. Sem muito contato com amigos, colegas de trabalho ou outros familiares, eles acabam se apoiando um ao outro, vivendo uma relação de amor e ódio, cansaço e dependência...



O filme se enfraquece um pouco por sua semelhança com teatro: muito diálogo, pouca ação, licença poética de monólogos teatrais diegéticos e musical nos créditos finais. Mas ainda vale o tema, a interpretação muito boa dos atores e o realismo e doçura com que Burman sempre constrói seus filmes...

Avante, Burman!

Milcho Manchevski


Um dos filmes que mais me marcou no início dos anos 90 foi Antes da Chuva do macedônico Milcho Manchevski.




Ele foi uma das primeiras pessoas a me mostrar a força do ponto de vista em uma narrativa audiovisual:


Em Antes da Chuva vemos a história de uma menina se refugiando em um monastério em uma cidadezinha no interior da Macedônia. 




Em seguida vamos para um ambiente urbano onde vemos um casal de jornalistas. 


E por fim a história desse jornalista em sua aldeia natal, a mesma onde está o monastério.




As histórias assim vão se conectando e nos transmitindo diversas informações em camadas. Nossas impressões do primeiro contato vão se transformando, se aprofundando, nossos julgamentos à primeira vista vão tendo que ser revistos e tudo adquire uma complexidade extremamente interessante.

Esse universo e construção me fascinam, até fizeram parte do meu trabalho de conclusão de curso no curso de audiovisual na ECA-USP.

Ou seja, sobravam motivos para ver o último filme de Manchevski, Mothers. Até porque na sinopse se fala novamente sobre pontos de vista e hibridismos...

Porém, uma verdadeira falácia.

O filme começa com um curta: duas meninas fazendo falsas acusações de abusos e incriminando um inocente. A pequena história é bem contada, bem dirigida e deixa uma semente bem interessante no ar. 



Passamos daí a jovens fazendo registros cinematográficos em aldeias quase abandonadas no interior da Macedônia.



Abordagem intimista, afetuosa, simpática. Apesar dos jovens deixarem a desejar na atuação e de não entendermos bem o foco e a abordagem, o contexto geral cativam.


Entra então a terceira história, e aí o filme se perde COMPLETAMENTE.
Um documentário sobre uma condenação que se investiga ser falsa ou verdadeira.


Nessa investigação um excesso de depoimentos gerando uma grande colagem que impedem que se crie empatia com qualquer depoente, ou mesmo com o caso. Ainda mais com trilhas excessivas em quantidade e qualidade. Uma abordagem extremamente pobre, digna de jornalismo sensacionalista. 



Me pergunto se Manchevski teve a oportunidade de ver o genial Na Captura dos Friedmans de Andrew Jarecki, um exemplo de investigação sobre investigação, com depoimentos contraditórios e complexa apresentação de um caso...




Mothers então segue e aguardamos o fim da sequência policialesca e uma amarração do filme, mas não há, apenas uma frase que vem como uma bula-moral-da-história fraca e amadora, é didática, não dá margens a reflexões e faz parecer que o filme é ainda mais gratuito e mal amarrado...

Decepção...

Só espero que o erro tenha sido a exceção na carreira do diretor e não o brilhante acerto de Antes da Chuva...