segunda-feira, 12 de dezembro de 2016

O Apartamento (Forushande) - Asghar Farhadi


Farhadi vem consolidando seu cinema com um tipo de temática e narrativa.
As questões polêmicas, ambíguas, onde pessoas tentam se acusar mas chegam a impasses e verdades parciais e laterais parecem ser sua grande busca.

E os filmes sérios, centrados, dramáticos, que dão força a esses dilemas e nos colocam dentro das questões.


Foi assim com seu primeiro filme de destaque: A Separação - já comentado aqui, que retratava divergências num caso de divórcio. 

E consagrado com o filme seguinte, o belíssimo O Passado - também comentado aqui - que envolve as questões posteriores a uma separação, as relações financeiras, afetivas, dos demais membros da família como enteados, por exemplo.

Agora Farhadi traz a crise imobiliária iraniana como pano de fundo e a questão do assédio, abuso e da vingança em O Apartamento.

Um casal de jovens atores se muda para um apartamento emprestado provisoriamente e está se adaptando ‘a nova vida quando alguém entra no apartamento e abusa da esposa.


O que fazer?

Denunciar? Assumir o crime? Espalhar a notícia? 

Aceitar a culpa do descuido? Culpar o agressor? Persegui-lo? Matá-lo?


Seguir a vida? Superar o trauma? Fingir que nada aconteceu?

Todas essas questões vão sendo colocadas, sempre em camadas, sempre com novos dados que vão tornando a trama cada vez mais complexa.


Nos faz pensar em outros filmes que trata o abuso, como o argentino Paulina - com comentários aqui ou Elle - recém comentado no blog.

Uma questão complexa, que pode ser vista de várias maneiras e sem que se feche portas ou se chegue a nenhuma conclusão, exatamente como gosta Farhadi.

Jean Charles - Henrique Goldman


Henrique Goldman tem interesse por temas verídicos, foi assim em seu longa de estréia, o forte Princesa, sobre uma travesti na Itália ou em um documentário intimista em que ele estabelece diálogos com suas próprias ex-namoradas, All the girls I've loved before.

Aqui, Goldman explora os fatos reais envolvendo o assassinato de um jovem brasileiro confundido pela polícia inglesa como um terrorista e faz o filme Jean Charles

Para protagoniza-lo traz Selton Mello que personifica o "malandro" brasileiro, o que se arranja de bicos em bicos, que é inteligente, faz pequenas trapaças, sempre tem resposta pra tudo, ajuda os amigos, é animado, faz festa, dá apoios etc.

Mas lhe faltam conflitos. Suas ambições não são mostradas com tanta inquietação e ardor.

E por isso a protagonista que lhe acompanha, sua prima, vivida por Vanessa Giácomo, traz mais proximidade com o público. 

Ela que se esforça para chegar a Londres, depois se questiona sobre o tipo de vida vivido por estrangeiros, que abrem mão de suas profissões para trabalhar em serviços e ganhar salários que se tornam mais atraentes pela diferença de poder da moeda.

Os pretensos sonhos e conflitos de Jean nem chegam a ser formulados (e talvez não tenham amadurecido mesmo durante sua vida), eles são aniquilados junto com Jean. E quem resgata esses sonhos acaba sendo sua prima.

Uma trajetória bonita mas que vem em uma narrativa em que falta tempero. Falta mais proximidade com as personagens, emoção, verdade. Ainda mais por se tratar de uma história real.

domingo, 4 de dezembro de 2016

El Amparo - Rober Calzadilla


Premiado na Mostra Internacional de Cinema de São Paulo em 2016, El Amparo é a estréia do diretor venezuelano Rober Calzadillo.

Baseado em uma história real na qual o exército venezuelano mata um grupo de homens por engano e não se redime do feito, tentando calar os dois sobreviventes, Calzadillo vai além da denúncia da miséria e injustiça que envolve o ocorrido.

Trazendo nas entrelinhas o embate de questões primordiais ao ser humano como a liberdade e a dignidade, Calzadillo nos deixa com as perguntas: que preço pode ter a liberdade? E que custo pode ter a honestidade?

Mas mais do que um ótimo roteiro, o que mais chama a atenção no filme é a direção, que traz um registro com ares de documental: cenários naturalistas, câmera na mão e elenco excepcional.


Difícil trabalhar em tempos, respirações, falas, silêncios, olhares com tanta verdade e força.

Toda essa sensibilidade e vigor nos leva para dentro da trama, sentimos desde o calor insuportável da Amazônia, a desolação das viúvas, o embrutecimento das mães que perderam seus filhos ou a angústia daqueles que poderão pagar com suas vidas pelo comprometimento com sua honra e com a verdade 

(remetendo a outro filme recente que fala sobre ditaduras comunistas: A Rede, de Kim Ki Duk - já comentado aqui).

Calzadillo também mostra seu comprometimento com a verdade e o resultado é uma obra-prima.

segunda-feira, 21 de novembro de 2016

Elle - Paul Verhoeven


Paul Verhoeven (de filmes como O Quarto Homem ou Instinto Selvagem - com comentários recentes aqui) realmente chegou a uma excelência de execução, Elle traz a trama de violência e abusos sexuais com suspense, dramaticidade e muita profundidade.

A protagonista é vivida pela excelente Isabelle Huppert - já elogiada aqui em filmes como Amor ou A Bela que Dorme e impecável em outros filmes complexos como A Professora de Piano.

Aqui, Huppert é uma heroína-vilã que é vítima de um abuso sexual. E partir daí sua relação com a violação e com o desejo e como as outras áreas de sua vida se entrelaçam se tornam uma imbricada e instigante trama. 

Empresária de videogame bem sucedida, envolvida desde a infância em um escândalo policial de seu pai; 

com relações restritas mas intensas com sua mãe, seu filho, seu ex-marido, sua sócia e seus vizinhos, por exemplo, a protagonista nos mantém em uma linha tênue de intimidade e proximidade e total estranhamento. 

Nessa narrativa, Verhoeven é capaz de tirar gritos, risadas, lágrimas e embrulhos no estômago de seus espectadores. 

Somos tragados para dentro da história, muitas vezes tendo repulsa e querendo escapar dela a qualquer custo.

Duas horas intensas capazes de nos fazer pensar nas relações humanas e nos conceitos de moral, pecado, perdão, desejo, liberdade, bondade, maldade.

Parece muito para tão pouco tempo e maior ainda o mérito por fazer isso de maneira tão cinematográfica (decupagem, atores, trilha, foto, arte...), tudo preciso.

Para aprofundar vale ler também o texto de Eduardo Valente na Cinética.

quarta-feira, 16 de novembro de 2016

O Quarto Homem (De vierde man) - Paul Verhoeven


O holandês Paul Verhoeven tem uma vasta filmografia em que narra jogos de sedução e violência explorando símbolos religiosos e sexuais e diversos tipos de perversões.

Em O Quarto Homem - filme do período de estabelecimento de sua carreira - ele acompanha um escritor que é perseguido por figuras estranhas: pesadelos que o perseguem, quadros e esculturas que ganham vida, imagens que parecem uma coisa mas depois se revelam outra...

E toda essa construção vai adensando as perturbações desse protagonista, numa narrativa que ora parece um filme nonsense com inspirações Buñuelianas. 


Ora um thriller noir (gênero que projetaria Verhoeven em filmes como Instinto Selvagem). Ora mesmo um filme mais cômico e Felliniano.

Muitas camadas e leituras possíveis, que ao mesmo tempo trazem personagens caricaturais e ao mesmo tempo etéreas e tridimensionais.


A crise de criatividade, a viagem para evento de seu livro, a relação com sua cicerone por lá, o romance iniciado, o triângulo amoroso com o namorado dela, tudo vai fazendo parte do universo perturbado desse escritor.

Não sabemos o que está em sua mente ou o que é real, mas isso não importa, pois o filme é um enfrentamento de demônios possíveis em nossas vidas ou em nossas mentes.

Páginas da Revolução (Sostiene Pereira) - Roberto Faenza


A adaptação do livro Sostiene Pereira de Antonio Tabucchi feita por Roberto Faenza conta com a ilustre participação de Marcelo Mastroianni no que foi um dos seus últimos trabalhos.

Um projeto internacional, livro de um italiano que morou em Portugal e por isso fez sua história sobre o país. Num filme passado lá mas com a equipe prioritariamente italiana, com atores como Stefano Dionisi e a diva Nicoletta Braschi.


Além deles a participação muito especial do talentosíssimo Daniel Auteuil.

Páginas da Revolução conta a história do funcionário público Pereira, vivido por Mastroianni, vê sua vida pacata sofrer interferências a partir da ditadura salazarista em Portugal.

No livro, a objetividade com que se narra faz com que o personagem seja mais intrigante, não sabemos se a neutralidade com que dá suas afirmações no que se intui ser um interrogatório são fruto de sua ingenuidade ou de sua dissimulação. 


Os personagens que o cercam no livro também se apresentam misteriosos, ou por uma real discrição ou pelo disfarce de Pereira.

Mas toda essa ambiguidade em uma trama passada em uma ditadura, com informações truncadas, perseguições e violência trazem uma riqueza muito grande ao livro.

Já em um filme muitas vezes é mais difícil manter o mistério. Não se pode omitir tanto, pois tudo é visualizado. Sabemos o tom em que as personagens falam, acompanhamos suas expressões, vemos suas caracterizações.

E o trabalho de Faenza nos leva a caricaturas, sem tantas nuances e sem uma revelação crescente do que se passa de fato nas ações de Pereira, que vai oferecendo ajuda a pessoas sem se saber suas motivações reais.

Para quem leu o livro vale muito a pena ver a construção de Mastroianni ao personagem e ver o cenário e construção da época. 
Entretanto como história autônoma, sem o livro como base, a narrativa fica um pouco rasa.