quarta-feira, 27 de abril de 2016

A Garota Dinamarquesa (The Danish Girl) - Tom Hooper



O diretor inglês Tom Hooper tem grande talento para selecionar histórias reais e romanceá-las, por exemplo como fez em O Discurso do Rei, já comentado aqui


E agora, em seu trabalho mais recente, A Garota Dinamarquesa, Hooper se baseia na história do casal de pintores Einar e Gerda Wegener.



O casal vive o efervecer das artes na Europa na virada do século XIX para o XX.

Eles conciliam uma vida doméstica tranquila com badalados eventos artísticos de exposições, mostras, festas, onde muitos paradigmas e costumes eram questionados e colocados em xeque.

Nesse contexto Einar começa a viver sua transexualidade. Ao se vestir como modelo feminino para sua mulher, percebe uma identificação de gênero e não consegue mais voltar atrás em sua vida.

O filme tem um roteiro de cenas profundas e bastante delicadas, se focando principalmente na relação do casal e numa história de amor que transcendeu gêneros, formas e convenções.

O conflito de Einar é muito bem tratado: acompanhamos sua angustia em relação aos desejos e dúvidas em relação ao casamento.

Também a relações homossexuais, ao seu trabalho como pintor, como modelo e, principalmente, sua mudança de identidade.


A trama e o conflito são primorosos. O problema está no tratamento dado à história.


Hooper consegue fazer de uma cena com potencial antológico, em que Einar entra em uma sala de peep show, não para desfrutar do strip tease e muito menos se masturbar, mas para se inspirar no gestual da striper. 

Eddie Redmayne executa a cena com maestria (aliás, sua parceira de cena Alicia Vikander e todo elenco estão muito bem).

Porém a mão do diretor é tão presente, sobrepondo uma trilha tão exaustiva e melodramática que a leitura da cena se empobrece.

Esse exagero é reincidente ao longo do filme, ficando mais frequente ao final, quando a narrativa deixa de apresentar novos sentimentos e conflitos psicológicos, e passa a apenas contar os fatos, passo a passo, de maneira mais protocolar para a biografia e com direcionamento melodramático da trilha sonora, mise-en-scène, montagem etc:

Einar decide mudar de sexo e para isso se submete a consultas e cirurgias (tendo sido a primeira mulher transexual conhecida), até ter sua troca de identidade, se tornando Lili Elbe.

Documentação importante e história bonita, faltando apenas alguma lapidação.

quarta-feira, 13 de abril de 2016

Astrágalo - Brigitte Sy


Astrágalo é o segundo longa de Brigitte Sy, que em paralelo a uma intensa carreira de atriz, e estimulada pela vida artística em família (foi casada com o diretor Philippe Garrel e é mãe de Louis e Esther Garrel que inclusive participam deste filme) e vem se arriscando em alguns roteiros e direções.
Aqui, Sy se baseia nos textos de Albertine Sarrazin, tanto em passagens autobiográficas como em textos poéticos.

Astrágalo conta parte de sua vida, desde sua fuga na prisão na qual machucou um osso do pé - o astrágalo - e que lhe deixou manca por toda a vida. 

Esse acidente também fez com que ela conhecesse Julien, seu grande amor com quem viveu uma relação inconstante mas profundamente apaixonada.

Uma trama sem grandes peculiaridades, mas que conquista pela maneira potente como Sy filma.

Sy não trabalha com uma fotografia convencional: nem nos enquadramentos nem na fotografia preto e branco; 


Não se rende a um som convencional com trilhas didáticas; 
Não constrói personagens clichês e os mantém bastante misteriosos por toda a trama.

Além de fazer um excelente trabalho de casting e direção de atores, por exemplo com a dupla de O Profeta - já comentado aqui: Leila Bekhti e Reda Kateb);



E principalmente: trabalha de maneira muito particular o tempo das ações e da montagem. A mise-en-scène criada nos intriga, nos envolve e nos traga. 

Não temos conflitos estabelecidos, não sabemos o que esperar das personagens, com isso não conseguimos nos aproximar nem nos tornar íntimos delas, mas nem por isso deixamos de nos identificar e seduzir por elas.

Afinal o filme vai deixando cada vez mais claro que trata de paixão e de amor, dos tempos tortuosos da espera, da incerteza, do ciúmes e da infinitude de sentimentos intensos.

"Eu quero partir, mas para onde? Seduzir, mas quem? Escrever, mas o quê?" é uma das frases de Sarrazin que podemos vivenciar no filme.

domingo, 10 de abril de 2016

A Senhora da Van ( The lady in the van) - Nicholas Hytner


O humor inglês é famoso por sua peculiaridade e por isso talvez seja difícil o diálogo com ele.

Em A Senhora da Van, por exemplo, sem entender esse humor acabamos em um filme excêntrico e esquemático e que não nos aproxima nem nos comove com suas personagens.

O filme é baseado em fatos reais e tenta se valer disso para o pacto de fidelidade com os espectadores, entretanto isso não é suficiente, falta construção dramática das personagens para acompanhá-las melhor.

A senhora rabugenta que adentra a garagem de um morador de classe média londrina e passa a morar ali, numa certa relação de passividade e tolerância.

Porém, apesar do desenrolar e da aproximação gradual dos dois, a relação improvável não se adensa como mostrariam filmes hollywoodianos. 

As situações vividas por eles também não resultam em contrastes tão cômicos como poderiam.



Assim, a falta de uma construção psicológica maior dos personagens ou um maior exagero em suas caricaturas deixa o filme em um meio do caminho, a van acaba estacionada, sem realmente sair muito do lugar (ao menos a olhares não ingleses).

quinta-feira, 31 de março de 2016

A Paixão de JL - Carlos Nader



O documentarista Carlos Nader tem muito respeito pelos temas com os quais trabalha. Assim pode seguir a precisão de Eduardo Coutinho ou a poesia de Leonilson.


A Paixão de JL parte dos diários gravados de Leonilson, que correspondem a sua fase mais produtiva como artista, e também a descoberta de sua doença e sua morte.

Leonilson foi um artista plástico brasileiro, autor de mais de quatro mil obras, muitas premiadas e apresentadas em diversos museus do mundo. 

A temática de suas obras são bastante pessoais e Nader costura com destreza e poesia a costura e a ponte entre os depoimentos gravados em K7, as gravações de programas de TV feitas por Leonilson e imagens de suas obras.

Nesse universo vemos as contradições de valores conservadores, paixões libertárias, motivos para medos e para lutas, pensamentos íntimos e particulares e conexões com culturas ao redor do mundo e ícones pop.

Nader faz uma conexão entre tudo isso mas sem ser extremamente didático e nem fechar o discurso e interpretação do olhar artístico e criativo de Leonilson.

Suas conexões trazem sentido e emoção as obras que vemos, mas também nos permite fazer uma viagem particular por esse mundo.

quarta-feira, 30 de março de 2016

Ovelha Negra (Hrútar) - Grímur Hákonarson


O cinema islandês vem ganhando força com uma geração ativa, assim como Dagur Kári, de Desajustados, já comentado aqui, Grímur parte de um conflito simples e o constrói com simplicidade, delicadeza e competência.

Ovelha Negra conta a história de dois irmãos que vivem brigados sem se falar mas que se unem para tentar salvar o rebanho de ovelhas da família (uma espécie de herança e de honra).

Essa parceria velada, cheia de sentimentos implícitos e interessantemente não explicados, vai adensando a trama.


Faz lembrar o singelo e doce Uma História Real de David Lynch, embora com final menos ameno e em uma paisagem deslumbrante e menos conhecida.

Aqui, no país em que a população de ovelhas é maior que a de pessoas, é bonito ver a relação das pessoas com os animais.

E a importância cultural, familiar, histórica e de afeto entre as pessoas e os bichos.

O filme nos comove e chega ao ápice na sequência final em meio a uma tempestade de neve, onde o calor entre as pessoas se mostra imprescindível.

terça-feira, 29 de março de 2016

Desajustados (Fúsi) - Dagur Kári


O filme islandês Desajustados de Dagur Kári tem uma sinopse não tão original: homem tímido, com visual fora de padrão, vive uma vida pacata e acanhada de imaturidade e bullying, até que se apaixona e tenta viver novos desafios.

Entretanto a história não se constrói de maneira direta e chapada, seu diferencial está no roteiro e direção que primam pelos detalhes e delicadeza.


E também pelas sequências realistas e não romanceadas, como é mais comum de se ver.

Somos apresentados a sensações, sentimentos e desejos com uma sutileza cheia de emoção.

O protagonista Fúsi nos constrange e nos conquista aos poucos e vamos torcendo por ele a cada palavra proferida, a cada passo dado.

E nossa catárse não vem com sua vitória absoluta, mas com pequenas mudanças genuinamente possíveis em nosso dia-a-dia e por isso ainda mais tocantes e envolventes.

Um salve a todos os Fúsis em nossas vidas, dentro de nós e nas telas do cinema!


quinta-feira, 17 de março de 2016

Os Amigos - Lina Chamie


Temas e roteiro bastante interessantes. Num meio tom em misto de amargura e doçura.

A história de um arquiteto que perde um amigo de infância e faz um balanço de seu passado e presente: seus ideais de trabalho, suas buscas amorosas, seus vínculos, seus sonhos...

O filme ainda traz cenas líricas de uma contação de história feita por crianças e imagens de animais (lembrando um pouco A hora da estrela - ótima adaptação de Suzana Amaral para a obra-prima de Clarice Lispector).

Porém os trocadilhos e metáforas inteligentes do filme nem sempre encontram um tom, algumas vezes pareceriam mais apropriados para algo cômico (quase sitcom). 

E a divergência entre um texto mais exagerado e a interpretação contida também dificultam essa aproximação com uma história de tanto potencial.

Amigos acaba sendo um filme fechado em seu círculo e com dificuldade para ultrapassar outras relações.