segunda-feira, 5 de novembro de 2012

Après Mai - Olivier Assayas


O diretor francês Olivier Assayas, conhecido por aqui pela participação em Paris, te amo e Cada um com seu cinema, entre outros, nasceu em 55 e portanto testemunha em sua juventude do borbulhar da França no final da década de 60 e nos anos 70, tinha material vasto para lhe inspirar a falar de acontecidos do pós maio de 68, ou, em francês: Après Mai.


Assayas mesmo já havia escrito sobre o assunto anos atrás e o tema certamente lhe interessa.

Entretanto ele foge de uma abordagem emotiva e intimista. O tom do filme é mais distante, racional e observador, tampouco frio e indiferente, as personagens são bem construídas e com diferentes camadas...

Assayas apresenta diferentes posturas dos jovens da época: lutar com armas ou não, ser democrático ou não, ser paternalista ou não, ser direto ou não, ser artista ou fazer política ou desfrutar a juventude libertária ou tentar conciliar tudo isso...? 

Escola, faculdade, manifestações, partidos, comunismo, socialismo, leituras, jornalismo, literatura, artes, música, cinema, álcool, maconha, ácido, viagens...

Essas personagens são interessantes e nos envolvemos com elas, mas a narrativa mais objetiva dificulta uma aproximação maior. Também não chega a uma racionalização tão grande que nos limite a reflexões como uma tese ou tratado (- ainda bem!).

Mesmo com tema instigante e elenco carismático (de atores como Lola Créton, de Adeus, Primeiro Amor - já comentado aqui) o filme acaba parando no meio do caminho... 

Às vezes até esbarrando em certos clichês, de arte, política, sexo, drogas e pitadas de rock'n'roll, já que é uma época bastante representada, inclusive pelo cinema francês...

"Além de maio", acaba ficando aquém...
Filme bem feito, mas sem a ousadia juvenil (evitou-se a ingenuidade, mas se perdeu o frescor).

domingo, 4 de novembro de 2012

Love is all you need (Den skaldede frisør) - Susanne Bier


O título do novo filme de Susanne Bier diz muito sobre sua intenção.

Após filmes densos profundos e vigorosos como Corações Livres, Brothers e Em um mundo melhor (já comentado aqui), Susanne nos mostra que nem todas as "festas de família" dos artistas do dogma 95 precisam ser tão traumáticas...

Love is all you need é uma comédia romântica...

Talvez não tão cômica quanto às americanas, nem tão romântica quanto às francesas, mas mostrando a doçura possível do amor (apesar das amarguras - ou azedumes de limoeiros - da vida).

Duas famílias que se reúnem para celebrar o casamento de seus filhos e tem que enfrentar convivências, problemas, traumas, dúvidas...

Para isso Susanne mescla a narrativa dentro do cinema clássico (do gênero comédia romântica) com o universo da turma dinamarquesa do dogma, que sempre busca revelar situações emocionais difíceis e traumáticas, em personagens densas e profundas.

Essa mescla vem até na escolha do elenco de Susanne, que coloca no par romântico Pierce Brosnan (protagonista de 007) e Trine Dyrholm (Festa de Família, Em um mundo melhor e atriz do recente O Amante da Rainha - também comentado aqui).

Vem também na mescla de cenários: de vida suburbana dinamarquesa, vida multinacional em grandes edifícios e da paisagem exuberante da Itália (dos melhores palcos para o amor possível).

E vem ainda na mescla de linguagens: da câmera ágil e cortes no eixo adquiridos com a linguagem "documental" do dogma;



Da busca de uma fotografia tecnicamente bem feita do cinema clássico hollywoodiano;


E até de uma direção de arte mais kitsch que faz lembrar filmes menos realistas como Embriagado de Amor, de Paul Thomas Anderson:

cena de Embriagado de Amor
que explora uma narrativa de comédia romântica com tons de estranhamento e outras tantas camadas (como o casting com Emily Watson, atriz que ficou conhecida por sua participação nos filmes do Dogma também).

Não tão profundo e envolvente como outros filmes de Susanne, mas bastante agradável e bonito... Porque, de fato, todos precisamos de amor!

Alpes (Alpeis) - Giorgos Lanthimos


Após o original e instigante Canino (já comentado aqui), e sua participação no irreverente Attenberg (também comentado aqui) o diretor, roteirista e ator Giorgos Lanthimos apresenta Alpes.

Filme estranho, com personagens esquisitas em situações aparentemente irreais, mas que estão muito mais próximas da realidade do que nos damos conta: a impessoalidade, a "maquinização" do ser humano, a violência.

Violência que pode estar em espancamentos, mas também em silêncios; maquinização que pode estar em uma máquina de oxigênio ou na repressão da espontaneidade da dança...

Lanthimos explora bastante a linguagem para trazer imagens que possam traduzir sentimentos e sensações. Narrativas para expressar a opressão, a solidão, a angústia...

Como em uma das tramas do filme em que uma moça se oferece para substituir a filha recém morta de um casal.

Lanthimos desponta como um jovem diretor inquieto e criativo capaz de nos perturbar e instigar profundamente.


Guia Pervertido do Cinema (The Pervert's Guide to Cinema) - Sophie Fiennes


Parceria entre a documentarista Sophie Fiennes e o filósofo e psicanalista Slavoj Zizek que resolveram fazer um filme metalinguístico: O Guia Pervertido do Cinema.

Nesse documentário Zizek dá uma aula de cinema, analisa alguns filmes do ponto de vista psicanalítico e traz interpretações interessantes do cinema de alguns cineastas como Hitchcock, David Lynch e Charles Chaplin.

Zizek fala de diversos filmes que falam sobre diferentes níveis de realidade (que ele interpreta como ego, super-ego e id), tais como Matrix, Psicose, Solaris...

Fala da relação do cinema com nossas questões primordiais, como as edipianas, explorando filmes como Star Wars, Alien, Dogville, O Exorcista...

Também fala sobre o sexo explorando filmes como Veludo Azul, Estrada PerdidaPersona, A Professora de PianoDe Olhos Bem Fechados.


Zizek traça paralelos instigantes e faz comentários perspicazes, mas também soa muitas vezes taxativo demais, procurando fórmulas e leituras que limitam o cinema justamente por aquilo que tem de mais interessante: seu lado artístico e amplo, que propicia diferentes leituras e interpretações. 

E mesmo sem cair na ingenuidade de não perceber que há uma narração invisível e uma manipulação na construção da linguagem cinematográfica,

mas sem esperar que cineastas como Tarkovski ou Kieslowski propiciem narrativas com leituras claras, sendo que sua grandiosidade parece justamente a densidade e poesia intangível que suas obras provocam...

Importante discutir o cinema, mas fundamental discutir a discussão, provocar o provocador, perverter o pervertido...

quinta-feira, 1 de novembro de 2012

La Demora - Rodrigo Plá


Um novo nome para a turma dos bons diretores uruguaios contemporâneos: Rodrigo Plá.


Em seu longa La Demora, Rodrigo mostra extrema sensibilidade, tanto para tratar de um tema delicado e cada vez mais atual:
O relacionamento com idosos e a responsabilidade de filhos diante dos pais, quanto para conduzir com densidade e suavidade os gestos e o desenrolar da trama.

A situação de María, que trabalha como prestadora de serviço para uma fábrica de roupas e vive em um pequeno apartamento na periferia, dividindo o único quarto da casa com seus três filhos e tem que hospedar seu pai debilitado que não tem para onde ir.

María tenta levá-lo a asilos, pede ajuda para sua irmã, mas não surgem alternativas, o embate se dá entre ela e ela mesma.

O jeito sintético de narrar de Rodrigo, por um lado nos impede de nos aproximar das personagens, mas por outro evita certo pieguismo e melodrama e nos instiga.



Cruamente comovente.

Os Selvagens (los salvajes) - Alejandro Fadel


Apesar de jovem, o argentino Alejandro Fadel já tem importantes roteiros em seu currículo, tais como Leonera, Abutres (já comentado aqui) e Elefante Branco, todos em parceria com Pablo Trapero.

É também autor de seus próprios projetos, como Os Selvagens.

Fadel conta a história de jovens que promovem uma fuga de um presídio no interior da Argentina.


O filme começa com barulho e velocidade, que contrastam com a sequência do filme, quando os jovens se desbravam pela mata...

Ali vamos conhecendo um pouco mais de cada jovem, alguns sonhos, algumas histórias, um pouco da interação entre eles e das diferentes personalidades.

Mas há algo em comum entre eles, a falta de parâmetros morais e de perspectivas. O passado é algo frio, com histórias tristes e que os condena, o presente é a sobrevivência na selva e o futuro é extremamente limitado...

O que começa então impactante e instigante se perde um pouco ao longo da trajetória,

falta certo crescente para dar mais força a essa história intimista, original e com direção tão vigorosa (boa interpretação, boa decupagem, boa montagem...).

quarta-feira, 31 de outubro de 2012

Reality - Matteo Garrone


Quatro anos sem filmar, devido à repercussão de seu filme anterior, Gomorra, no qual Matteo Garrone tocava em temas densos e verídicos sobre o tráfico e o crime na Itália (e com o qual, além de colher bons frutos, gerou perigos ao diretor por seu caráter de denúncia).

Dessa vez, com Reality, Garrone chega com um tema mais leve: a vida provinciana e o sonho de riqueza e sucesso, Sonho materializado em uma inscrição para participar do Big Brother italiano.

O dono de uma peixaria entra em delírio ao cogitar a possibilidade dessa participação e se ilude e fica paranóico com pequenos fatos ao seu redor.

O filme é divertido e constrói bem suas personagens mundanas, principalmente na figura de seu protagonista, o não ator e ex-presidiário Aniello Arena. Porém as "piadas" se desgastam e se torna um filme cansativo em seus 115 minutos de duração.


Faltou um equilíbrio entre a crueza de Gomorra e o deslumbramento kitsch que Garrone se permitiu em Reality... Sobrou um pouco de show.