segunda-feira, 17 de março de 2014

Ela (Her) - Spike Jonze


Spike Jonze começou a se destacar pela direção de videoclipes nos anos 90. Em 99 lançou seu primeiro longa: Quero ser John Malkovich, bem recebido por crítica e público. 

O filme era um aperitivo da mente criativa de Jonze e sua ótima direção. Entretanto a narrativa do filme se perdia um pouco: a ideia de um mecanismo que permitia às pessoas entrar no corpo e mente de outros (no caso, do ator John Malkovich) e viver suas vidas não tinha um desfecho tão poderoso.

Fazia lembrar um pouco O show de Trumman e a discussão sobre a falta de liberdade, manipulação que sofremos e os limites de nossa autonomia, mas de maneira menos potente e fluida. Fosse um curta metragem, Quero ser John Malkovich seria excelente, como longa ficam aspectos muito interessantes, mas certa irregularidade.


Jonze seguiu na temática em Adaptação, uma nova parceria com o roteirista Charlie Kaufman.

Jonze também roteirizou e dirigiu o infantil Onde Nascem os Monstros, de paisagens e personagens belíssimos e graciosos.

Agora lança Her, escrito e dirigido por ele e vencedor do oscar de melhor roteiro original.

A premissa já conhecida das pessoas se relacionando com máquinas aqui nos faz ver uma realidade cada vez menos de "ficção científica".

Personagens plausíveis, serviços críveis e relações realistas, tornando possível vislumbrar esse futuro (pessoas vidradas em celulares e computadores, mas com uma proximidade um pouco maior e com recursos mais interativos do que temos hoje - avanços de 3D e similares).

Jonze constrói muito bem suas personagens e conta com um bom elenco e direção de atores. Joaquin Phoenix cativa o público na câmera que o segue quase que ininterruptamente e muitas vezes o deixando sozinho em imagem, apenas com a voz, não menos cativante, de Scarlett Johansson e bons coadjuvantes.

O filme também tem excelente ritmo (montagem e som) e uma estética bem interessante: fotografia e direção de arte que dão o ar futurista da trama mas com aspectos retrô.

A trama de Her apresenta Theodore como um sensível ghost writer de cartas que tem um círculo social reduzido e que se enclausurou no último ano após o fim de seu casamento.


(Mas não é apresentado como um inábil social, suas cartas, seus poucos amigos, seus encontros revelam isso, talvez apenas a ansiedade e cobrança da sociedade acelerada e que dita felicidade a todo minuto façam parecer que o ano sabático dele pareça doentio).

Ansiedade da sociedade ou dele, Theodore começa a buscar novas relações (além do videogame e de chats ocasionais) e se depara com um programa de inteligência artificial. Conhece ali uma garota e se diverte com ela.

Início de relação contada de maneira encantadora: personagens divertidos, carinhosos e em sintonia... Fácil nos identificarmos com o momento e nos cativarmos.

(principalmente aos que gostam de narrativas românticas como Antes do Amanhecer / Pôr do sol / Meia-noite - já comentados aqui; e tantos outros exemplares, por exemplo o francês Adeus Primeiro Amor, com comentários neste link).

Mas o difícil para qualquer história como essa é manter a chama da paixão na tela.

As relações não podem ser perfeitas, passam por desafios, superáveis ou insuperáveis e a vida segue.
Porém os conflitos com uma garota que não existe são um pouco óbvios e Jonze não consegue transcender.

Não dá profundidade às questões colocadas (por exemplo na relação com a ex, que termina com respostas e conclusões óbvias e rasas e sem explorar aspectos apontados como a maternidade/paternidade).

E tampouco segue na linha criativa e mais fantasiosa para um desfecho original (como a do roteiro de seu parceiro Kaufman em Brilho eterno de uma mente sem lembrança também comentado aqui.


Assim, a segunda metade do filme se arrasta um pouco e perde o encanto e frescor iniciais.

sexta-feira, 14 de março de 2014

12 anos de escravidão (12 years a slave) - Steve McQueen


O diretor americano Steve McQueen tem uma longa lista de curtas em sua carreira, por aqui ficou mais conhecido por seu filme anterior, Shame


Agora lança 12 anos de escravidão, vencedor de três oscar (filme, roteiro adaptado e atriz coadjuvante) 

McQueen adaptou a história verídica de Solomon Northup, um negro que vivia livre em NY e é capturado por caçadores de escravos fugitivos. 

A partir daí é levado para trabalhar em fazendas e é privado de sua vida (casamento, família, trabalho), sem conseguir se explicar ou fugir.

Faz lembrar o excelente conto de Gabriel Garcia Marquez, Só vim telefonar, que também fala sobre mal entendidos que não podem ser contornados e chegam a ser surreais de tão absurdos.

Injustiças dos homens comprometendo vidas inteiras e mais indignante e tocante por ser verídica.

Filme muito bem feito (fotografia, arte, música...), mas numa abordagem um pouco burocrática, sem muitas nuances de personagem, sem muita dramaticidade ou complexidade. O personagem forte, racional, quase calculista acaba dando o tom mais frio do filme.

Dividido entre bonzinhos e malvados, o filme não chega a uma profundidade suficiente para um envolvimento maior.

Instigam mais as histórias das coadjuvantes, mas que não chegam a ser tão exploradas (por exemplo as mulheres que se sujeitam ao sexo com os patrões para terem benefícios).

Vale o registro histórico, a trama razoável e as qualidades técnicas.


quinta-feira, 13 de março de 2014

O Grande Gatsby (The Great Gatsby) - Baz Luhrmann


Baz Luhrman é especialista em filmes espetaculares, desde o início de sua carreira com sua versão modernizada de Romeu e Julieta, passando por Moulin Rouge e chegando no mais recente O Grande Gatsby.

Elogiado por muitos, o filme é uma adaptação do livro de Scott Fitzgerald

Fitzgerald e suas histórias fantásticas atraem adaptações, mas as versões audiovisuais parecem sempre deixar a desejar, como em O curioso caso de Benjamin Button, já comentado aqui


Aqui, Luhrman faz uma brilhante construção de figurinos e cenários (dignos de oscar).

Mas a narrativa não flui. Apoiado na narração de um dos personagens e sem apresentar as nuances de nenhum dos protagonistas fica difícil a empatia pela história.

O atrativo é mais uma vez o show - com muitos atos e extensão - e para muitos pode soar vazio.


quinta-feira, 6 de março de 2014

Na natureza selvagem (Into the Wild) - Sean Penn


Ator marcante de algumas interpretações muito boas como em Sobre Meninos e Lobos, de Clint Eastwood - com alguns filmes já comentados por aqui ou Milk de Gus Van Sant - também já comentado aqui, Sean Penn se arrisca também em direções, como nesta Na Natureza Selvagem.

Premissa bem interessante, baseada em fatos reais, do rapaz que se rebela contra as cartas marcadas de uma vida programada com carreira sem graça e muita burocracia e se aventura mochileiramente pelo norte dos EUA e Canadá.

Mas aos poucos a "rebeldia" se mostra vazia. O rapaz não tem grandes ambições e tudo que aparece como justificativa se torna um pouco moralista:

Os conflitos com os pais e o contraste com a hipocrisia dos mesmos; o discurso dos amigos hippies; os desabafos que faz em seu diário...

Com o filme totalmente apoiado em um protagonista raso, a narrativa acaba ficando fraca. 

O personagem beira o excentrismo, lembrando o protagonista-assunto de O Homem Urso de Herzog, mas sem as nuances ricas e interessantes deste.

Aqui, quase nada de importante acontece e as lindas paisagens muito bem fotografadas aos poucos vão cansando o espectador, tudo se esmaece, e a narrativa adoece pouco ao pouco até o fim.


Que belas narrativas que Sean Penn vive por aí o inspire mais da próxima vez!

sexta-feira, 14 de fevereiro de 2014

Uma família em Tóquio (Tôkyô kazoku) - Yoji Yamada


O diretor japonês Yoji Yamada, inspirado pelo cinema do grande mestre Ozu, fez um bonito retrato de Uma família em Tóquio.

Várias personagens, gerações e questões tratadas de maneira divertida e delicada e bastante oriental.

Para ocidentais pode ser difícil ver tanta graça nas piadas, interpretações e diálogos que às vezes beiram maneirismos;

Ou entender a estrutura patriarcal sem se incomodar com questões machistas e hierárquicas;

Ou ainda a maneira como se comunicam (que muitas vezes parece não se comunicar inclusive)...

Situações que ao longo de todo o filme provocam estranhamentos, mas que não é o que mais fica do filme.
O filme marca pela poesia, pelas lições de aceitação e de afeto.

Na visita de um casal aos seus filhos que vivem em Tóquio, em uma vida de estilo e ritmo completamente diferente do deles, mais rurais e pacatos.

Os senhores ora parecem estorvar, ora ficam alheios, mas ao final acabam se entrosando profundamente e mostrando a força dos laços familiares.

Mais um exemplo da cultura oriental construindo mensagens por metáforas, entrelinhas, silêncios, poesia...
Belo exemplo.

segunda-feira, 10 de fevereiro de 2014

Quando eu era vivo - Marco Dutra


Quando eu era vivo é o segundo longa de Marco Dutra, após Trabalhar Cansa - já comentado no blog, dirigido com a parceira Juliana Rojas, que aqui assume a montagem.

Marco e seus parceiros dos Filmes do Caixote (nome do grupo com quem trabalha desde a faculdade e que os levou a diversos curtas muito premiados, como a jóia Um Ramo) vem solidificando a construção de um universo de suspense psicológico e o contraste entre situações cotidianas e situações insólitas / fantásticas.

Neste filme Marco trabalha bastante dentro do gênero de suspense e terror psicológico e nos remete aos filmes de seu ídolo Shyamalan ou da obra-prima O Iluminado.

Quando eu era vivo (excelente título, por sinal) conta a história de Júnior, um homem de cerca de 40 anos que se separa e retorna à casa do pai. Movimento de anti-vida, de fracasso, desenergia.

As situações cotidianas desse momento difícil são muito bem construídas e preparam muito bem a narrativa rumo às estranhezas.


Sem grandes perspectivas de futuro e com um presente vazio, Júnior se apega ao passado: busca em quartinhos e gavetas lembranças da mãe, morta há tempos.

O pai não compartilha da nostalgia, ao contrário, quer ignorar os acontecimentos do passado e tenta tocar sua vida com planos e energia (se dedica à corrida, musculação e é agilizado em buscar contatos, reuniões e entrevistas no lugar do filho).

No núcleo familiar também há a presença de um irmão, que se vê parceiro de Júnior em gravações em VHS antigas e de quem não se fala muito no presente.

O que vai sendo apresentado dessa trama familiar instiga bastante e todo o elenco está muito bem, do protagonista vivido por Marat Descartes, passando pelo personagem do pai, vivido por Antônio Fagundes

Até figurantes como Lourenço Mutarelli, autor do livro que inspirou o filme - A arte de produzir efeito sem causa.

Porém a trama tem ainda um elemento externo, a estudante de música que divide apartamento com o pai, vivida por Sandy.

Inicialmente a escolha parece interessante: o papel de garota doce funciona para ela. Entretanto o papel não é apenas de uma personagem-caricatura, algo que poderia funcionar perfeitamente num filme de gênero com femmes fatales e afins. Mas há uma transformação e um crescente nos atos da garota que Sandy não acompanha e deixa a desejar.

A trama vai se transformando quando se traz um pouco mais da história da mãe e do irmão, envolvidos em rituais macabros da mãe. E aqui o filme perde um pouco da densidade construída.

Talvez por expor em demasia a personagem de Sandy, talvez por frear um pouco o crescente da personagem de Marat ou por se alongar antes de chegar ao instigante desfecho.

Excelente iniciativa de trabalho de gênero no cinema nacional, que as histórias do Caixote sigam se multiplicando e se adensando!