segunda-feira, 4 de fevereiro de 2013

No - Pablo Larraín



Experiente em TV, o chileno Pablo Larraín também se aventura pelo cinema. Em suas últimas experiências foi para falar do período da ditadura de Pinochet, como seu mais recente: No.

Larraín não tem pretensões épicas, ao contrário, ele parte de um personagem trivial, um publicitário bem sucedido e imerso no capitalismo das políticas de Pinochet. 

Entretanto René - vivido por Gael G. Bernal - parece ter preso um grito de protesto e inconformidade, seja pelo que sofreu seu pai (vítima da ditadura), seja pelo que sofre sua ex-mulher, uma ativista atuante...

Ou pelo desejo de menos medo, mais esperança e alegria para o Chile.

Sentimentos que se tornam lema que faz ecoar na campanha que resolve assumir em prol de eleições democráticas contra Pinochet.

René tenta traduzir como desejos mercadológicos o que pode seduzir a população a votar contra o ditador. 


Com isso vemos cenas bastante corriqueiras, divertidas e modestas, seja de bastidores de campanha ou do cotidiano do personagem. Mas mesmo com essas cenas simplórias não se perde o caráter histórico e emocionante.

Não há o mesmo apelo de filmes mais políticos, mas tem um realismo que se aproxima do público.
(Faz lembrar passagens de livros de Isabel Allende, como o autobiográfico Paula, em que ela confessa certa alienação diante de fatos políticos envolvendo seu tio, mas ao mesmo tempo o imenso humanismo ao dar carona para refugiados políticos).

A busca pelo realismo está também na estética, que para falar dos anos 80 usa, além de figurinos e arte de acordo, também a fotografia acompanhando.

Tudo parece ter sido feito em VHS e assim as imagens de arquivo se mesclam sem serem percebidas.

Por um lado, um grande mérito, mas que poderia ser menos radical, já que o resultado estético é desagradável e cansativo.

No se soma em nossas memórias com um passado recente do fim das ditaduras latinoamericanas e das primeiras campanhas democráticas e seus lemas de esperança. 



(impossível para nós, brasileiros, não pensar nas campanhas das Diretas ou mesmo em campanhas de Lula).


Filme que ecoa e fica e prova que esse passado ainda tem muito para ser explorado...


terça-feira, 29 de janeiro de 2013

Os EUA X John Lennon (The U.S. vs. John Lennon) - David Leaf e John Scheinfeld


David Leaf e John Scheinfeld, experientes em documentários televisivos e musicais, descobriram no período da vida de John Lennon em que ele morou nos EUA uma fonte inspiradora e promissora para um documentário.


Além das trilhas excepcionais que vem em conjunto (Imagine, Give Peace a Chance, Revolution etc), Os EUA X John Lennon traz questões complexas e sintetizadoras de uma época.

Como o próprio Lennon diz, da geração "flower", que teve que aprender com as frustrações (a derrota da "paz e do amor") e se reconstruir e se redirecionar - além de descobrir ou inventar como enfrentar seus inimigos.

O documentário traz questões ao mesmo tempo pontuais e bastante abrangentes, como a censura e o direcionamento político do Lennon e dos EUA e a contraposição apresentada.

Do país cada vez mais militarizado e intensificado na Guerra Fria e de um Lenon cada vez mais politizado, atuante e pacifista.

(o levando inclusive a um distanciamento dos Beatles - que culminou em seu fim; à aproximação de Yoko e a intensificação de sua parceria - afetiva e artística; aproximação com movimentos sociais e políticos - contra a Guerra do Vietnan, contra prisões de censura e porte de drogas, com os Panteras Negras, ou mesmo pela própria liberdade).

Para isso o documentário se apoia em dados biográficos de Lennon, suas músicas e depoimentos ilustres: do próprio John, Yoko, Nixon, McGovern, J. Edgar Hoover, Tariq Ali, Noam Chomsky etc.

O filme narra bem as questões pontuais envolvendo Lennon, entretanto não vai além na abrangência dos temas discutidos. Buscando uma linguagem acessível exagera no uso das trilhas (praticamente não há depoimentos sem trilha), e os depoimentos são sempre cortados (breves em nome de um dinamismo que compromete o tempo necessário para reflexões mais elaboradas).

Faltam intervalos entre as músicas, contemplação e reflexão, até para dar mais força ao poderoso material de arquivo. E também para dar mais força às músicas, para elas poderem reverberar melhor seus discursos e sua poesia.

Válido, envolvente e interessante, mas aquém das possibilidades.


quarta-feira, 23 de janeiro de 2013

O Som ao Redor - Kleber Mendonça Filho


Curta-metragista, crítico e curador, Kleber Mendonça se "arrisca" em seu primeiro longa: O Som ao Redor.

O resultado: excelente.

A partir de registros atentos aos sons de um bairro de classe média (ou média-alta) em Recife: moradores, animais, veículos etc - todos os pormenores do som ambiente em uma seleção de tons graves - somos levados a um clima de constante  suspense...

Assim, do cotidiano que vai sendo descrito, vamos esperando algum grande acontecimento.

Porém o mérito e diferencial do filme é a narrativa desdramatizada - tão pouco explorada no cinema brasileiro e muito atual e contemporânea.


A direção de Kleber remete a novos e instigantes nomes do cinema atual como o grego Giorgos Lanthimos do premiado Canino e do mais recente Alpes (já comentados aqui) ou mesmo do cinema já mais consagrado de Haneke (de obras como A Fita Branca).

O Som ao Redor dialoga com esse cinema mundial ao mesmo tempo que traz situações bastante locais (desde a música, o vestuário, a paisagem, o sotaque e diversos detalhes prosaicos);

até questões complexas, históricas e profundas (como as diferenças de classes e o coronelismo).

Kleber consegue ainda traçar um paralelo genial entre o coronelismo clássico e um neo-coronelismo de grandes prédios e condomínios.

E é por esse viés que Kleber nos surpreende e nos arrebata.

O filme vai apresentando um crescente suave, com diversas esquetes e situações que parecem quadros documentais do cotidiano (que a linguagem simplificada e a interpretação contida contribuem).



- Com raras exceções não realistas e extremamente líricas e poéticas.

Na soma e costura das cenas não vão sendo reveladas conexões diretas e nem vão sendo estabelecidas grandes curvas dramáticas.


Kleber deixa para o final, de sopetão, o traçado da relação entre todas as cenas e personagens, propondo uma reflexão profunda sobre o ambiente retratado - e que reverbera com amplitude em nossas vidas (ao menos da dos brasileiros em geral).

O Som ao Redor é um filme não apenas para ser visto, mas ser revisto, refletido, reflexionado, falado e propagandeado! Muito eco para esse som!

terça-feira, 22 de janeiro de 2013

As quatro voltas (Le quattro volte) - Michelangelo Frammartino



Segundo longa do diretor italiano Michelangelo Frammartino, As Quatro Voltas encanta e surpreende.


O cineasta e crítico (e etc):
Eduardo Valente falou muito bem sobre o olhar de Frammartino que parte de um tom idílico para descrever a vida de um pastor no campo, mas que logo vai além...

"o que poderia facilmente se contentar em ser apenas um filme de olhar distanciado, algo entre o cinema de arte autocongratulatório pelo seu “olhar delicado” e um National Geographic humanista
(e o diretor demonstra ter cacife e facilidade para fazer um exemplar de ambos muitíssimo bem resolvido), na verdade é um filme de imenso controle do seu andamento, seja através do ritmo, seja através, principalmente, de uma precisão absurda de enquadramentos."


A linguagem de As Quatro Voltas de fato é precisa, mas ao mesmo tempo pulsante, genuína e poética.


A precisão não parece vir de uma busca racional e matemática, mas como a única maneira possível para narrar aquelas situações e aquele contexto, cheios de uma REALidade que remetem a Alberto Caeiro - heterônimo de Fernando Pessoa - ou questionamentos de Nietzsche/Zaratustra

Mas como coloca Valente, Frammartino não se prende a romantismos ou nostalgias, sua poesia vem da secura e a beleza vem do realismo.

Seu drama não traz pesares ou esperanças, traz (graças e desgraças de) ciclos da vida (dos homens, animais, plantas, sol, chuvas, neves...).

Apesar da ausência de diálogos, das poucas personagens, situações simples e concisas, As Quatro Voltas prova que o menos pode ser mais.


E como o cinema pode ser pequeno e magistral ao mesmo tempo.

quinta-feira, 20 de dezembro de 2012

Elefante Branco - Pablo Trapero


O jovem e experiente diretor argentino, Pablo Trapero, segue com mais um exemplar de seu cinema sensível e comprometido.

Elefante Branco foi o apelido que ganhou a construção de um enorme hospital na Argentina, iniciada nos anos 30 e nunca terminada. Foi então invadida se instalando uma grande e complexa comunidade (semelhante a nossas invasões a prédios como o São Vito).


É sobre essa comunidade que trata o filme, a partir do ponto de vista do padre - vivido por Ricardo Darín;

Seu colega - Jérémie Renier, (conhecido por filmes como O Garoto da Bicicleta, já comentado aqui) e da assistente social - Martina Gusman, parceira de vida e de artes de Trapero.

Elefante Branco conta, baseado em fatos reais, as dificuldades com condições de higiene, saúde e, principalmente, com drogas/tráfico e política: a responsabilidade pelos problemas, administração de recursos, corrupção, etc.

Lembra exemplos brasileiros como Cidade de Deus. Entretanto Trapero não adota o tom épico usado por Meirelles, que funciona tão bem para dar essas dimensões amplas e complexas. 

Trapero quer se manter no tom dramático e intimista (como havia feito em seu filme anterior, Abutres - já comentado aqui).

O filme começa com o conflito do padre diante de doença grave, mas logo entram questões de celibato, castidade, vocação, cansaço físico e psicológico de todos os assistentes, frustração diante de ideais, etc.

Tudo isso em paralelo com os conflitos dos moradores, vinganças, delatos... A narrativa acaba se tumultuando e se perdendo.

Falta uma costura mais dinâmica ou um foco maior que nos permita nos envolver nos pequenos dramas particulares. Como Trapero soube fazer tão primorosamente em Leonera

Vira um pout porri de situações e dramas, todos com incrível potencial, mas pouco explorados. Envolve, impacta, instiga, emociona, mas poderia ir além...

segunda-feira, 17 de dezembro de 2012

O espelho (Zerkalo) - Tarkovski


Um dos filmes mais importantes, emblemáticos e difíceis de Tarkovski, O Espelho nos propicia diferentes reflexões profundas sobre a passagem do tempo, a soma, multiplicação e divisão de personagens em nossas vidas (ou na dele, no caso, já que o filme tem grande caráter autobiográfico).

Há diversas interpretações possíveis, seja por seus aspectos psicológicos ou poéticos, e por isso pode-se encontrar muitos ensaios e artigos sobre o filme 

(um aperitivo seria o artigo do excelente crítico Luiz Zanin) ou no próprio livro de Tarkovski: Esculpir o Tempo.

Também há muitas considerações possíveis sobre a narrativa, que não tem um encadeamento linear, parece uma soma de imagens com personagens que se fundem e se dissipam, em belíssima fotografia, arte e som.

 - um pouco como se dá no plano da memória ou dos sonhos, semelhante à narrativa de um dos escritores inspiradores de Tarkovski: o francês Marcel Proust.

Tarkovski também parece em busca de tempos perdidos em sua filmografia, em tom nostálgico seja com a infância - como em O Rolo Compressor e o Violinista; seja com a maturidade e a família - como em O Sacrifício; com a História  - como em A Infância de Ivan; ou mesmo em relação a um tempo futurista - como em Solaris.

Falar sobre Tarkovski e seus filmes não é buscar afirmações e comentários pontuais, mas buscar questões, dúvidas, direções que o cineasta aponta. 

Que sentimentos e dimensões aparecem difusos em seus pequenos-espelhos-filmes-poesia, ao mesmo tempo tão vagos e nebulosos, mas também tão amplos e profundos.



Poesia pura. Para "ler", "reler" e recitar.

sexta-feira, 7 de dezembro de 2012

O rolo compressor e o violinista (Katok i skripka) - Tarkovski


Primeiro média-metragem de Tarkovski, enquanto ele tomava fôlego e descobria seu universo poético e filosófico, que viria a seguir em obras-primas como Solaris, O Espelho ou O Sacrifício (comentados aqui).

O Rolo Compressor e o Violinista traz uma narrativa menos etérea e mais singela, num drama de poesia mais cotidiana e concreta.
Faz lembrar a graciosa estreia de Manoel de Oliveira, Aniki Bobó, talvez pelas ações corriqueiras e o olhar delicado e afetuoso sob a infância.

Mas aqui, apesar do encanto e pureza do protagonista - o pequeno violinista do título - há também um rolo compressor... 

Não apenas o trabalhador que o conduz e personifica, mas o conflito de classes implícito - em diálogo com boa parte da produção do cinema soviético.

O menino e o trabalhador interagem em uma relação de troca, mas sem muita perspectiva. Quase um amor impossível, que tantas vezes vemos em filmes românticos, aqui aparecendo entre um menino e uma figura masculina paternal.

Dados que alimentam uma visão psicológica do filme, que parece estar presente e intencional.

Por exemplo quando pensamos nas questões apresentadas do menino aprendendo a se defender com o homem, se relacionando com a mãe e tendo que lidar com ordens e privações e referências de arte, força, trabalho, afetos...

Mesmo em narrativa mais convencional, com fotografia, arte e tempos de decupagem e montagem mais clássicos.

E mesmo Tarkovski encerrando a narrativa nela mesma (sem as referências metafísicas de filmes seguintes), há muita projeção possível no filme e questões que podem ir além... Bela estreia!