terça-feira, 14 de junho de 2011

Estamos Juntos - Toni Venturi

Toni Venturi tem uma trajetória de filmes interessantes, criativos, comprometidos (O Velho, Latitude Zero, Cabra Cega, Dia de Festa, Rita Cadilac...).


E essas são as primeiras impressões de Estamos Juntos.


Fotografia excelente, me propondo pontos de vista diferentes e interessantes (enquadramentos realmente belos e surpreendentes); ótima montagem; ótimo trabalho com atores; roteiro criativo...

Um ponto de vista intimista sobre o cotidiano da jovem Carmem, vivida por Leandra Leal, uma médica residente que veio do interior para tentar a vida em São Paulo...

São Paulo que aqui é uma personagem bem desvendada e construída: em sua multiplicidade, praticidade, mistérios, correrias e o conflito e angustia que causa em muitos: sua grande quantidade de habitantes e a sensação de solidão que provoca em muitos deles...

Assim Carmem segue se relacionando com seus mundos: colegas médicos, enfermeiros, amigo de infância, amigo de amigo, amigo "estranho", etc

A proximidade com que vemos Carmem é bastante interessante e envolvente, tanto em suas pequenas ações cotidianas (o que Leandra Leal sempre desenvolve muito bem) como em seu grande conflito da descoberta de uma doença gravíssima.

Seu entorno também começa com grande potencial: o mundo médico com pessoas cansadas, cheias de dramas e tensões em seu olhar (já que muito ñ é dito explicitamente, mas sugerido - situação pregressa entre ela e médico vivido por Marat Descartes ou história de vida da enfermeira vivida por Débora Duboc); 

O mundo de agitos de classe média alta de seu amigo de infância também trazem vida, diversidade, cores e melodias, começando pelo amigo que está muito bem interpretado por Cauã Reymond.



E também passando pelo affair de Carmem com o roomate de Cauã, o argentino vivido por Nazareno Casero - que destoa um pouco do resto do elenco chegando a incomodar. 

Um terceiro mundo com que Carmem se relaciona é o de uma ocupação de sem tetos num antigo prédio no centro de São Paulo, ali ela faz palestras sobre saúde e se relaciona um pouquinho com o cotidiano daquelas pessoas de classe baixa (onde está Dira Paes).

Porém essa diversidade não é tão bem construída, elas não tem a profundidade do mundo de Carmem e acabam sendo um pouco caricatas e moralistas: a classe alta da futilidade e efemeridade e a classe baixa da humanidade e generosidade...

Essa construção quando realmente está se relacionando com Carmem contribui, dá profundidade e corpo à Carmem, mas quando quer ganhar vida própria só pelo espetáculo, me distancia profundamente...

É assim com a sequência de uma invasão do grupo de sem teto. Essa invasão, chamada de "festa" e muito bem narrada por Toni em seu documentário Dia de Festa, aqui se torna um apêndice e chega a enfraquecer o filme...

Por fim, Carmem também se relaciona com um homem que sempre aparece em sua casa. É com ele que Carmem estabelece seus momentos mais intimistas e poéticos, em diálogos realmente sensíveis e bonitos. Porém, outro deslize: o que começa com uma relação intrigante, misteriosa, profunda, logo se desvenda um artifício para expor os pensamentos e sentimentos da personagem, o que é aclarado na cena final de maneira bem rasteira...


Me faz ver com pesar pois até a primeira metade, o filme me parecia impecável e depois esses deslizes se sobrepoem um pouco às suas incontestáveis qualidades...

De qualquer maneira os méritos de Toni estão aí, suas escolhas temáticas conscientes e profundas, o ótimo desenvolvimento com atores, o trabalho parceiro e criativo com a fotografia, etc.

E seu progresso filmográfico também está aí!
Bravo para ele! E que venham outros nesse crescente!
Confira no trailer!

terça-feira, 7 de junho de 2011

Alice no País de Tim Burton

Tim Burton adaptou Alice para o seu mundo, primor estético, onde ele delirou e aproveitou cada personagem para explorar caricaturas, cores, formas, efeitos...


Mas faltou dramaturgia... Um mundo assim para mim não tem maravilha (é apenas passagem para um buraco cheio de pirotecnias)... Falta eu entender o conflito da protagonista, sentir na pele seus dramas, sofrer com ela, querer lutar com ela, esperar suas reações e superações... 

Aqui os personagens são maniqueístas - bem diferente do original de Lewis Carroll, e não surpreendem, a não ser por seus trejeitos e belos figurinos...


Talvez se Tim quisesse trazer menos elementos poderia aprofundar mais as questões... A rainha que se vê em dúvida entre ser amada ou ser temida (conflito bastante interessante, mas abordado superficialmente) ou a garota que se incomoda com certos artificialismos da sociedade, mas no fim "vomita" verdades com um extremo moralismo às avessas...


Sutileza, complexidade só deixaria a adaptação mais fiel, sedutora, complexa, emocionante...

Pois falta eu me emocionar como me emociono com Edward e suas mão de tesoura, como me emociono com a família lutando contra fantasmas divertidos e BeetleJuice, com o Coringa, a Mulher Gato e o Pinguim lutando com Batmam.

Ou mesmo em desenhos de uma noiva cadáver... 


Todos me parecem mais vivos do que quando Tim extrapola na plasticidade e faz de seus personagens quase que bonecos plastificados também, sem sentimento, sem carisma... 
O que não deixa de ser um problema recorrente em sua cinematografia, já que tenho problemas similares com sua Fantástica Fábrica de Chocolate, com Seeney Todd - o Barbeiro Demoníaco, entre outros...



Mais drama, Tim Burton, porque a arte você domina!

domingo, 22 de maio de 2011

Queimada! de Gillo Pontecorvo


Preenchendo lacunas cinematográficas (uma de tantas)...

Cinema é uma arte recente que parece tão acessível e tão possível de se alcançar (diferente da literatura, por exemplo, que nem se tem esperanças), mas essa é só uma falsa idéia... No cotidiano impossível não se perder em tanto passado e tão intenso presente...



Então às vezes sessões especiais são muito bem-vindas!

Queimada! é um filme forte, de assunto forte e reflexões profundas que podem ecoar até nosso presente...




A ficção explora realidades latinas de independências e abolições de escravatura, mas sua discussão acaba transcendendo a conceitos de poder, civilização, liberdade, mitos, mártires...


Num presente em que ouço muitas histórias de choques culturais entre a cultura indígena e a nossa, onde vejo a dificuldade de respeitarmos o outro sem termos um olhar ou de exotismo ou de paternalismo ou crítico de alguma maneira negativa... (mto bem refletido em Serras da Desordem de Andrea Tonacci)

E num presente em que acabamos de ver um líder - Bin Laden - ser assassinado (ou ao menos assim divulgado) e ser tratado com tamanha falta de humanidade e desamor... Não que se espere amor a um terrorista, mas o ódio a ponto do desejo da morte e de sua comemoração me parecem muito mais perigosos, beiram o fascismo... (nazismo esse recém defendido pelo grande artista Lars Von Trier e duramente criticado...)

Agora: por que não criticam veementemente Obama e os EUA pelo "feito" da morte de Osama?

Queimada! nos faz pensar nisso... Mesmo que já tenha mais de 40 anos e fale de fatos ocorridos há 200 (!)



Faz pensar em como a ambição do homem, suas "negociatas", sua falta de escrúpulos põe em risco o respeito aos outros, outras culturas, sua liberdade...



O que também me remete ao final de outra obra-prima, o premiadíssimo curta Ilha das Flores de Jorge Furtado:
 http://www.youtube.com/watch?v=Hh6ra-18mY8

Seguimos então a tentativa de Mr.Walker de administrar os interesses de poderosos ingleses comerciantes de açúcar, portugueses colonizadores de terras latinoamericanas, interesses de escravos e ex-escravos africanos, simbolizados pelo grande personagem de José Dolores, etc.

Marlon Brandon é quem protagoniza o filme e contracena com Evaristo Márquez - um forte e interessante não ator.
A combinação é rica, e apesar de datada (os enquadramentos, movimentos de câmera, cores, ritmo, etc), tem seu impacto e faz pensar...



E sigamos nos preenchendo!!

quarta-feira, 11 de maio de 2011

Bróder - Jeferson De

Estréia em longa-metragem do denso, intenso e talentoso diretor Jeferson De.
Muito seguro de seu projeto e resultado, apresentou a sessão que assisti com confiança, orgulho, e simpatia! 
Tem um projeto contundente e um filme forte...




O vigor do filme está presente desde pequenos detalhes como a cantoria do importante rap dos Racionais "Fim de semana no parque".

Até o trabalho de atores: Caio Blat, Jonathan Haagensen e Silvio Guindane.

Além de coadjuvantes como Ailton Graça e a esplendorosa Cássia Kiss (que é quem mais me convence e comove em todo o filme).


Tenho alguma ressalva com o roteiro, no qual sinto algumas redundâncias, situações muito anunciadas, quebra de surpresas, desgaste de expectativas para uma narrativa que é forte e funcionaria não fossem certos excessos...


E aqui está o que pra mim é principal problema do filme: o esforço de ser realista que chega a um estereótipo... Claro que tenho dificuldades de avaliar uma realidade de periferia, mas a energia da juventude daí, com tantos gritos, palavrões, agressões me soam excessivos.

Até porque Jeferson não parece querer fazer simplesmente mais um filme sobre a violência na periferia, ele quer falar de cotidianos, de possibilidades, de sonhos, de companheirismo (sugerido pelo título inclusive).


Nesse ponto o Bróder poderia ser melhor, poderia ter menos agressividade em seus personagens e ser menos agressivo com seu público, isso não tiraria sua força e lhe daria mais verdade...

Afinal, mais do que a intenção de uma obra de arte, vejo a intenção de Jeferson em fazer um documento de seu/nosso mundo e seu/nosso tempo...


E esperemos a próxima obra De... 

domingo, 24 de abril de 2011

Viajo porque preciso, volto porque te amo - Karim Ainouz


Fragmento do filme de fragmentos em seu trailer:
http://www.youtube.com/watch?v=wn4ZBttHVaU

No título a poesia do filme, promessa de uma história bonita...
O filme em si, como vi definido: um "road movie experimental". 


A história vem apenas em sugestões e fragmentos.
Em narrações e sons sem foco, em imagens com ruído.

Verdadeiramente bonito, mas me deixa com gostinho de quero mais!


Ainda mais pelos diretores: Karim Ainouz (de filmes fortes como Madame Satã e O Céu de Suely) e Marcelo Gomes (da obra prima Cinema, Aspirinas e Urubus) - tão sensíveis e talentosos (além da simpatia e singeleza).

Mas o projeto parecia ser isso mesmo: simples, modesto, singelo...
O que poderia vir maior em imagens para nos alimentar não chega, mas o tom é preciso: a nostalgia, sentimento, poesia, esses chegam, invadem, penetram...

Nos fazem viajar e voltar a ele... Como companheiros de viagem, seguimos com o filme dentro de nós... (e por isso o pesar de não podermos viajar mais com as imagens, com os fragmentos).



Viajamos porque ao ver o filme não pode ser de outra forma, mas o que nos faz voltar realmente é por outro motivo...

domingo, 17 de abril de 2011

Poesia - Chang-dong Lee



Tempo de digerir e assimilar, e esse é um filme que precisa bastante tempo. Mas vale a impressão fresca de sua beleza, força, intensidade... Filme que parece delicado, suave, trabalhando sutilezas poéticas, mas trazendo dramas profundos...



O Sul-coreano Chang-dong Lee retrata a vida de uma senhora em distintos detalhes de seu cotidiano, distintas notas, tons, versos...




Senhora que cuida de um neto adolescente sem qualquer valor; que trabalha como empregada de um senhor debilitado e desrespeitoso, que não encontra qualquer diálogo de sua sensibilidade com seu entorno...

A não ser nas aulas de poesia que começa a fazer...

Seu desafio é justamente fazer um poema, e ele vem na aridez desse seu mundo, visto com seus olhos delicados e poéticos e sem  qq perspectiva de redenção...

Não há solução nesse caos silencioso, não há final feliz, não há respiro de alívio...

O filme termina com a sensação de um nó na garganta que não se desfaz, por isso sua força...


E sua poesia tão simples, tão próximo e ao mesmo tempo tão distante...


Distante talvez pela cultura oriental tão distinta da nossa; distante por sua língua, por seus ideogramas; distante até por essa equipe que não conhecemos, de um diretor que não tão experiente e de uma atriz, Jeong-hie Yun - precisa e excelente - com uma bagagem de quase 200 filmes (!!!);


Distante talvez pelo denso universo dessa senhora, distante talvez pelo simples e sublime da poesia...
(trailler deixa a desejar perto do filme, mas dá pra dar um gostinho: 
http://www.youtube.com/watch?v=VM27hunyDTA)

domingo, 13 de março de 2011

Lixo Extraordinário

Filme simples: registro de projeto de um artista.


O interessante do filme é que o artista é Vik Muniz no maior lixão do mundo - o Aterro Sanitário de Gramacho - abordando pessoas de histórias duras, profundas, bonitas que convivem naquele espaço e se deixam ser fotografadas e ajudam a que essas fotos sejam reproduzidas com material reciclado tirado do lixão (!!!).



Os poréns - porque não sei viver sem eles - é que as histórias não são muito aprofundadas... Ainda mais pensando nesse ambiente e em filmes interessantíssimos como Boca de Lixo de Eduardo Coutinho.



Ou o instigante Estamira de Marcos Prado.




E outro porém ainda mais grave é que o registro de Lixo Extraordinário é manipulador demais. Ele mostra situações interessantes e delicadas, pois apresenta mundos diferentes a pessoas convivendo com um cotidiano duro e discutem a responsabilidade disso: apresentar possibilidades, mas não poder mante-las. 

Mas a conclusão que essas questões suscitam veem ditas pela narrativa do filme, desde detalhes como o próprio Vik Muniz se apresentando como o mais conhecido artista brasileiro no exterior.

E depois o que acho mais grave do filme dizendo que a atitude deles é nobre, é incrível, é isso e é aquilo...

Isso enfraquece as ações mostradas, pois o que isso gera, o que isso nos faz refletir, deve ser despertado em cada um e não ser narrado como optaram Lucy Walker, Karen Harley e João Jardim.



Faz lembrar de Pixote e repensar responsabilidades, atos nobres X atitudes paternalistas... Complexa questão...



Por isso que em meio a tanto material, se separa o joio do trigo, o extraordinário do lixo e se fica com a reciclagem de idéias e arte final emocionante!

sábado, 5 de março de 2011

Inverno da Alma


Não chega a me manter fria, mas digamos que em estado de mornidão...


Debra Granik conta a história de uma família no interior dos Estados Unidos em um clima de terra de velho oeste, lugar de crimes, pessoas duronas, xerifes... 

Mas em espírito contemporâneo, onde os crimes estão ligados ao tráfico de drogas, onde crianças usam armas para caçar esquilos ou se proteger de bandidos, adolescentes rebeldes e ousadas se veem refém do marido com gravidez indesejada, etc.


Quem protagoniza é uma jovem que se coloca como chefe de uma família de duas crianças, uma mãe com sérios distúrbios psicológicos e um pai ausente, ex-preso por tráfico e atual fugitivo.


Ela tem que resolver problemas de pobreza (frio, falta de comida, etc) e assuntos pendentes do pai (com criminosos). Para isso ela se mantém doce, atenciosa, mas firme e durona...




Com atuação boa, fotografia boa, filme em geral bom.




O problema é que algo aí não cola! Impossível se identificar e envolver com a falta de sentimentos colocada, e também não há uma representação mais caricata, interessante e inusitada como os irmãos Coen costumam fazer...



Fica um filme frio e invernal, onde há corpo, mas falta justamente a alma...

trailer do filme