quinta-feira, 31 de julho de 2014

Apenas uma vez (Once) - John Carney


O irlandês John Carney que já havia feito parte da banda The Frames, sugeriu que a banda fizesse músicas para poderem ser roteiro de um filme.

Quem nunca imaginou histórias ao ouvir uma música?
(caso da música da Legião Urbana que gerou o filme de mesmo nome: Faroeste Caboclo, já comentado aqui).

Então de uma dezena de músicas de Glen Hansard e Markéta Irglová John Carney estruturou um roteiro e dirigiu Apenas uma vez.

Os músicos interpretaram os protagonistas em uma narrativa singela e romântica: dois jovens com seus traumas amorosos se conhecendo e dividindo suas histórias (em formato de canções).

Lembra a estrutura de outros filmes despretensiosos e envolventes como a trilogia Antes do amanhecer / pôr do sol / meia-noite, comentados aqui ou o brasileiro Apenas o Fim de Matheus Souza, também comentado aqui.

Em Apenas uma vez os dois jovens tem um encontro espontâneo e improvável e se identificam em suas solidões. Começam a interagir através da música e percebem uma química entre eles.

Aos poucos parte de suas histórias vão sendo reveladas e a parceria vai dando certo.

Os acontecimentos são um pouco fantasiosos e simplórios demais e do encontro acabam ficando mais as parcerias das músicas - que lhes renderam inclusive o oscar de melhor canção original.

Talvez um pouco mais da história das personagens e das músicas interagindo de maneira mais natural (deixando que as músicas se incorporassem ao filme e não o inverso), e a sétima arte poderia resultar ainda melhor.

Porém o filme não se perde nas vozes doces dos personagens e não cai num final feliz e arranjado.

Mesmo com as notas de conto de fadas ao longo da narrativa, no final o realismo fala mais alto e dá mais força ao filme (lembrando inclusive outro casal musical na Irlanda no excelente Apenas um beijo do mestre Ken Loach, sempre comentado por aqui).


Sintonias e dessintonias, ncontros e desencontros, melancolia e melodias, arranjos e desarranjos harmonizados neste simpático filme.

terça-feira, 29 de julho de 2014

Antes do Inverno (Avant l'hiver) - Philippe Claudel


O sensível diretor francês Philippe Claudel, que estreou nos cinemas com um dos melhores dramas dos últimos anos: Há tanto tempo que te amo, já comentado aqui, volta às telas com novo filme interessante de personagens profundos.

Novamente Claudel repete a fórmula de um filme mais clássico de conflitos psicológicos, dentro de classes sociais altas e questões médicas envolvidas.

No elenco também repete a parceria com a maravilhosa Kristin Scott Thomas, que contracena aqui com o excelente Daniel Auteuil.

Antes do Inverno acompanha o casal de meia idade Lucie e Paul. Ele um cirurgião bem sucedido, ela uma esposa exemplar: dedicada, companheira, mãe e avó presente, bonita, delicada, elegante. 

Ponto de partida aparentemente impropício para conflitos, porém sempre há muito que pode estar escondido por debaixo das tapeçarias.

Caso de filmes como Caché, de Michael Haneke (autor de algumas obras-primas comentadas aqui) - também protagonizado por Daniel Auteuil; Dentro da Casa, de Ozon (também comentado aqui) no qual Kristin também participa; Ou mais recentemente O Passado, de Ashgar Farhadi, um dos melhores filmes comentados aqui recentemente).

Antes do Inverno começa com um diagnóstico de impacto.



Em seguida a história passa ao cotidiano do casal, sem grandes traumas, apenas com a tensão de conflitos velados.

A obsessão pelo trabalho e o autrocentrismo de Paul mostram a dificuldade de Lucie ao tentar atingi-lo. Ainda mais por ela não querer enfrentar os reais problemas e tentar maquiar qualquer adversidade.

Manipula possíveis ciúmes do melhor amigo do marido (melhor amigo dela também? ex-amante? algo mais?). Evita ciúmes de novas relações de Paul e os dois apesar da vida em comum não se colocam como confidentes um do outro.

Assim, quando Paul começa a receber flores incessantes e ter encontros com uma possível ex-paciente, Lucie não acompanha o que o instiga e o seduz. A maneira pura, leve e terna como ele começa a se entregar a essa relação (amizade? flerte? afetividade paternal?) não lhe dizem respeito.

Claudel novamente mostra muito talento para construir personagens e desenvolver suas histórias, mas neste caso parece ter querido contar histórias demais: cotidiano, suspense, amor, desamor, crises, golpes... 


Se excede em revelações e ganchos e não explora cada detalhe como poderia. (Podendo até comprometer grandes revelações).

Em Há tanto tempo que te amo, esse é um dos grandes méritos e diferenciais: mesmo com a narrativa convencional e quase novelesca ali Claudel não tem pressa de contar a história, e nem pretende contar tanto.

Vai num passo a passo desenvolvendo a trama e chegando num ápice de emoção extremamente forte e envolvente.

Em Antes do inverno mistura um pouco as estações e nos deixa com muitas situações densas e belas, mas não tão bem alinhavadas. Ficam raios de sol e flocos de neve como pepitas, mas no geral tudo acaba um pouco morno.


segunda-feira, 28 de julho de 2014

Riocorrente - Paulo Sacramento


Cineasta inquieto, engajado e experimental, desde a faculdade Paulo Sacramento fez curtas que chocavam e faziam pensar.

Sua carreira seguiu com grandes produções, fosse em seu excelente documentário O Prisioneiro da Grade de Ferro em que dividiu a câmera e a narrativa com detentos vivendo os últimos momentos do Carandiru.

Ou em suas parcerias: Sacramento produziu e montou filmes de nomes como Zé do Caixão e Cláudio Assis.
E foi se consagrando montador em parcerias com Sérgio Bianchi, Lina Chamie, Laís Bodanski, entre outros.


Agora Sacramento voltou à direção com a ficção Riocorrente.

O desejo documental seguiu, o filme parece fazer um panorama de São Paulo: as diferentes classes sociais, os embates, os cenários cinzas, a desolação, a solidão.

Uma artista plástica que divide suas noites (e dias) e seu corpo entre um professor de arte e um jovem que trabalha em um desmanche de carros na periferia e a relação deste com um garoto que ele tenta tirar das ruas.


O filme é árido, duro, cru e é com isso que instiga e impacta.


Porém falta drama. Falta mais força à trama do que os próprios conflitos da realidade.


Falta desenvolver na história como esses diferentes mundos que se chocam. Falta adensar mais as personagens e buscar mais unidade entre as cenas e as interpretações.


Sem isso o pacto de ficção do filme se perde um pouco e a força com que o filme começa não se mantém ao longo de todo o filme.


Há também cenas não realistas que ora propõe metáforas mais óbvias e ora metáforas mais herméticas. O entendimento e envolvimento acaba oscilando apesar da riqueza imagética e sensorial.

O resultado é um filme irregular, com pérolas (como retratos de São Paulo e os personagens do rapaz do desmanche e o menino, por exemplo).


Mas que também traz momentos mal construídos, como a discussão entre a artista e o professor, que vemos (ou ouvimos) através de uma janela e não nos aproxima dos personagens, nem os humaniza.


Sem uma interação mais profunda entre as cenas e personagens, como a vista no maravilhoso Som ao Redor, de Kleber Mendonça, já comentado aqui, Sacramento mais uma vez nos estimula, mas não atinge seu potencial máximo.

domingo, 27 de julho de 2014

O médico alemão (Wakolda) - Lucía Puenzo


A roteirista e diretora argentina Lucía Puenzo se debruçou sobre uma passagem verídica na história de um dos principais médicos de atuação no nazismo Josef Mengele em O médico alemão.


Com uma biografia digna de vilão dos piores thrillers e filmes de terror possíveis, Mengele foi autor de diversas experiências médicas atrozes e desumanas: desde pintar olhos de pessoas com tintas, até costurar e mutilar pessoas indiscriminadamente.

Assim, Lucía começa sua história numa narrativa intimista, dentro de uma família simples na região da Patagônia na Argentina.

A família está de mudança, assim como o "médico misterioso" e eles vão para um cenário isolado e peculiar: um hotel herdado por familiares e que será reaberto (nos fazendo lembrar de O Iluminado, de Kubrick).


A relação da família com o médico é intermediada por Lilith, uma adolescente com problema de crescimento.



Esse é o ponto de partida envolvente, instigante e promissor, que faz com que o médico se interesse e "invista" na família.

Mas e a garota?
Qual o seu fascínio em relação ao médico?

A possibilidade de que ele a cure?
Um flerte com o homem mais velho?
Um jogo de sedução com uma situação de mistério e perigo?

Essas perguntas ficam no ar e não são desenvolvidas, e aí o filme se enfraquece.

Nos leva a um olhar muito próximo dessa personagem, mas não a aprofunda. Não conhecemos mais sobre suas motivações, não vemos nuances, nem dimensões. Metáforas de um jogo de "bonecos" se ensaia, mas não se constrói propriamente.

A família se confirma como vítima do médico com promessas de salvação e ações de algoz, e a trajetória da menina é interrompida.

Bom argumento, cenários e fotografias não seguram o roteiro fraco e atuações e direção de atores irregulares.

O problema do filme acaba não sendo a menina não crescer de tamanho, mas de não amadurecer. Ela não parece afetada pela traição. E o público não se afeta muito com a ficção.

sábado, 19 de julho de 2014

O Enigma Chinês (Casse-tête chinois) - Cédric Klapish

Terceiro filme de uma série de Cédric Klapish iniciada com o belo e divertido filme juvenil O Albergue Espanhol, seguido do fraco Bonecas Russas e completado agora com O Enigma Chinês.

Klapish mais uma vez não tem medo de fazer um filme pop e agradável e mesmo sem aprofundar temas profundos como o amor, a paixão, a paternidade, adoção, homossexualidade, imigração ou a fidelidade, faz um interessante mosaico com seu enigma.

O jovem Xavier, vivido pelo múltiplo e atuante Romain Duris, que no primeiro filme vimos vivendo um momento de descobertas com o intercâmbio de faculdade e a vida numa república de múltiplas nacionalidades e culturas e também a crise do fim de seu primeiro amor;


E já no segundo sofreu para se iniciar na vida adulta.

Agora Xavier já é adulto: carreira, casamento, filhos... Mas nada segue tão sério e definitivo, ainda há dúvidas sobre quem é seu verdadeiro amor, como sobreviver, quais suas ambições artísticas, como interagir com tantas pessoas, culturas, países...

Os coadjuvantes seguem ali (antes menos conhecidos, com exceção de Audrey Tautou, e agora atores vistos em diversas produções como Kelly Reilly, vista em Sherlock Homes, por exemplo e Cécile De France, vista em Além da Vida, também comentado aqui).

Como no primeiro filme, os coadjuvantes compõe o mosaico e as peças do jogo e trazem uma diversidade bastante enriquecedora: outros pontos de vista sobre as questões do filme. 

E os cenários que no primeiro filme variavam entre Paris e Barcelona, com acréscimos de Londres e Rússia no segundo e agora cruzam o oceano e chegam em Nova Iorque.

O acompanhamento da história em capítulos também tem uma graça de poder nos aproximarmos cada vez mais dos personagens e podermos preencher lacunas. 

Um pouco como faz Richard Linklater na série Antes do Amanhecer / Pôr do Sol / Meia-noite, já comentados aqui.


E a linguagem leve e envolvente, com direito a grafismos, clipes e piadas, nos faz acompanhar com grande prazer essa espécie de comédia romântica.

Que Klapish siga variando filmes mais sérios como Paris - já comentado aqui e O Enigma Chinês, uma sessão da tarde (da manhã ou da noite) que vale a pena!