quarta-feira, 17 de agosto de 2016

Crocodilo (Il caimano) - Nanni Moretti


Nanni Moretti é um dos cineastas mais atuantes na Itália atual. Faz desde filmes de inspiração biográfica como Caro Diário, passando por dramas sublimes como O Quarto do Filho até comédias inteligentes como Habemus Papam ou dramas mais irregulares como Minha Mãe - com comentários aqui.

Em Crocodilo Moretti mostra além de seu gosto em transitar entre o humor e a comédia, também o interesse por uma nova temática, a política.

Vemos a história de um cineasta falido e em crise: risco de perder sua produtora, seu casamento, seus sonhos.


E que faz uma parceria com um jovem idealista, inexperiente e ingênua que quer contar a história recente do país: o governo de Berlusconi e os escândalos de corrupção.

Lá, uma operação de investigação de corrupção (Mani Pulite) pregava o fim da corrupção, mas se revelou uma operação de bodes expiatórios. 
Berlusconi que ganhou eleições e se afastou do poder diversas vezes, acabou tendo várias acusações que o levaram a renunciar, mas não houve de fato mudanças estruturais e a maior parte de seus crimes não chegou a ser julgada (por prescreverem). - Semelhanças em tempos de Lavajatos, Cunhas, não aprovação de pacotes anticorrupção nem de indeferimento de candidaturas ficha suja?

No filme Crocodilo suas diversas camadas fazem com que ele consiga tocar em diversos assuntos, possa atrair públicos distintos e não ser pesado.

Mas também dispersa um pouco seus potenciais, não chega nem a ser cômico, engajado ou dramático e por vezes é um pouco chato e didático.

Parece um filme que faz um desabafo de desilusão: desilusão do amor, do mercado artístico, do sistema político, da maturidade, da juventude, da Itália...


E para isso Moretti buscou conforto falando de temas de semelhanças biográficas e elenco familiar (atores e atrizes que já tinham estado com ele em outros filmes como O Quarto do Filho).

Por sorte Nanni Moretti tem muito talento, muita paixão e muita diversidade, assim pode buscar novos temas e pode seguir nos surpreendendo e encantando!

quinta-feira, 11 de agosto de 2016

Truman - Cesc Gay


O diretor catalão Cesc Gay ativo em filmes com pitadas de drama e humor como em O que os homens falam - já comentado aqui, agora mergulha mais na dramaticidade do tema do câncer.

Aqui o protagonista Ricardo Darín está doente e tem que enfrentar decisões não apenas da perda da saúde, mas de suas capacidade de fazer coisas:

Contar ou não contar para as pessoas, como contar, como receber os comentários, como trabalhar e mesmo como de cuidar de seu cachorro - Truman.

Quem o ajuda é o amigo de velha guarda vivido por Javier Cámara (ator conhecido por suas parcerias com Almodóvar).

O filme tem tema tocante, ótimo elenco, passagens delicadas e sensíveis, mas sem muito calor.

Não há nada muito revelador em sua abordagem e nem tanta densidade em seus personagens, diferente de filmes como Parada em pleno curso ou Há tanto tempo que te amo - já comentados aqui

Por isso acaba sendo um bom filme, mas faltam surpresas ou maiores emoções.

quarta-feira, 3 de agosto de 2016

Mãe só há uma - Anna Muylaert


Pela trajetória de Anna Muylaert vemos seu talento em encontrar encontrar temas e desenvolver personagens para suas histórias, desde o fantasioso Durval Discos, passando por Proibido Fumar - já comentado aqui, ou no grande Que horas ela volta?

Ou mesmo em sua participação em roteiros desde infantis como Castelo Rá-Tim-Bum, líricos e históricos como Desmundo, cômicos como Chamada a Cobrar, até dramáticos como Irmã Dulce.

Diálogos com observações prosaicas e tiradas divertidas, dentro de contextos complexos e situações muito cotidianas, Anna varia bem o humor e o drama de seus filmes.

Que horas ela volta? é um dos exemplos mais bem sucedidos de sua trajetória: conflito de classes, conflito de afetos, personagens interessantes, curvas dramáticas, revelações, surpresas...
Tanto que conquistou público e a crítica pelo mundo afora.


Agora Anna traz outra questão instigante em Mãe só há uma: roubo de bebê na maternidade e o questionamento de quem é de fato a mãe de uma criança? A mãe que pari ou a mãe que cria? 

Mas e se a mãe que cria é uma criminosa? Como fica o futuro desses filhos?
Além desse contexto já bastante intrincado, Anna soma questões da juventude: amores, independência, sexualidade. E de maneira bastante descontraída e libertária.

A linguagem também é bastante solta e não há um encadeamento clássico de acontecimentos ou uma progressão linear.

Uma estratégia ousada mas nem sempre simples. 

Não é uma questão de seguir padrões e se prender a eles, mas a maneira como muda o tom de uma narrativa e a linha de interpretação acaba dificultando a aproximação do espectador com suas personagens.

E é uma pena, pois elas são realmente interessantes.

Por exemplo quando ela apresenta uma cena crucial com o pai em uma interpretação toda marcada  e o filho totalmente espontâneo, em que as cenas sem diálogo são extremamente naturalistas e os diálogos tem tiradas e jogos de palavras, em que em diversas sequências se busca um encadeamento e em outras há uma superposição de cenas sem fechamentos e conclusões... Tudo isso nos deixa um pouco desnorteados com o filme.

Vemos seu potencial e encanto, somos instigados a nos aproximar, mas não sabemos ao certo como, por que canal e em que tom.

Correndo o risco de não conseguir e terminarmos o filme distantes.

terça-feira, 2 de agosto de 2016

Eu não tenho a menor ideia do que eu tô fazendo da minha vida - Matheus Souza


Segundo filme do jovem cineasta Matheus Souza, que havia estreado com Apenas o fim - já comentado aqui, Eu não tenho a menor ideia do que estou fazendo segue a linha leve de se falar de questões existenciais da juventude.

Aqui a protagonista está insatisfeita com a faculdade e começa buscar o que fazer da vida. Pensa outras profissões e faz pequenos testes, aproveitando a relação com pessoas próximas.


Assim, além de seus interesses, testa também suas relações familiares.


Cenas agradáveis, divertidas, mas um pouco mornas. Falta densidade e/ou ritmo à história.

A fórmula de diálogos e cenas cotidianas precisa de mais estofo e graciosidade.

E também mais definição na linguagem que ora é cômica e caricata, ora mais realista e prosaica, ora com pretensões mais dramáticas, ora com linguagem mais juvenil e publicitária...



Assim o potencial da temática, do roteiro e de diversas cenas se perdem um tanto.

quinta-feira, 30 de junho de 2016

Paulina (La Patota) - Santiago Mitre


O argentino Santiago Mitre ficou conhecido por aqui com os filmes de Pablo Trapero que roteirizou, como Leonera, Abutres ou Elefante Branco, já comentados aqui.

Como diretor Mitre assinou algumas vezes como no potente Paulina.

Paulina é um remake de um filme dos anos 60, mas traz ainda questões muito atuais: diferenças de classes sociais levando a embates familiares, culpas burguesas, mudanças de carreira, enfrentamentos, abusos de poder, abusos sexuais...

Paulina é a jovem advogada filha de um juiz com carreira promissora, mas que resolve abrir mão desse futuro em que não acredita e do qual sente culpa por um trabalho social de professora em um vilarejo precário e afastado.

Mas o idealismo romântico de Paulina sofre com o preconceito daqueles que não a aceitam, que sabem de suas origens e suas referências e que não acham que ela possa entender e conviver bem com eles.

Quando faz uma amizade é vista como má influenciadora da amiga e paga por isso: é violentada.

O filme trata o estupro de maneira bastante singular, pois sua protagonista não se sente vítima dele. Segue se sentindo algoz e vendo seus violadores, eles sim, como vítimas da sociedade.

Tema e abordagem bastante instigantes, mas para o qual faltam mais nuances. Talvez uma participação mais feminina (e feminista) na construção da abordagem do filme?

Há várias opiniões expostas e se confrontando, mas cada personagem é muito fechado em um opinião. Falta mais crises, oscilações, mudanças de opinião neles.

Tudo que acontece apenas reforça as personalidades e a falta de crescente nos desmotiva um pouco. Principalmente em tema tão delicado e polêmico.

Fica possível a empatia, mas também a total repulsa. Difícil apenas ficar indiferente, já que o filme é bem filmado, traz momentos fortes de interpretação, tem fotografia, som, arte e montagem contidas, precisas e competentes e apesar de não nos fazer mergulhar nos personagens, nos leva pra dentro da trama.

Vale conferir. 

quarta-feira, 29 de junho de 2016

Visita ou Memórias e Confissões - Manoel de Oliveira


Filmado no início dos anos 80, o filme mais recente do diretor português Manoel de Oliveira permaneceu inédito por mais de 30 anos.

Dono de uma carreira incansável dos seus 23 aos seus 105 anos, com dezenas de títulos profundamente autorais (alguns já comentados aqui), não quis apresentar suas memórias e confissões em vida e nos deixou essa última visita para desfrutarmos em sua ausência.

Assim como em suas ficções Visitas ou Memórias e Confissões se apóia em momentos discursivos e imagens contemplativas.

Contrastando verborragia e silêncio, parece ser feito da matéria que lhe dá título: memórias, confissões, nostalgia...

Um filme sobre o tempo, quase impalpável e etéreo, mas ali tão audiovisualmente representado.

A partir da visita de um casal a uma casa aparentemente abandonada, mas que é a que carrega a herança e história da família do diretor e a tentativa de preservação de uma construção, de uma arquitetura, de uma época.

Falas de um casal anônimo, depoimentos do próprio autor, fotos de família, projeções de películas guardadas e refletidas.

Montagem de imagens de diferentes tempos, de diferentes vozes e diferentes pensamentos e sentimentos.

O propósito do filme autobiográfico de certa maneira parece despistado pelo autor, mas cumpre seu papel, Manoel não conseguiu se manter na casa, mas a casa e seu antigo morador se manteve através desse singelo e profundo filme.

quarta-feira, 22 de junho de 2016

O jogo do dinheiro (Money Monster) - Jodie Foster


Além da filmografia de mais de 70 títulos como atriz, há alguns anos Jodie Foster vem se aventurando pela direção, seu último filme O Jogo do Dinheiro apresenta uma direção competente, mas a escolha de um projeto questionável.

O filme fala sobre um programa de TV que dá dica de investimentos para cidadãos comuns.
Começa apresentando personagens superficiais e bem humorados (onde a dupla de protagonistas George Clooney e Julia Roberts funcionam muito bem), mas que logo são surpreendidos por um espectador que teve sua vida arruinada por um dos conselhos do programa.

Ele invade o programa armado e ameaça seus algozes (numa sequência de sequestro e terrorismo familiares ao cinema dos EUA).



Mas na busca dos algozes é que está o conflito (interno e externo ao filme): quem são esses vilões?


A indústria do entretenimento e sua irresponsabilidade pela busca de audiência e patrocinadores a qualquer preço? Na empresa que deu o golpe e provocou o engano dos investidores? Ou em todo o sistema financeiro que permite que o dinheiro seja usado como em um jogo?

A resposta vai se revelando complexa e o filme não é maniqueísta e não traz respostas simplistas, entretanto acaba praticamente isentando todos os seus personagens e assim se isenta também de um papel mais crítico.

Se não vemos os culpados (ou temos apenas um bode expiatório ao final), se os personagens não têm no decorrer da narrativa nenhuma crise de consciência nem tampouco elaboram questionamentos mais profundos (o que vai nos fazendo desconectar com os atores e achar suas interpretações vazias), daí o filme vai se revelando extremamente frágil.

Nem mesmo quando apresenta as motivações pessoais e particulares do rapaz que se revolta, não traz compaixão e não denuncia os mais fragilizados da cadeia alimentar do capital.

Todo dinamismo e ritmo de diálogos e a montagem precisa vão virando um jogo de linguagem, que apenas entretem, mas não consegue nos levar além de seus 98 minutos.