segunda-feira, 30 de maio de 2016

Bem-vindo ao Sul (Benvenuti al sud) - Luca Miniero


Experiente com as comédias, seja de TV ou de curtas e longas de cinema, Luca Miniero decidiu adaptar a comédia francesa A Riviera não é aqui para uma versão italiana em Bem-vindo ao Sul.

Nos dois filmes são apresentados contrastes de diferentes regiões de um país e revelados os diversos pré-conceitos que pessoas na mesma nação podem ter.
Bem-vindo ao sul tem uma narrativa bem simples: um homem de meia idade quer agradar sua esposa e conseguir uma transferência para Milão. Eles moram nos arredores e o sonho dela é morar na Praça central da cidade.

Mas essa transferência é muito concorrida e nem tentando trapacear ele consegue o feito. Ao contrário, como punição a é enviado ao sul, numa pequena província próxima a Nápole.

Ali o protagonista vai para passar as semanas trabalhando e voltando apenas para os finais de semana com a família. Assim, ele vive todos os temores do que pensa sobre os sulistas italianos, muitas se desmentindo e outras se comprovando.

Uma das interessantes questões é a falta de abertura das pessoas em conhecer o diferente. Sua esposa, por exemplo, quando lhe pergunta da nova vida, não quer saber o que de fato acontece ali, mas apena tenta confirmar os estereótipos.


A principal revelação do filme que o filme faz então é que as regiões são diferentes e podem apresentar vantagens e desvantagens.


Muito semelhante aos nossos preconceitos entre pessoas do sul-sudeste e norte-nordeste: em pessoas focadas no trabalho beirando a frieza e calculismo, e em pessoas voltadas ao lazer, beirando a preguiça.


Obviamente não existe uma região que seja uma coisa ou outra e são apenas aspectos culturais de regiões.

Por isso interessante a proposta de criar um filme para se rir dessas diferenças.

Apesar da linguagem simplória e das piadas ingênuas, Bem-vindo ao Sul tem uma importância cultural para o país e é uma ótima apresentação dos italianos como um todo para o mundo. Para os curiosos sobre o país, vale a degustação.

segunda-feira, 16 de maio de 2016

Ave, César! (Hail, Caesar!) - Joel e Ethan Coen



A dupla de cineastas-irmãos Joel e Ethan Coen estão em seu 19o filme: Ave, César!


Mais uma vez esbanjando humor irônico e personagens caricaturais (interpretados por um grande elenco como George Clooney, Josh Brolin, Scarlett Johansson, Ralph Fiennes e Tilda Swinton), os Coen dessa vez criam uma trama dentro da Hollywood dos anos 50.

Vemos os principais gêneros da época (musicais, westerns, dramas, épicos e suspenses), o funcionamento do star sistem e da linha de produção de cinema.

Também vemos os conflitos ideológicos vigentes apontando a evolução da guerra fria.


Mas sempre em tom de sátira.

Nas questões prosaicas de cotidiano e como comédia de costumes farsesca o filme vai muito bem.

Já nas questões políticas fica raso, desinteressante e não tão bem alinhado com a trama e personagem central:

o produtor Eddie Mannix que resolve todo tipo de problemas sem maiores questionamentos do que sua própria vida pessoal, portanto, sem caber dúvidas ideológicas ou existenciais.

O excesso de informações, personagens e piadas faz com que o filme pareça uma sucessão de esquetes, algumas muito boas e outras bem mornas: passamos por momentos memoráveis dentre as duas horas de filme, mas o resultado geral deixa a desejar.

quinta-feira, 12 de maio de 2016

Spotlight - Tom McCarthy


O ator americano Tom McCarthy tem se arriscado em algumas direções no cinema e na TV, um de seus trabalhos mais recentes, Spotlight, teve grande repercussão entre crítica e público.

Um dos maiores méritos do projeto foi a escolha do tema: a reportagem verídica feita pelo jornal The Boston e sua equipe spotlight sobre casos de abusos cometidos por padres católicos que ganhou o prêmio Pulitzer.

A investigação que começou com um caso local e particular foi desvendando uma prática comum e sistemática, acobertada pela igreja, sociedade, sistema judiciário e pela mídia.

O tema, sua relevância histórico-social e os personagens são muito interessantes, entretanto a abordagem do filme é rasa e fria.

Não há envolvimento com os personagens, não são construídas suas motivações, sentimentos e reações, apenas em momentos pontuais e de maneira sóbria.

Uma das raras exceções é um depoimento dado por um homem que conta do abuso sofrido: ele traz uma fala complexa, sobre a dificuldade de assumir sua homossexualidade e o abuso, mais do que físico, mas moral e espiritual sofrido.

O belo de sua fala é a lembrança do reconhecimento que sentiu de sua sexualidade através do desejo e aprovação de uma autoridade (o padre). Mas o peso que essa distorção teve em sua formação e a dificuldade para se recompor. 

É aqui que o filme deveria se focar. Ele poderia manter a sobriedade, certo rigor jornalístico e sem pesar no melodrama.

Mas não nos faria acompanhar o ponto de vista dos jornalistas de maneira quase inverossímil, sem nos emocionarmos com eles, sem acompanharmos associações e projeções inevitáveis em qualquer ser humano, não importa a imparcialidade que se busque nas investigações.

Ficamos sem saber praticamente nada de suas vidas pessoais, de suas infâncias, de seus filhos, de suas formações espirituais, ou seja, tudo que está em jogo quando se fala de abusos cometidos por padres.

Há alguns momentos mais emotivos dos jornalistas do caso, mas sem que eles sejam colocados em xeque em nenhum momento.

O máximo de dúvida e crise que enfrentam é como se relacionar com as informações que tiveram ou têm e como fazer as revelações.

É pouco. Para o tamanho do tema, fica fraco. Se ousasse mais, poderia se tornar um filme muito mais memorável e não um registro de uma reportagem memorável.

quarta-feira, 27 de abril de 2016

A Garota Dinamarquesa (The Danish Girl) - Tom Hooper



O diretor inglês Tom Hooper tem grande talento para selecionar histórias reais e romanceá-las, por exemplo como fez em O Discurso do Rei, já comentado aqui


E agora, em seu trabalho mais recente, A Garota Dinamarquesa, Hooper se baseia na história do casal de pintores Einar e Gerda Wegener.



O casal vive o efervecer das artes na Europa na virada do século XIX para o XX.

Eles conciliam uma vida doméstica tranquila com badalados eventos artísticos de exposições, mostras, festas, onde muitos paradigmas e costumes eram questionados e colocados em xeque.

Nesse contexto Einar começa a viver sua transexualidade. Ao se vestir como modelo feminino para sua mulher, percebe uma identificação de gênero e não consegue mais voltar atrás em sua vida.

O filme tem um roteiro de cenas profundas e bastante delicadas, se focando principalmente na relação do casal e numa história de amor que transcendeu gêneros, formas e convenções.

O conflito de Einar é muito bem tratado: acompanhamos sua angustia em relação aos desejos e dúvidas em relação ao casamento.

Também a relações homossexuais, ao seu trabalho como pintor, como modelo e, principalmente, sua mudança de identidade.


A trama e o conflito são primorosos. O problema está no tratamento dado à história.


Hooper consegue fazer de uma cena com potencial antológico, em que Einar entra em uma sala de peep show, não para desfrutar do strip tease e muito menos se masturbar, mas para se inspirar no gestual da striper. 

Eddie Redmayne executa a cena com maestria (aliás, sua parceira de cena Alicia Vikander e todo elenco estão muito bem).

Porém a mão do diretor é tão presente, sobrepondo uma trilha tão exaustiva e melodramática que a leitura da cena se empobrece.

Esse exagero é reincidente ao longo do filme, ficando mais frequente ao final, quando a narrativa deixa de apresentar novos sentimentos e conflitos psicológicos, e passa a apenas contar os fatos, passo a passo, de maneira mais protocolar para a biografia e com direcionamento melodramático da trilha sonora, mise-en-scène, montagem etc:

Einar decide mudar de sexo e para isso se submete a consultas e cirurgias (tendo sido a primeira mulher transexual conhecida), até ter sua troca de identidade, se tornando Lili Elbe.

Documentação importante e história bonita, faltando apenas alguma lapidação.

quarta-feira, 13 de abril de 2016

Astrágalo - Brigitte Sy


Astrágalo é o segundo longa de Brigitte Sy, que em paralelo a uma intensa carreira de atriz, e estimulada pela vida artística em família (foi casada com o diretor Philippe Garrel e é mãe de Louis e Esther Garrel que inclusive participam deste filme) e vem se arriscando em alguns roteiros e direções.
Aqui, Sy se baseia nos textos de Albertine Sarrazin, tanto em passagens autobiográficas como em textos poéticos.

Astrágalo conta parte de sua vida, desde sua fuga na prisão na qual machucou um osso do pé - o astrágalo - e que lhe deixou manca por toda a vida. 

Esse acidente também fez com que ela conhecesse Julien, seu grande amor com quem viveu uma relação inconstante mas profundamente apaixonada.

Uma trama sem grandes peculiaridades, mas que conquista pela maneira potente como Sy filma.

Sy não trabalha com uma fotografia convencional: nem nos enquadramentos nem na fotografia preto e branco; 


Não se rende a um som convencional com trilhas didáticas; 
Não constrói personagens clichês e os mantém bastante misteriosos por toda a trama.

Além de fazer um excelente trabalho de casting e direção de atores, por exemplo com a dupla de O Profeta - já comentado aqui: Leila Bekhti e Reda Kateb);



E principalmente: trabalha de maneira muito particular o tempo das ações e da montagem. A mise-en-scène criada nos intriga, nos envolve e nos traga. 

Não temos conflitos estabelecidos, não sabemos o que esperar das personagens, com isso não conseguimos nos aproximar nem nos tornar íntimos delas, mas nem por isso deixamos de nos identificar e seduzir por elas.

Afinal o filme vai deixando cada vez mais claro que trata de paixão e de amor, dos tempos tortuosos da espera, da incerteza, do ciúmes e da infinitude de sentimentos intensos.

"Eu quero partir, mas para onde? Seduzir, mas quem? Escrever, mas o quê?" é uma das frases de Sarrazin que podemos vivenciar no filme.

domingo, 10 de abril de 2016

A Senhora da Van ( The lady in the van) - Nicholas Hytner


O humor inglês é famoso por sua peculiaridade e por isso talvez seja difícil o diálogo com ele.

Em A Senhora da Van, por exemplo, sem entender esse humor acabamos em um filme excêntrico e esquemático e que não nos aproxima nem nos comove com suas personagens.

O filme é baseado em fatos reais e tenta se valer disso para o pacto de fidelidade com os espectadores, entretanto isso não é suficiente, falta construção dramática das personagens para acompanhá-las melhor.

A senhora rabugenta que adentra a garagem de um morador de classe média londrina e passa a morar ali, numa certa relação de passividade e tolerância.

Porém, apesar do desenrolar e da aproximação gradual dos dois, a relação improvável não se adensa como mostrariam filmes hollywoodianos. 

As situações vividas por eles também não resultam em contrastes tão cômicos como poderiam.



Assim, a falta de uma construção psicológica maior dos personagens ou um maior exagero em suas caricaturas deixa o filme em um meio do caminho, a van acaba estacionada, sem realmente sair muito do lugar (ao menos a olhares não ingleses).