quinta-feira, 17 de março de 2016

Os Amigos - Lina Chamie


Temas e roteiro bastante interessantes. Num meio tom em misto de amargura e doçura.

A história de um arquiteto que perde um amigo de infância e faz um balanço de seu passado e presente: seus ideais de trabalho, suas buscas amorosas, seus vínculos, seus sonhos...

O filme ainda traz cenas líricas de uma contação de história feita por crianças e imagens de animais (lembrando um pouco A hora da estrela - ótima adaptação de Suzana Amaral para a obra-prima de Clarice Lispector).

Porém os trocadilhos e metáforas inteligentes do filme nem sempre encontram um tom, algumas vezes pareceriam mais apropriados para algo cômico (quase sitcom). 

E a divergência entre um texto mais exagerado e a interpretação contida também dificultam essa aproximação com uma história de tanto potencial.

Amigos acaba sendo um filme fechado em seu círculo e com dificuldade para ultrapassar outras relações.

segunda-feira, 14 de março de 2016

O Filho de Saul (Saul fia) - László Nemes


Primeiro longa do húngaro László Nemes que já tinha tido a experiência de trabalhar com o mestre Béla Tarr, diretor de O Cavalo de Turim, já comentado aqui.
Nemes mostra como as marcas do holocausto ainda podem estar presentes e serem recontadas com inovação e frescor por alguém que nem imaginava nascer nos tempos da 2a Guerra.
Nemes conta a história de um prisioneiro de campo de concentração que tenta dar um enterro digno a uma criança. O filho de Saul

Não temos certeza. O que fica claro é a importância desse ato por alguém (destaque para o ator Géza Rhrig que testemunha todas as atrocidades possíveis naquele campo, mas não quer aceitar de maneira alguma que essa criança não possa ao menos descansar em paz.


Como disse o crítico Luiz Zanin, o fim digno é uma busca nas sociedades que viveram mortes em massa e está presente em diversos filmes como Nostalgia da Luz, também comentado aqui.

Por isso empatizamos com a busca quase insana de Saul. Sua dificuldade em ver a situação em perspectiva, que lhe deixa muito mais próximo de seu íntimo e seu particular.

A fotografia também compartilha esse ponto de vista: só vemos o que está perto, não há quadro lateral (já que a janela usada na captação é de formato quadrado) e não há foco nas ações desdobradas em 2o plano. 

Mas elas estão lá. E impactam talvez até de forma mais poderosa.

E nos emocionam por vermos um drama pessoal em uma tragédia coletiva, como fizeram outros filmes como O Pianista de Polanski ou Bent de Sean Mathias.


O Filho de Saul é simples, cru, talvez supervalorizado pela crítica, mas merece o crédito por sua força e precisão e nos deixa atento para o cinema de Nemes e da Hungria.

Nostalgia da Luz (Nostalgia de la luz)- Patricio Guzmán


O documentarista chileno Patricio Guzmán juntou diversos interesses seus em um único filme. Nostalgia da Luz fala sobre estrelas, ditadura, memória... 


Assuntos de profundidade incalculável, por isso a abordagem etérea de Guzmán.

Depoimentos muito interessantes e bons argumentos, porém o discurso oscila... Entre a profundidade, contundência, poesia, mas também em certa imprecisão... 

Nem sempre os assuntos se conectam naturalmente e às vezes as relações por vezes tão bonita, em outras flui menos.



A importância da matéria, daquilo que é intocável como as estrelas e daquilo que parece estar para sempre desaparecido.

A dor do desaparecimento, essa morte que não se define e que angustia os que ficam (tema difícil de narrar, como podemos ver por exemplo em depoimentos na Comissão da Verdade, ou no belo Vala Comum de João Godoy, que se pode ver na internet).

Nostalgia da Luz é um bom título então para esse filme de tema intraduzível em palavras e de bom uso das poeiras (do deserto do Atacama ou do cosmos) para sua narrativa.

quinta-feira, 10 de março de 2016

Eu Sou Ingrid Bergman (Jag är Ingrid) - Stig Björkman


Stig Björkman é um experiente documentarista e que foi instigado a fazer esse filme em um encontro casual com Isabella Rossellini (filha de Ingrid com o diretor italiano), foi ela que lançou a ideia e lhe apontou alguns passos.


Alguns desses passos estavam dados pela própria Ingrid que escrevia muito sobre si e adorava fazer filmes caseiros. E esse material de partida já se mostrava muito rico por si só. 



E de fato é um dos destaques do documentário.
Uma maneira de apresentar Ingrid desarmada, num olhar mais intimista e bastante revelador.



O complemento dos depoimentos dos filhos, apenas aprofundam a composição do mosaico.


Mas as revelações do filme estão menos no que é dito, estão nas entrelinhas.

O filme mostra o tempo todo a mulher forte, voluntariosa, trabalhadora, impulsiva, frágil, solitária, que mergulhava no trabalho e em homens por quem se apaixonava, deixando pra trás relações, afetos e admiradores.

Também deixava em choque um público conservador que acompanhava seus grandes sucessos de Hollywood e esperavam dela um símbolo de beleza e perfeição.

Eu sou Ingrid Bergman não vai a fundo em tentar psicologizar as motivações de Ingrid, nem dos efeitos de suas ações em seus filhos ou em outras pessoas próximas. 

Algo se pode ver e sentir por uma admiração, ressentimento, raiva ou amor que escapam nos discursos. Mas muito permanecerá no mistério do olhar penetrante e sedutor da atriz e no que fica embargado em seus filhos.

Stig fala pouco da obra da atriz (mas permite captar sua magnitude de filmes como Viagem à Itália - já comentado aqui) e apenas nos traz esses guardados mais pessoais sem elaborar muito a costura.

Nos deixa com uma matéria prima crua e com a qual podemos bordar questões feministas, artísticas, mercadológicas, afetivas...

Principalmente se pensarmos o quanto uma mulher ainda pode ser condenada ao sair dos padrões de boa esposa, boa mãe e bom exemplo.

Por um lado parece um documentário simplista e pouco acabado, por outro parece ser um documentário exatamente como um documentário deve ser...
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O Mercado de Notícias - Jorge Furtado


Jorge Furtado é um dos cineastas brasileiros de maior criatividade e versatilidade. De curtas geniais como O dia em que Dorival encarou a guarda ou Ilha das Flores - referência mundial de linguagem; 

Passando por projetos de TV como Comédia da Vida Privada e Decamerão

Até seus longas, os mais  despretensiosos como Houve uma vez dois verões - dos melhores por sinal - ou os divertidos e populares O homem que copiava e Meu tio matou um cara.

No documentário O Mercado de notícias, Furtado apresenta uma outra faceta, a mais "verdadeira" talvez, homem interessado por notícias (fonte de inspiração de suas ficções e contexto do mundo em que vive e como vive).

Jorge Furtado é personagem de seu filme, fala em primeira pessoa sobre seus interesses, sobre a descoberta de uma peça inglesa de 1631 chamada The Staple of News, de Ben Jonson e sobre o jornalismo no Brasil.  

Nesse contexto Furtado dá voz a jornalistas que declaradamente respeita e admira e cria um interessante jogral de jornalistas falando sobre o jornalismo...

As notícias, a investigação, os meios de comunicação, o mercado, a economia, a história, a parcialidade X imparcialidade, a política, o poder, os interesses do país.

Questões complexas e colocadas de maneira simples e didática. Intercalada com uma encenação modesta da peça de Ben Jonson.


O resultado é um filme simples, sem nenhum rebuscamento de linguagem, mas bastante funcional.

Para brasileiros, uma lição de casa necessária desse diretor, roteirista, documentarista, ficcionista, jornalista Jorge Furtado.

quarta-feira, 2 de março de 2016

Cinco Graças (Mustang) - Deniz Gamze Ergüven


Primeiro longa da turca Deniz Ergüven e mais um trabalho em parceria com a francesa Alice Winocour, diretora de Augustine - já comentado aqui. E que atua como co-roteirista ao lado a própria Deniz em As Cinco Graças.


Novamente um mergulho no universo feminino, dessa vez focado no conservadorismo muçulmano e na opressão masculina.

Cinco irmãs adolescentes orfãs de seus pais e cuidada pela avó e por um tio são apresentadas em seu universo espontâneo de brincadeiras, descoberta da sexualidade, "graça".

Porém suas atitudes começam a chamar a atenção do povoado.

E seus cuidadores se sentem coagidos a tomar atitudes mais enérgicas com as garotas.

Elas vão pouco a pouco sendo aprisionadas.

E cada uma reage de uma maneira a essa violência: algumas driblam as regras, outras sucumbem, outras se rebelam.

É muito bonito ver essas diferentes nuances e as cenas construídas com tantos gracejos. Entretanto falta maturidade à narrativa.

Com um tema tão denso, a abordagem fica um pouco rasa tanto na temática quanto no formato (que se apóia em uma narração, tem passagens extremamente abruptas e até inverossímeis e faz com que todos os personagens se encaixem no decorrer da história).


Mas o que se destaca mais é seu grande potencial, o ótimo casting, o tema fundamental e o resultado de um bom filme.