quinta-feira, 11 de junho de 2015

Winter Sleep (Kis Uykusu) - Nuri Bilge Ceylan


O diretor turco Nuri Bilge Ceylan vem produzindo filmes interessantes e densos nos últimos anos. Como Climas, com comentários aqui, Three Monkeys e Era uma vez na Anatólia, também comentado aqui.


Com seu último trabalho, Winter Sleep, Ceylan inclusive ganhou a palma de ouro em Cannes em 2014.

Winter Sleep apresenta realmente um primor de imagens, sons e tempos, mas lhe falta o naturalismo mais vigoroso das outras obras.

A apresentação profunda e lacônica de personagens, as lindas paisagens, os enquadramentos, o ritmo denso, tudo segue a linguagem de Ceylan.

Entretanto as relações entre as personagens são um pouco mais novelescas, o protagonista, Aydin, é um tanto manipulador e paternalizador e com isso não cria empatia e nos afasta um pouco da trama.

Aydin é um homem de meia idade que administra um hotel na Anatólia, nas planícies da costa ao sul da Turquia. Ali construções históricas se transformaram em acomodações para turistas aventureiros e em buscas de todos os tipos.

Aydin também administra sua relação com a esposa, que tem outra origem e interesses (mais humilde e mais ingênua e esperançosa em relação aos conflitos sociais).

E a relação com sua irmã, recém divorciada e frustrada com o mundo, inclusive com Aydin e a postura superior e alheia com que se coloca frente ao mundo.

Esses conflitos são desenvolvidos através de diálogos que trazem questões profundas e filosóficas, mas ficam no limiar do excessivo, ou "teatral".

Assim os pequenos incidentes, como a cobrança por parte de Aydin de um aluguel atrasado a uma família com poucos recursos ou a vingança de um menino que joga uma pedra em seu carro, nos instigam bastante mas sem que nos envolvamos emocionalmente com as personagens.

Podemos nos tocar e tomar partidos, mas de maneira mais racional, mais cerebral, como o tom das falas de Aydin.

Assim o filme se torna todo mais frio, fazendo jus ao seu sono invernal, mas não à realidade e ideias fervilhantes de Ceylan.

domingo, 7 de junho de 2015

Shame - Steve McQueen


Apesar de uma carreira com diversas realizações, principalmente de curtas-metragens, o diretor inglês Steve McQueen se destacou em 2011 com Shame, em que se aproxima de maneira ao mesmo tempo íntima e contida do personagem Brandon, vivido por Michael Fassbender.

Michael é um executivo bem sucedido, que parece destacado entre seus colegas, ou mesmo diante de sua irmã, que recorre a ele para se abrigar em sua passagem por NY.

Porém não há brilho nesse sucesso - o que é visto inclusive pelas cores pálidas e cinzentas do filme.

Nada irradia no filme, nem luzes, nem sorrisos, nem olhares... Raros são os momentos em que algo brote da selva de pedra da cidade grande, por isso a cena em que sua irmã canta tão cheia de sentimentos transborda na tela.

E o mérito do filme é justamente a economia, quase nada é dito, mas há muito revelado: o vazio da vida de Michael e a maneira como ele tenta preenchê-la quase pode ser sentido.

Suas perversões e vícios sexuais aparecem e refletem não o excesso (de seus desejos, atos ou o que quer que seja). Eles refletem a escassez (afetos que se intuem desencontrados em sua vida, desde a infância).

Nos envolvemos com esse vazio e a espécie de paralisia dos personagens principais e mesmo sem ter muitos dados sobre o contexto tudo fica dentro de uma organicidade, intimismo e densidade instigantes.

McQueen não alivia, não há qualquer redenção para os vícios, perversões e aprisionamentos. Poucas buscas, poucos sentimentos, mas uma medida precisa para nos apresentar sua história. 

segunda-feira, 1 de junho de 2015

O Sal da Terra (The salt of the earth) - Wim Wenders & Juliano Ribeiro Salgado



Wim Wnders é um cineasta irregular capaz de fazer obras-primas como Asas do Desejo ou Paris Texas - já comentado aqui, mas também capaz de filmes de questões interessantes mas que resultam mais confusos ou simplórios, como os recentes Land of Plenty, Palermo Shooting ou seu segmento em Mundo Invisível - também comentado aqui.

Wenders em geral se mostra como um grande observador do mundo em que vive, seja retratando dramas profundos e filosóficos, mas também retratando grandes artistas que conhece e admira, como o grupo cubano Buena Vista Social Club, a bailarina e coreógrafa alemã Pina (em documentário também presente por aqui) e agora o fotógrafo Sebastião Salgado.

O Sal da Terra mostra a bonita e tocante trajetória de Salgado, dirigida por Wenders e pelo filho do fotógrafo, Juliano Salgado, que juntos recompõe a vida do artista e acompanham seus trabalhos recentes.

Um dos méritos do filme é nos aproximar do tom da obra de Salgado (tanto das matizes de seu preto e branco, quanto do tempo de contemplação a que nos leva). 

Entretanto o filme não vai muito além da documentação. Não aprofunda questões extremamente densas presentes na vida de alguém que registrou cenas-limite de miséria, injustiça e sofrimento.

O filme cita que essas vivências o adoeceram, mas não problematiza nem como, nem quanto.

Também cita dificuldades de sua vida particular e doméstica: longos períodos de distância de sua casa e de sua família e o nascimento de um filho com síndrome de down, por exemplo, mas a maneira como isso pode ter repercutido em sua vida fica mais a cargo do espectador.


Inclusive podemos reviver o desespero do fotógrafo a nos deparar com suas fotos de pessoas à beira da morte, mas não compartilhamos do desespero dele...


O Sal da Terra traz mais a dimensão das linhas, curvas, luzes, sombras e muito menos a dimensão dos temas de Salgado e sua psicologia.

Uma pena, pois aí deve habitar uma imensidão muito mais tocante que montanhas, geleiras e florestas e que nos faria querer acompanhar mais de sua obra (que ainda é viva e ativa). 

Da maneira como colocado no filme tudo já parece estar resolvido: Salgado se aproximou ao máximo da morte (morte física de pessoas e povoados e também da civilização e da paz) e depois se recompôs através da vida (reflorestando amplas terras de sua família e fotografando a fauna, flora e paisagens). 

Uma trajetória nobre e admirável, mas que nos faz pedir mais, inclusive desse documentário...

Joven y Alocada - Marialy Rivas



Joven y Alocada é o longa-metragem de estréia da diretora chilena Marialy Rivas.

O filme traz questões profundas de descoberta de sexualidade, amor, triângulos, embates morais e religiosos etc, e os trata com humor e ritmo.

Porém o tratamento acaba fazendo com que o filme não se aprofunde em seus temas, mas que possa entreter como uma espécie de telefilme. 

Várias piadas, grafismos, narrações e outros comentários que se sobrepõe a narrativa (e de maneira mais próxima da publicidade e não como fez Gustavo Taretto em seu Medianeras - já comentado aqui).

Faz lembrar um pouco da narrativa dos curtas de Roberto Torero e de Jorge Furtado, mas não de seus longas, que se mostram mais ricos com o retrato do cotidiano.

De qualquer maneira filmes com temáticas jovem tem um público garantido e importante e em que se deve investir mais. Hollywood sabe bem disso, mas no Brasil, por exemplo, são mais esparsas iniciativas como As melhores coisas do mundo, Antes que o Mundo Acabe, Apenas o Fim, Hoje eu quero voltar sozinho, todos comentados aqui.

segunda-feira, 6 de abril de 2015

Luneta do tempo - Alceu Valença


O músico e compositor tão conhecido da MPB brasileira resolveu se arriscar na arte cinematográfica. Alceu Valença estreou com o roteiro e direção de Luneta do Tempo.


O filme é uma história de cordel do sertão, uma coletânea de fatos reais, míticos, culturais. 

E a narrativa reflete essa colcha de retalhos e de fuxicos...


Tem Lampião e Maria Bonita, cangaceiros e policiais, histórias de amor e de traição, bebedeiras, jogatinas, circos e artistas.

Começa vigoroso em seus enquadramentos, montagens e interpretações (tendo à frente o genial Irandhir Santos - de filmes como Tropa de Elite e Tatuagem - já comentados aqui e Hermila Guedes - também atuante no cinema pernambucano contemporâneo também comentado aqui) e obviamente nas canções (destacadas pela voz do próprio diretor). 

Mas aos poucos a narrativa vai se afrouxando, se perdendo em tantas intenções e na dificuldade de se costurarem.

O tecido se esgarça e faz falta um roteirista que estivesse fora da cabeça barroca de Alceu e, principalmente, de seu coração e suas lembranças afetivas.


Algumas nos chegam e nos instigam - mesmo que herméticas, mas outras são imaturas, piegas ou mesmo confusas.

Falta filtro, edição e certa maestria de composição cinematográfica. O potencial de direção está ali, mas algum roteirista para ajudar a reger teria feito o filme ecoar muito mais longe... E muito mais melódico e harmônico!
Peçamos bis e vejamos o que mais vem por aí...

quarta-feira, 1 de abril de 2015

A Outra Terra (Another Earth) - Mike Cahill


O jovem diretor americano Mike Cahill estreou em longas-metragens com A outra Terra, um primeiro filme com boa recepção de público e crítica.

Com um ponto de partida muito interessante: no qual a garota Rhoda, em seus primeiros dias como universitária, atropela uma família na saída de uma festa e paga pelo crime, passando alguns anos na cadeia.

Na saída ela não sabe como retomar sua vida e acaba não se adaptando a novos ambientes de trabalho, à família ou amigos. 

Rhoda acaba se sentindo amparada apenas ao lado do único sobrevivente da família, de quem ela se aproxima sem que saiba de sua verdadeira identidade. 

Ou no sonho de viver em uma outra Terra recém descoberta.

Ao contrário de Melancolia (já comentado aqui) onde um planeta é descoberto e que se aproxima para abalar todas as relações, A Outra Terra apresenta um outro planeta capaz de acolher aqueles que já estão abalados.

Premissa interessante e que nos envolve na primeira metade do filme. De maneira econômica e intimista nos aproxima das personagens e nos cativa. 

Porém não desenvolve bem suas transformações, apresenta as mudanças rapidamente (inclusive mudando de uma chave realista para a de ficção científica sem muito preparo).

A outra Terra só é vista e vivida pelas próprias personagens (e não pelo público) e acaba apresentando respostas um pouco "mágicas" para problemas tão profundos e reais. E, para suprir certas lacunas psicológicas e emocionais deixadas, apela para soluções clichê, enfraquecendo o todo.

Com mais apuro da parte final do filme e aí teríamos uma promissora outra terra para visitarmos e revisitarmos no mundo cinematográfico...

Para sempre Alice (Still Alice) - Richard Glatzer & Wash Westmoreland


A dupla de diretores Richard Glatzer e Wash Westmoreland já havia trabalhado junta no filme The Last of  Robin Wood e no reality show America's next top model

Aqui se basearam também em fatos reais para contar um drama bastante frequente em diversas famílias que é a convivência com a doença de Alzeimer.

Para sempre Alice conta a história de uma professora universitária na faixa dos 50 anos que começa a ter problemas de memória, ela evita o assunto, mas quando começa a se consultar tem a doença diagnosticada.

O filme trata então da relação da família com a doença, especialmente a própria mulher com o que é, ou, como o filme coloca, o que vai deixando de ser.

A família que não tem grandes crises, apenas questões "normais" de diferenças de ponto de vista entre os membros (casal e três filhos) e diferenças na maneira de lidar com o diagnóstico. 

Esse é um ponto interessante e aproxima o filme de outros que também trazem o cotidiano de degradação sem um melodrama excessivo, ou no melodrama excessivo ou mesmo caráter trágico inerente à doença.

Por outro lado o filme quer abordar questões demais e não se aprofunda em detalhes e nuances que o fariam mais profundo e intimista, como os exemplos recentes de Amor, de Michael Haneke ou Parada em pleno curso, de Andreas Dresen - já comentados aqui.

Para sempre Alice trabalha situações corriqueiras sem muito glamour - embora dentro da chave hollywoodiana com trilhas e ritmo bem marcados e discursos e diálogos não tão naturais e bastante emocionantes. E tem outro destaque - merecedor de prêmios como o oscar - na atuação de Juliane Moore


Assim, em seu conjunto, Para sempre Alice apresenta boas qualidades e merece ser visto!