quarta-feira, 3 de dezembro de 2014

O Pequeno Quinquin - Bruno Dumont


Bruno Dumont fez uma estréia tardia em longas-metragens, mas já chegou se destacando muito com sua Vida de Jesus. Não foi diferente com o seguinte A Humanidade ou com exemplos mais recentes como Fora de Satã - comentados aqui.

Dumont constrói narrativas colocando personagens bizarros e profundos em situações ao mesmo tempo corriqueiras e de pouca ação com estranhezas e acontecimentos inusitados.

Algumas vezes beira o fantástico e inexplicável, mas sem ir para o caminho do lúdico e sim do filosófico.

Mesmo com Camille Claudel 1915, tentou fazer o mesmo com um momento da vida da escultora francesa, mas sem tanto brilho - como comentado aqui.


Em O Pequeno Quinquin, edição de narrativa originalmente para uma série televisiva, Dumont se perde um pouco entre muitas intenções. 

Em parte pela adaptação de uma série que na TV podia ter mais núcleos narrativos e demorar a mais a solucionar conflitos, mas em outra parte por alimentar situações, personagens e suspenses que ao final não estão à altura das expectativas criadas.

Personagens de grande potencial e temas instigantes (moral, aparências, religião, imigração, preconceito) e que ganham força na pele de crianças e dialogam com filmes como A Fita Branca de Haneke, também comentado aqui.

Filme bom mas que deve ter rendido mais como série e que bom que exitosa, é preciso ter espaço para narrativas mais densas na televisão também!

terça-feira, 2 de dezembro de 2014

Dólares de Areia (Dólares de Arena) - Israel Cárdenas & Laura Amelia Guzmán



O casal de jovens diretores latinos, ela dominicana e ele mexicano, aproveitou um tema forte e polêmico para convidar a grande atriz Geraldine Chaplin para protagonizar Dólares de Areia.

Geraldine é a senhora européia rica e entediada que vive sua melancolia em uma paisagem praiana latina. Ali ela conhece uma jovem cheia de vida com quem se relaciona.

A relação é desigual e conturbada: a senhora paga para ter afeto e vida ao seu redor e a garota se aproveita do dinheiro e do conforto.

As duas têm uma vida incompleta, e apesar do que uma pode dar a outra, não é suficiente.


Nem o filme.

As boas atuações e o tema interessante não são suficientes para fazer com que a narrativa saia do óbvio e para que transcenda em possibilidades. 

Faz lembrar o ótimo Em Direção ao Sul do interessante francês Laurent Cantent - que já recebeu comentários por aqui - mas não trata com tanta profundidade as personagens, não vai na origem de seus sofrimentos, nem das possibilidades ou mesmo na crítica social dos europeus explorando latinos, da prostituição, da miséria, violência, aborto etc.

Dólares de Areia resulta numa narrativa competente, mas tímida.
Um começo com potencial para se ver o que virá adiante do casal.

Interestelar (interstellar) - Christopher Nolan


Para quem não curte ficção científica ficam faltando mais atrativos do que os dados científicos e as imagens espetaculares para sustentar o filme. 

No caso do inglês Christopher Nolan ele poderia ter usado seu apreço por narrativas rebuscadas e fantasiosas de filmes como Amnésia e A Origem para enriquecer seu Interestelar.

Entretanto o rebuscamento da narrativa aqui apenas acaba, poluindo e confundindo a parte científica do filme.

Os principais problemas são a falta de aproximação das personagens e falta de carisma delas e o consequente enfraquecimento do conflito central.

O perigo do fim do planeta Terra não é sentido tão "na pele", não vivenciamos tanto a degradação e o pré-apocalipse para justificar toda a aventura espacial.

Assim os desafios e sacrifícios ficam um pouco opacos e não nos deixam tão envolvidos com a história.

Muito diferente de exemplares que conseguem nos trazer questões filosóficas e existenciais como Blade Runner de Ridley Scott ou Solaris do mestre Tarkovski - já comentado aqui.

Interestelar lembra mais o clima de Sinais de M. Night Shyamalan ou uma versão melhorada e mais complexa de Armageddon de Grace Stamper ou  Gravidade de Alfonso Cuarón - também comentado aqui.

A ida de Cooper, o protagonista vivido por Matthew McConaughey, ao espaço em busca de um novo planeta em que os humanos possam viver e as questões físicas que ele vive: como a relatividade do tempo, do espaço e de outras dimensões, colocam em cheque o sucesso de sua expedição, mas não com tanta emoção.

Há elementos para pensarmos sobre as limitações do planeta e dos seres humanos e na possibilidade de outras realidades, algo que Nolan já mostrou sua competência em retratar, mas no geral o filme tem um "espaço" de alcance limitado.

sexta-feira, 28 de novembro de 2014

Relatos Selvagens (relatos salvajes) - Damián Szifrón


O diretor argentino Damián Szifrón usa sua experiência com programas de ação e suspense de TV para fazer Relatos Selvagens.

Diversos curtas que falam de violência e apresentam crimes de diversas naturezas: assassinatos, roubos, assédios morais, traições, vinganças etc.

Mérito do filme reunir um elenco primoroso (com nomes como e ter tramas bem amarradas, decupadas e com ritmo envolventes.

Entretanto nenhuma questão no filme é muito aprofundada, não só por se tratarem de histórias curtas, mas por ser um filme aninhado ao gênero e à busca de vilões e mocinhos. 

Muitas vezes Szifrón subverte seus personagens e eles mudam de lado, mas não de maneira a estarmos próximos a eles e nos identificarmos intensamente com seus conflitos.

Sem dúvida um filme de entretenimento com conteúdo, mas talvez supervalorizado pela crítica e pelo público, dada a quantidade de prêmios e de público que está fazendo.

Devemos ter muitos filmes como esse, mas que ele não precise ser visto como tão excepcional.

domingo, 16 de novembro de 2014

Kinsey - Vamos falar de sexo - Bill Condon


Bill Condon aproveitou uma personalidade com uma trajetória extremamente interessante para fazer um filme biografia: o biológo Alfred Kinsey que ficou conhecido por seus estudos pioneiros sobre a sexualidade humana.

Kinsey viveu questões sobre sua sexualidade e com dificuldade para interlocução decidiu ser interlocutor de outros que também tivessem dúvidas. Nos EUA dos anos 40 ele começou a dar aulas sobre o assunto em uma universidade em Indiana e fazer diversas pesquisas.

As pesquisas de Kinsey se baseavam em entrevistas e relatórios e também em suas experimentações pessoais e dentro do seu grupo. 

O filme tenta abarcar um pouco de tudo: os pontos de interesse, os fatos biográficos, os dados das pesquisas, os estudos empíricos, a perda de objetividade científica, a repercussão e polêmicas geradas etc.

Com um personagem tão interessante, Condon consegue instigar para sua história, mas termina em um filme morno e sem personalidade. Para dar mais dinamismo a sua narrativa usa recursos televisivos (cartelas, grafismos, fusões), talvez muito pautado por sua experiência em telefilmes, séries e obras infanto-juvenis.

Assim, esta obra de Condon se assemelha um pouco da obra de Kinsey. Kinsey trata de sexo e faz questionamentos extremamente relevantes e transgressores, mas se fixa em coleta de dados e sem tentar interpretá-los e analisá-los parece chegar aquém de onde poderia. 

Falta a relação com a psicologia (também uma de suas formações) para interpretar a série de dados com os quais trabalha. Algo apenas ligeiramente apontado em falas da personagem da esposa e do púpilo de Kinsey no filme.

Levantar a infinidade de sexualidades possíveis, tentando quebrar tabus de que a maioria das pessoas se masturbam e tem desejos bissexuais por exemplo, foi uma iniciativa incrível, mas usar essa multiplicidade apenas como parâmetro para uma "libertação" de que tudo seria possível, cabível e aceitável foi uma simplificação do comportamento humano.

Muitas vezes aqueles que se dizem sem censuras e liberais a tudo são os mais aprisionados por sua sexualidade, como vemos em tantas perversões e como vemos em filmes que tratam do assunto sem tentar ser tão completos e por isso conseguindo ser mais profundos e densos como filmes de Lars Von Trier ou na ficção Augustine e no documentário Na Captura dos Friedmans já comentados aqui.


Uma viagem extraordinária (L'extravagant voyage du jeune et prodigieux T.S. Spivet) - Jean-Pierre Jeneut


Jean-Pierre Jeneut é um dos cineastas com maior talento para retratar universos lúdicos, pincelando questões profundas com ares de contos de fada.

Filmes incríveis como Delicatessen e Ladrão de Sonhos, dirigidos ao lado de Marc Caro;

E também com sua obra mais popular o Fabuloso Destino de Amélie Poulain, são exemplos do que sua mente fantástica pode criar.

Entretanto quando diretores criativos como ele tentam se moldar em algumas histórias acabam com narrativas fracas em meio a imagens interessantes.

Terry Gilliam, Tim Burton, Wes Anderson ou mesmo mais recentemente Michel Gondry, todos com exemplos comentados aqui, se perdem em algumas de suas tentativas.

A começar pela escolha de protagonistas. Em Uma Viagem Extraordinária falta carisma no menino que interpreta o protagonista (lembrando A Fantástica Fábrica de Chocolate de Burton e também A Invenção de Hugo Cabret de Scorsese) e falta fortalecer seu conflito.

Spivet é o cientista precoce e inventor prodígio de 10 anos vive no interior dos Estados Unidos, em meio a uma mãe bióloga fora dos padrões, um pai fazendeiro chucro e irmãos com quem não tem muita identificação.


Ele se divide entre a busca de um prêmio que recebe e a culpa de um acidente com seu irmão gêmeo.

Mas suas emoções e motivações não são claras e acompanhamos o filme como se fossem esquetes fantásticas, sem a graciosidade e humor de outros filmes e sem termos algo para nos apegar e seguir.

A boa direção técnica acaba não suficiente para a história de grande potencial mas mal tão fracamente roteirizada.

A Ilha dos Milharais (Simindis kundzuli) - George Ovashvili


Uma grande oportunidade de ter um aperitivo do cinema da Geórgia, com o filme de George Ovashvili A Ilha dos Milharais.

História singela em linguagem igualmente simples provando que "menos" pode ser "mais".

Um senhor chega em uma ilhota e começa a construir sua vida ali, uma vida do zero e no meio do nada:
constrói um abrigo, leva sua neta, ergue uma casa, uma plantação, um teto e um sustento.

Mas é possível viver em paz tão "ilhado"?

O que pode emergir desse local que vai se mostrando cercado por uma guerra entre a Geórgia e a República separatista da Abecásia?

O que pode emergir de um senhor com coração humano que acolhe fugitivos e não sabe lidar com a neta que cresce e começa a virar mulher?


(Aqui lembrando o belo filme de Walter Lima Jr A Ostra e o Vento a dificuldade de um senhor em lidar com o vir a ser mulher).

A vida e a natureza se fazem mais imperativas, não vemos emergir nada com a humanidade desse senhor, submergem seus sonhos e se finaliza triste e melancólico, mas em um filme que emociona mergulhado em poesia.