sexta-feira, 15 de novembro de 2013

Lira Paulistana - Riba de Castro


Com uma cultura musical tão rica, o Brasil acaba tendo um gênero cinematográfico bastante específico de documentários musicais...

Muitos filmes tem sido feitos, tanto de artistas renomados como os Tropicalistas ou Raul - filmes já comentados por aqui. Também de artistas menos presentes nos grandes cenários como Tom Zé
ou Arnaldo Batispta (este também comentado).

Em Lira Paulistana, Riba de Castro também relembra um universo alternativo, mas intensamente rico da dita música de vanguarda paulista.

O documentário de Riba conta a história de maneira detalhada e ritmada, com muitos depoimentos que vão estabelecendo jograis divertidos. Falas consonantes ou dissonantes que vão pouco a pouco nos trazendo novas notas e compondo essa Lira.

Sempre um prazer ver e ouvir artistas tão bons, como o saudoso Itamar Assumpção, que também já ganhou um documentário musical próprio com Daquele intante em diante - outro que também se encontra por aqui.

Riba foi um dos fundadores da casa de show Lira Paulistana, muito ativa nos anos 80 em São Paulo e por isso a história é contada com tanta propriedade (e com preciosos materiais de acervo).

Não são só informações sobre os shows e eventos que aconteciam naquele espaço, mas também o clima da época, o pique das pessoas e seus sonhos.

O saudosismo acaba ficando presente, tanto que o filme acaba não tocando no fim da Lira Paulistana. O desejo de que não acabasse parece presente nessa lacuna. Por um lado falar do fim talvez fosse dar um tom estranho para o filme, mas por outro poderia trazer reflexões interessantes também.

É sempre rico parar para pensar no ontem (em termos históricos poucas décadas são um piscar de olho) e ao mesmo tempo ver o quanto se mudou e o como conseguimos estabelecer certa distância crítica e de análise.

De qualquer maneira as reflexões sobre a época e sobre seu fim ficam com os espectadores. E também a vontade de voltar no tempo, nem que seja através de músicas na vitrola (ou no youtube ou aparelho de CDs):  http://www.youtube.com/watch?v=enUS3tcwPr4

quinta-feira, 14 de novembro de 2013

Inch'Allah - Anais Barbeau-Lavalette



Filha de cineastas, Anaïs Barbeau-Lavalette também encontrou na sétima arte a maneira de se expressar.

O conflito apresentado em seu longa Inch´Allah é a crise entre palestinos e judeus em plena Cisjordânia. 

Ali vive a médica estrangeira Chloe que se vê absolutamente dividida entre sua vida de quem vem de fora apenas para colaborar e alguém que passa a viver a vida do local;

Entre a jovem de classe média e a apaixonada por um militante palestinos em dificuldades, entre árabes e judeus;


Entre o cotidiano simples e a guerra, entre a vida e a morte...

A narrativa é simples e a trama não tão original. Mas a força dos conflitos, a boa execução da linguagem e o carisma dos personagens nos instigam, envolvem e emocionam.

3X3D - Jean-Luc Godard, Peter Greenway & Edgar Pêra


Grandes autores reunidos para uma tarefa interessante falar/apresentar a cidade portuguesa de Guimarães em 3D.

3 X 3D traz três curtas. O primeiro, de Peter Greenway, faz um tour pela cidade, apresentando algumas figuras importantes da cidade e de outras épocas.

Porém a narrativa é extremamente pobre, além da câmera que nos propõe um passeio, os personagens aparecem quase como cenário, sem nenhuma ação ou interação. Na tela ainda aparecem alguns textos, fazendo com que o filme pareça uma aula em powerpoint.

Em seguida vem o curta de Edgar Pêra que propõe sátiras sobre a própria linguagem, com comentários sobre cinema de gênero, brincadeiras com a linguagem 3D e o diálogo entre autores e espectadores.

Algumas questões divertidas, mas que se repetem e se alongam, sem nos acrescentar muito.

Por fim Godard traz suas reflexões (em sua própria voz, como em alguns de seus últimos filmes), sempre de modo culto e rebuscado sobre imagens cinematográficas em 3D. Algumas colocações nos deixam intrigados e fazem pensar, mas no geral o discurso é cansativo e não acrescenta muito.

A reunião dos três curtas também não propõe um diálogo entre si e faz da experiência do filme algo disperso, desconexo e sem graça. Decepção.

terça-feira, 5 de novembro de 2013

O Grande Mestre (Yi dai zong shi) - Wong Kar Wai


O chinês Wong Kar Wai se fez conhecer por verdadeiras pérolas cinematográficas como Felizes juntos, Amor à flor da pele, 2046 ou seu segmento no filme Eros.

Filmes lindíssimos, com fotografia e direção de arte impecáveis e trams instigantes narradas em um tempo lânguido, lacônico, envolvente.

Entretanto a fórmula de Kar Wai foi se popularizando e ele mesmo começou a fazer tentativas mais pop.

Foi o caso de seu Beijo Roubado, protagonizado por Norah Jones que contracenou com Jude Law e Natalie Portman.

Ou agora em seu novo filme O grande mestre. Aqui Kar Wai se rende ao gênero "filmes de kung fu", lembrando os filmes de Ang Lee, que se excedem em plasticidade e competência técnica, mas que cansam um pouco com a história.

Baseado em fatos reais, este épico traz fortes imagens e narra os acontecimentos históricos relacionados, mas deixa a desejar na profundidade das personagens e mesmo em sua poesia.

Talvez para os fãs do gênero funcione. Para os demais resulta apenas no filme bonito.

Somos o que somos (We Are What We Are) - Jim Mickle


O fotógrafo americano Jim Mickle parece usar seu repertório na construção de seus filmes, como o mais recente Somos o que somos.

Mickle constrói cenas bonitas e de climas intensos, porém lançando mão a todos os clichês possíveis: chuva, trilha musical, maquiagem, expressões dos atores...

Somos o que somos conta a história de uma família peculiar que guarda um segredo vivendo uma espécie de seita religiosa.

O filme vai estabelecendo um crescente de aspectos de terror e acaba chegando num final patético mesmo para o gênero.

Falta Mickle assistir mais Kubrick e O Iluminado para poder aprofundar suas tramas e não seguir decepcionando espectadores.

segunda-feira, 4 de novembro de 2013

Cortinas Fechadas (pardé) - Jafar Panahi e Kambuzia Partovi


Em Cortinas Fechadas seguimos acompanhando o drama do cineasta iraniano Jafar Panahi em sua prisão domiciliar e as maneiras que encontra para burlar a proibição que tem de fazer filmes por vinte anos (!).

Após o registro de Isto não é um filme - já comentado aqui. Panahi amplifica suas questões e torna a trama mais complexa. 

Não sabemos se as personagens presentes funcionam apenas como seus parceiros e interlocutores mas se podem ser vistos também como heterônimos dele próprio. 

Embates entre seu lado que quer continuar a qualquer custo ou que quer desistir e mesmo se matar.

Como cinema novamente faltam recursos, como discurso documental não há muita novidade em relação ao anterior, o que temos além é a dimensão filosófica dessa proibição de Panahi trabalhar.

Sua criatividade tolhida, sua falta de liberdade, especialmente a de expressão.
Gritos presos na garganta. Cálices para serem afastados. E cortinas esperando serem abertas!!!

Desigualdade para todos (inequality for all) - Jacob Kombluth


Jacob Kombluth praticamente filma uma aula do economista Robert Reich.

Reich é uma figura bastante interessante, ex-secretário do trabalho no governo Bill Clinton e professor de Bekerley fala sobre os períodos das maiores crises financeiras dos últimos séculos.

Ele descorre sobre o sistema capitalista e aponta questões de desigualdades sociais, leis, direitos e deveres de cidadãos, leis de oferta e procura, sistemas financeiros, dívidas, padrões de vida de diferentes classes sociais etc.

O carisma e retórica de Reich nos motiva e entretem, entretanto como linguagem e narrativa o filme é pobre. Apenas imagens de entrevista, umas poucas coberturas e animações que são quase como power points de uma aula.


Talvez para a TV funcione mais, para o cinema deixa a desejar.

sexta-feira, 1 de novembro de 2013

Lições de Harmonia (Uroki Garmoni) - Emir Baigazin


Um dos aspectos mais especiais da Mostra de Cinema de São Paulo é poder conhecer cinematografias de lugares diferentes, por exemplo o premiado filme do Cazaquistão Lições de Harmonia, de Emir Baigazin.

Baigazin conta de maneira intimista e com poucas palavras a vida de Aslan, garoto que vive de maneira bastante simples com sua avó (criando ovelhas para poder se vestir e alimentar, tirando água do poço ou se vestindo de maneira modesta).

Um cotidiano simples, porém digno. Mas que Aslan tem que defender diante de uma gangue de garotos em sua escola.

Chantagens, extorsões, ameaças, roubos. Em linguagens bem distintas das nossas.

Longe da gritaria latina a que estamos acostumados, mas em resultados muito semelhantes de humilhação, violência e desigualdade.

Injustiça que vemos dentro das turmas da escola, mas que vão além: os mesmos garotos que oprimem são oprimidos por garotos maiores e também por policiais.

A harmonia do título é quase uma ironia, já que as lições parecem mais de injustiça e desamparo.


Cães Errantes (Jiao you) - Tsai Ming Liang


Criativo e excêntrico, o diretor nascido na Malásia e criado na China Tsai Ming-liang lança mais um filme no Brasil. Ming-liang é autor de obras divertidas e exageradas como o musical O Sabor da Melancia. 

Mas principalmente de obras mais introspectivas, com personagens pecualiares cheios de densidade, como O Rio, O Buraco, Que horas são aí ou o menos narrativo Adeus Dragon In.

Assim é também seu mais recente Cães Errantes, que traz uma família vivendo no limite da sobrevivência.

Acompanhamos cenas do pai, vivido pelo ator-fetiche do diretor Shiang-chyi Chen, trabalhando como "homem-cartaz";

De suas crianças deixadas um pouco à própria sorte, sem parâmetros de educação, alimentação, higiene e dos locais improvisados que encontram para dormir, tomar banho, viver...

O que há de especial em Cães Errantes não são tanto os fatos da vida precária de seus protagonistas, mas a maneira poética e lacônica como eles se relacionam. 

Situações lúdicas num limiar entre real e fantástico, entre "normalidade" e loucura e numa narrativa repleta de lacunas, que podemos preencher com pistas deixadas pelo filme ou com nossa própria imaginação e repertório...

O que é exagero de uma obra de arte? O que é o extremo possível em uma situação limite? O que é expressão não só da vida externa, mas também interna?

Impressões que ecoam e fazem com que nos relacionemos com o filme de maneira vertical, com imagens e situações permanecendo dentro de nós.