sexta-feira, 8 de fevereiro de 2013

O Mestre (The master) - Paul Thomas Anderson


Despontado em Hollywood com o sucesso de Boogie Nights e Magnólia, Paul Thomas Anderson se destacou mais recentemente com Sangue Negro e agora O Mestre.

Paul Thomas Anderson faz sucesso conseguindo agradar um público mais popular e também cinéfilos.

Ainda assim, está longe de ser unânime: com filmes longos e por isso muitas vezes cansativos; cheios de pretensões psicológicas que nem sempre se desenvolvem; com questões complexas mas que muitas vezes buscam dar respostas universais e edificantes; Anderson para muitos pode soar raso e arrogante.

Com O Mestre, por exemplo, Anderson traz diversos temas: crise daqueles que passaram por uma guerra e se vem em certo vazio (como trabalhou Coppola na obra-prima Apocalipse Now, já comentado aqui).

Tematiza também o confronto da busca pela verdade, pela profundidade, genuinidade e espontaneidade do ser contra as máscaras sociais (que Anderson já havia trabalhado no ótimo Embriagado de Amor).

(protagonista gauche que também nos remete a obras como O Apanhador do Campo de Centeio, de J.D. Salinger; autores como Bukowski ou Kerouac (recentemente adaptado para o cinema por Walter Salles como já comentado aqui);


Ou ainda a  filmes maravilhosos como Meu nome é Joe, de Ken Loach ou Os Idiotas de Lars Von trier).



O gauche e a relação com seu "mentor": diversas questões existenciais e os contrastes entre aquele tido como desajustado e outro como um mestre (inspirado em L. Ron Hubbard - fundador da Cientologia).

Em interpretações marcantes do excelente Philip Seymour Hoffman e de Joaquin Phoenix (em grande trabalho de gestos e expressões mas que beiram o estrionismo) - ambos elogiados e indicados ao Oscar 2013.


Aqui está a profundidade e o cerne do filme. A relação entre essas duas intrigantes personagens.

Bem dirigido, com cenas precisas, em que nos vemos tragados por esses personagens. Mas para aqueles que não se envolvem com a narrativa o filme acaba se perdendo e esses momentos se diluem. 

Anderson parece ter mais complexidade e se sair melhor quando se leva menos a sério, quando seus mentores tem o tom irônico da personagem de Tom Cruise em Magnólia;

Ou quando tem a singeleza da personagem de Adam Sandler em Embriagado de Amor.

Dessa maestria atual, lhe faltam apelos para mais seguidores...


segunda-feira, 4 de fevereiro de 2013

Amour - Michael Haneke


O experiente, talentoso e consagrado diretor Michael Haneke, autor de obras como o maravilhoso Professora de Piano, Caché, e Fita Branca (comentado aqui), este que o fez ganhar a Palma de Ouro de Cannes.

E agora repetindo o feito com seu novo filme: Amor (também vencedor do Globo de Ouro e forte candidato ao Oscar de filme estrangeiro 2013).
Haneke sabe captar dores, angústias, traumas muito intimistas e ao mesmo tempo universais. Sabe reconhecer os conflitos de nosso tempo vividos cotidianamente no interior dos lares...

Em um tempo com cada vez mais expectativa de vida - o que já acontece há bastante tempo na Europa - os conflitos associados à longevidade se tornam cada vez mais presentes e cada vez mais retratados no cinema.
(como os recentes Os Intocáveis, E se vivêssemos todos juntos?O amor não tem fim, já comentado aqui).

Questão que parece também atormentar Haneke, mostrando o cotidiano do casal octagenário Anne e Georges: a vida pacata com passeios culturais, refeições, conversas, projetos, lembranças...


Até Anne começar a ter problemas de saúde, que vão lhe debilitando profundamente.

O cotidiano envolvido com o adoecer, pequenas ações, pequenas dificuldades, a perda de autonomia de um ser humano, sua dependência, sua vergonha, seu sofrimento...


(O filme dialoga bastante com o excelente Parada em Pleno Curso do também alemão Andreas Dresen).

Haneke é seco e pesado, não traz nenhum alento e mostra com um realismo bastante cru, talvez um pouco so(m)brio demais, mas nada inverossímil.

Talvez invernal demais: a fotografia e a arte são sempre cinzentas; talvez sisudo demais: as personagens são cerimoniosas e sérias;

Talvez com alívios de menos: o filme tem elipses e cortes que sempre privilegiam a dor da história, nunca risos e descontração, ao contrário, a montagem e a decupagem elegantemente nos levam à contração.


Amor nos faz pensar em nossos avós, pais e em nós mesmos, tão frágeis e perecíveis.


Aqui, como em seus outros filmes, Haneke não apela para a emoção, seu pesar pesa mesmo. O amor incondicional que apresenta é bonito e triste e excepcionalmente interpretado pelos consagrados Emmanuelle Riva, Jean-Louis Trintignant
e Isabelle Huppert.

Apesar de situações semelhantes, não tem a emoção do artigo de Eliane Brum, nem a poesia de Kiarostami em Like someone in love ou de Hanami - Cerejeiras em Flor de Doris Dörrie (já comentados aqui) mas tem muito amor!

No - Pablo Larraín



Experiente em TV, o chileno Pablo Larraín também se aventura pelo cinema. Em suas últimas experiências foi para falar do período da ditadura de Pinochet, como seu mais recente: No.

Larraín não tem pretensões épicas, ao contrário, ele parte de um personagem trivial, um publicitário bem sucedido e imerso no capitalismo das políticas de Pinochet. 

Entretanto René - vivido por Gael G. Bernal - parece ter preso um grito de protesto e inconformidade, seja pelo que sofreu seu pai (vítima da ditadura), seja pelo que sofre sua ex-mulher, uma ativista atuante...

Ou pelo desejo de menos medo, mais esperança e alegria para o Chile.

Sentimentos que se tornam lema que faz ecoar na campanha que resolve assumir em prol de eleições democráticas contra Pinochet.

René tenta traduzir como desejos mercadológicos o que pode seduzir a população a votar contra o ditador. 


Com isso vemos cenas bastante corriqueiras, divertidas e modestas, seja de bastidores de campanha ou do cotidiano do personagem. Mas mesmo com essas cenas simplórias não se perde o caráter histórico e emocionante.

Não há o mesmo apelo de filmes mais políticos, mas tem um realismo que se aproxima do público.
(Faz lembrar passagens de livros de Isabel Allende, como o autobiográfico Paula, em que ela confessa certa alienação diante de fatos políticos envolvendo seu tio, mas ao mesmo tempo o imenso humanismo ao dar carona para refugiados políticos).

A busca pelo realismo está também na estética, que para falar dos anos 80 usa, além de figurinos e arte de acordo, também a fotografia acompanhando.

Tudo parece ter sido feito em VHS e assim as imagens de arquivo se mesclam sem serem percebidas.

Por um lado, um grande mérito, mas que poderia ser menos radical, já que o resultado estético é desagradável e cansativo.

No se soma em nossas memórias com um passado recente do fim das ditaduras latinoamericanas e das primeiras campanhas democráticas e seus lemas de esperança. 



(impossível para nós, brasileiros, não pensar nas campanhas das Diretas ou mesmo em campanhas de Lula).


Filme que ecoa e fica e prova que esse passado ainda tem muito para ser explorado...


terça-feira, 29 de janeiro de 2013

Os EUA X John Lennon (The U.S. vs. John Lennon) - David Leaf e John Scheinfeld


David Leaf e John Scheinfeld, experientes em documentários televisivos e musicais, descobriram no período da vida de John Lennon em que ele morou nos EUA uma fonte inspiradora e promissora para um documentário.


Além das trilhas excepcionais que vem em conjunto (Imagine, Give Peace a Chance, Revolution etc), Os EUA X John Lennon traz questões complexas e sintetizadoras de uma época.

Como o próprio Lennon diz, da geração "flower", que teve que aprender com as frustrações (a derrota da "paz e do amor") e se reconstruir e se redirecionar - além de descobrir ou inventar como enfrentar seus inimigos.

O documentário traz questões ao mesmo tempo pontuais e bastante abrangentes, como a censura e o direcionamento político do Lennon e dos EUA e a contraposição apresentada.

Do país cada vez mais militarizado e intensificado na Guerra Fria e de um Lenon cada vez mais politizado, atuante e pacifista.

(o levando inclusive a um distanciamento dos Beatles - que culminou em seu fim; à aproximação de Yoko e a intensificação de sua parceria - afetiva e artística; aproximação com movimentos sociais e políticos - contra a Guerra do Vietnan, contra prisões de censura e porte de drogas, com os Panteras Negras, ou mesmo pela própria liberdade).

Para isso o documentário se apoia em dados biográficos de Lennon, suas músicas e depoimentos ilustres: do próprio John, Yoko, Nixon, McGovern, J. Edgar Hoover, Tariq Ali, Noam Chomsky etc.

O filme narra bem as questões pontuais envolvendo Lennon, entretanto não vai além na abrangência dos temas discutidos. Buscando uma linguagem acessível exagera no uso das trilhas (praticamente não há depoimentos sem trilha), e os depoimentos são sempre cortados (breves em nome de um dinamismo que compromete o tempo necessário para reflexões mais elaboradas).

Faltam intervalos entre as músicas, contemplação e reflexão, até para dar mais força ao poderoso material de arquivo. E também para dar mais força às músicas, para elas poderem reverberar melhor seus discursos e sua poesia.

Válido, envolvente e interessante, mas aquém das possibilidades.


quarta-feira, 23 de janeiro de 2013

O Som ao Redor - Kleber Mendonça Filho


Curta-metragista, crítico e curador, Kleber Mendonça se "arrisca" em seu primeiro longa: O Som ao Redor.

O resultado: excelente.

A partir de registros atentos aos sons de um bairro de classe média (ou média-alta) em Recife: moradores, animais, veículos etc - todos os pormenores do som ambiente em uma seleção de tons graves - somos levados a um clima de constante  suspense...

Assim, do cotidiano que vai sendo descrito, vamos esperando algum grande acontecimento.

Porém o mérito e diferencial do filme é a narrativa desdramatizada - tão pouco explorada no cinema brasileiro e muito atual e contemporânea.


A direção de Kleber remete a novos e instigantes nomes do cinema atual como o grego Giorgos Lanthimos do premiado Canino e do mais recente Alpes (já comentados aqui) ou mesmo do cinema já mais consagrado de Haneke (de obras como A Fita Branca).

O Som ao Redor dialoga com esse cinema mundial ao mesmo tempo que traz situações bastante locais (desde a música, o vestuário, a paisagem, o sotaque e diversos detalhes prosaicos);

até questões complexas, históricas e profundas (como as diferenças de classes e o coronelismo).

Kleber consegue ainda traçar um paralelo genial entre o coronelismo clássico e um neo-coronelismo de grandes prédios e condomínios.

E é por esse viés que Kleber nos surpreende e nos arrebata.

O filme vai apresentando um crescente suave, com diversas esquetes e situações que parecem quadros documentais do cotidiano (que a linguagem simplificada e a interpretação contida contribuem).



- Com raras exceções não realistas e extremamente líricas e poéticas.

Na soma e costura das cenas não vão sendo reveladas conexões diretas e nem vão sendo estabelecidas grandes curvas dramáticas.


Kleber deixa para o final, de sopetão, o traçado da relação entre todas as cenas e personagens, propondo uma reflexão profunda sobre o ambiente retratado - e que reverbera com amplitude em nossas vidas (ao menos da dos brasileiros em geral).

O Som ao Redor é um filme não apenas para ser visto, mas ser revisto, refletido, reflexionado, falado e propagandeado! Muito eco para esse som!

terça-feira, 22 de janeiro de 2013

As quatro voltas (Le quattro volte) - Michelangelo Frammartino



Segundo longa do diretor italiano Michelangelo Frammartino, As Quatro Voltas encanta e surpreende.


O cineasta e crítico (e etc):
Eduardo Valente falou muito bem sobre o olhar de Frammartino que parte de um tom idílico para descrever a vida de um pastor no campo, mas que logo vai além...

"o que poderia facilmente se contentar em ser apenas um filme de olhar distanciado, algo entre o cinema de arte autocongratulatório pelo seu “olhar delicado” e um National Geographic humanista
(e o diretor demonstra ter cacife e facilidade para fazer um exemplar de ambos muitíssimo bem resolvido), na verdade é um filme de imenso controle do seu andamento, seja através do ritmo, seja através, principalmente, de uma precisão absurda de enquadramentos."


A linguagem de As Quatro Voltas de fato é precisa, mas ao mesmo tempo pulsante, genuína e poética.


A precisão não parece vir de uma busca racional e matemática, mas como a única maneira possível para narrar aquelas situações e aquele contexto, cheios de uma REALidade que remetem a Alberto Caeiro - heterônimo de Fernando Pessoa - ou questionamentos de Nietzsche/Zaratustra

Mas como coloca Valente, Frammartino não se prende a romantismos ou nostalgias, sua poesia vem da secura e a beleza vem do realismo.

Seu drama não traz pesares ou esperanças, traz (graças e desgraças de) ciclos da vida (dos homens, animais, plantas, sol, chuvas, neves...).

Apesar da ausência de diálogos, das poucas personagens, situações simples e concisas, As Quatro Voltas prova que o menos pode ser mais.


E como o cinema pode ser pequeno e magistral ao mesmo tempo.