terça-feira, 6 de novembro de 2012

Em Família (in the family) - Patrick Wang


Primeiro longa de Patrick Wang, Em Família é um filme autoral e intimista - Patrick além de dirigir é o roteirista e protagonista do filme.
Patrick se propõe uma tarefa nada fácil: falar de um tema delicado e dramático mas dando ênfase ao cotidiano e seu tempo (cheio de uma fluência não fluida) e sem cair no melodrama ou na pieguice.

O tempo está bastante relacionado à origem de Patrick Wang (que inclusive dedica o filme a seu pai), o laconismo e resignação oriental em contraste com costumes ocidentais mais verborrágicos e atropeladores dos EUA.

Já no início, quando conhecemos a "família" em questão, vemos um menino de 6 anos (que por sinal é encantador) se relacionando com seu pai americano e um homem de traços chineses a quem ele chama de pai. 

O menino intercala momentos vívidos e falantes, com momentos mais contemplativos e parece aprender com os dois lições importantes.

Tudo isso em um recorte que privilegia o dia-a-dia: cenas na mesa de comer, nos trajetos no carro ou, mesmo quando no hospital, priorizando momentos burocráticos e não emotivos.

A decupagem e misè-en-scene com planos abertos e em sequência, a iluminação e trabalho de som próximos ao natural e os poucos cortes contribuem para essa construção.


Assim nos sentimos mais próximos da realidade das personagens dessa família.


Nessa construção há também certo preciosismo, certo exagero na opção pelo corriqueiro, pelo detalhe, pela metonímia, há a manipulação do narrador que se distancia bem na hora da revelação de uma morte, manipulação pelo uso de flashbacks e há um exagero na forma como o protagonista assimila suas perdas.

Ele quase não reage e se mantém calado por quase todo o filme.

Apenas numa das cenas finais, quando interpelado por advogados, ele conta todos seus sentimentos e posições, sem demonstrar dificuldades ao falar, o que chega a incomodar pelo contraste com o restante do filme.


Incômodo por certa incoerência do personagem ou pelo olhar ocidental diante do oriental?
De qualquer maneira, a distância intimista que o filme propõe e a temática sobre casamentos gays faz do filme uma experiência original e tocante, vale a pena.

segunda-feira, 5 de novembro de 2012

Après Mai - Olivier Assayas


O diretor francês Olivier Assayas, conhecido por aqui pela participação em Paris, te amo e Cada um com seu cinema, entre outros, nasceu em 55 e portanto testemunha em sua juventude do borbulhar da França no final da década de 60 e nos anos 70, tinha material vasto para lhe inspirar a falar de acontecidos do pós maio de 68, ou, em francês: Après Mai.


Assayas mesmo já havia escrito sobre o assunto anos atrás e o tema certamente lhe interessa.

Entretanto ele foge de uma abordagem emotiva e intimista. O tom do filme é mais distante, racional e observador, tampouco frio e indiferente, as personagens são bem construídas e com diferentes camadas...

Assayas apresenta diferentes posturas dos jovens da época: lutar com armas ou não, ser democrático ou não, ser paternalista ou não, ser direto ou não, ser artista ou fazer política ou desfrutar a juventude libertária ou tentar conciliar tudo isso...? 

Escola, faculdade, manifestações, partidos, comunismo, socialismo, leituras, jornalismo, literatura, artes, música, cinema, álcool, maconha, ácido, viagens...

Essas personagens são interessantes e nos envolvemos com elas, mas a narrativa mais objetiva dificulta uma aproximação maior. Também não chega a uma racionalização tão grande que nos limite a reflexões como uma tese ou tratado (- ainda bem!).

Mesmo com tema instigante e elenco carismático (de atores como Lola Créton, de Adeus, Primeiro Amor - já comentado aqui) o filme acaba parando no meio do caminho... 

Às vezes até esbarrando em certos clichês, de arte, política, sexo, drogas e pitadas de rock'n'roll, já que é uma época bastante representada, inclusive pelo cinema francês...

"Além de maio", acaba ficando aquém...
Filme bem feito, mas sem a ousadia juvenil (evitou-se a ingenuidade, mas se perdeu o frescor).

domingo, 4 de novembro de 2012

Love is all you need (Den skaldede frisør) - Susanne Bier


O título do novo filme de Susanne Bier diz muito sobre sua intenção.

Após filmes densos profundos e vigorosos como Corações Livres, Brothers e Em um mundo melhor (já comentado aqui), Susanne nos mostra que nem todas as "festas de família" dos artistas do dogma 95 precisam ser tão traumáticas...

Love is all you need é uma comédia romântica...

Talvez não tão cômica quanto às americanas, nem tão romântica quanto às francesas, mas mostrando a doçura possível do amor (apesar das amarguras - ou azedumes de limoeiros - da vida).

Duas famílias que se reúnem para celebrar o casamento de seus filhos e tem que enfrentar convivências, problemas, traumas, dúvidas...

Para isso Susanne mescla a narrativa dentro do cinema clássico (do gênero comédia romântica) com o universo da turma dinamarquesa do dogma, que sempre busca revelar situações emocionais difíceis e traumáticas, em personagens densas e profundas.

Essa mescla vem até na escolha do elenco de Susanne, que coloca no par romântico Pierce Brosnan (protagonista de 007) e Trine Dyrholm (Festa de Família, Em um mundo melhor e atriz do recente O Amante da Rainha - também comentado aqui).

Vem também na mescla de cenários: de vida suburbana dinamarquesa, vida multinacional em grandes edifícios e da paisagem exuberante da Itália (dos melhores palcos para o amor possível).

E vem ainda na mescla de linguagens: da câmera ágil e cortes no eixo adquiridos com a linguagem "documental" do dogma;



Da busca de uma fotografia tecnicamente bem feita do cinema clássico hollywoodiano;


E até de uma direção de arte mais kitsch que faz lembrar filmes menos realistas como Embriagado de Amor, de Paul Thomas Anderson:

cena de Embriagado de Amor
que explora uma narrativa de comédia romântica com tons de estranhamento e outras tantas camadas (como o casting com Emily Watson, atriz que ficou conhecida por sua participação nos filmes do Dogma também).

Não tão profundo e envolvente como outros filmes de Susanne, mas bastante agradável e bonito... Porque, de fato, todos precisamos de amor!

Alpes (Alpeis) - Giorgos Lanthimos


Após o original e instigante Canino (já comentado aqui), e sua participação no irreverente Attenberg (também comentado aqui) o diretor, roteirista e ator Giorgos Lanthimos apresenta Alpes.

Filme estranho, com personagens esquisitas em situações aparentemente irreais, mas que estão muito mais próximas da realidade do que nos damos conta: a impessoalidade, a "maquinização" do ser humano, a violência.

Violência que pode estar em espancamentos, mas também em silêncios; maquinização que pode estar em uma máquina de oxigênio ou na repressão da espontaneidade da dança...

Lanthimos explora bastante a linguagem para trazer imagens que possam traduzir sentimentos e sensações. Narrativas para expressar a opressão, a solidão, a angústia...

Como em uma das tramas do filme em que uma moça se oferece para substituir a filha recém morta de um casal.

Lanthimos desponta como um jovem diretor inquieto e criativo capaz de nos perturbar e instigar profundamente.


Guia Pervertido do Cinema (The Pervert's Guide to Cinema) - Sophie Fiennes


Parceria entre a documentarista Sophie Fiennes e o filósofo e psicanalista Slavoj Zizek que resolveram fazer um filme metalinguístico: O Guia Pervertido do Cinema.

Nesse documentário Zizek dá uma aula de cinema, analisa alguns filmes do ponto de vista psicanalítico e traz interpretações interessantes do cinema de alguns cineastas como Hitchcock, David Lynch e Charles Chaplin.

Zizek fala de diversos filmes que falam sobre diferentes níveis de realidade (que ele interpreta como ego, super-ego e id), tais como Matrix, Psicose, Solaris...

Fala da relação do cinema com nossas questões primordiais, como as edipianas, explorando filmes como Star Wars, Alien, Dogville, O Exorcista...

Também fala sobre o sexo explorando filmes como Veludo Azul, Estrada PerdidaPersona, A Professora de PianoDe Olhos Bem Fechados.


Zizek traça paralelos instigantes e faz comentários perspicazes, mas também soa muitas vezes taxativo demais, procurando fórmulas e leituras que limitam o cinema justamente por aquilo que tem de mais interessante: seu lado artístico e amplo, que propicia diferentes leituras e interpretações. 

E mesmo sem cair na ingenuidade de não perceber que há uma narração invisível e uma manipulação na construção da linguagem cinematográfica,

mas sem esperar que cineastas como Tarkovski ou Kieslowski propiciem narrativas com leituras claras, sendo que sua grandiosidade parece justamente a densidade e poesia intangível que suas obras provocam...

Importante discutir o cinema, mas fundamental discutir a discussão, provocar o provocador, perverter o pervertido...

quinta-feira, 1 de novembro de 2012

La Demora - Rodrigo Plá


Um novo nome para a turma dos bons diretores uruguaios contemporâneos: Rodrigo Plá.


Em seu longa La Demora, Rodrigo mostra extrema sensibilidade, tanto para tratar de um tema delicado e cada vez mais atual:
O relacionamento com idosos e a responsabilidade de filhos diante dos pais, quanto para conduzir com densidade e suavidade os gestos e o desenrolar da trama.

A situação de María, que trabalha como prestadora de serviço para uma fábrica de roupas e vive em um pequeno apartamento na periferia, dividindo o único quarto da casa com seus três filhos e tem que hospedar seu pai debilitado que não tem para onde ir.

María tenta levá-lo a asilos, pede ajuda para sua irmã, mas não surgem alternativas, o embate se dá entre ela e ela mesma.

O jeito sintético de narrar de Rodrigo, por um lado nos impede de nos aproximar das personagens, mas por outro evita certo pieguismo e melodrama e nos instiga.



Cruamente comovente.

Os Selvagens (los salvajes) - Alejandro Fadel


Apesar de jovem, o argentino Alejandro Fadel já tem importantes roteiros em seu currículo, tais como Leonera, Abutres (já comentado aqui) e Elefante Branco, todos em parceria com Pablo Trapero.

É também autor de seus próprios projetos, como Os Selvagens.

Fadel conta a história de jovens que promovem uma fuga de um presídio no interior da Argentina.


O filme começa com barulho e velocidade, que contrastam com a sequência do filme, quando os jovens se desbravam pela mata...

Ali vamos conhecendo um pouco mais de cada jovem, alguns sonhos, algumas histórias, um pouco da interação entre eles e das diferentes personalidades.

Mas há algo em comum entre eles, a falta de parâmetros morais e de perspectivas. O passado é algo frio, com histórias tristes e que os condena, o presente é a sobrevivência na selva e o futuro é extremamente limitado...

O que começa então impactante e instigante se perde um pouco ao longo da trajetória,

falta certo crescente para dar mais força a essa história intimista, original e com direção tão vigorosa (boa interpretação, boa decupagem, boa montagem...).