segunda-feira, 3 de outubro de 2011

Um Conto Chinês


Com boas recomendações, me aventurei para mais um exemplar do cinema argentino...
Dessa vez: Um Conto Chinês de Sebastián Borensztein.
Filme bem simpático, divertido, agradável...

Os hermanos realmente tem talento, consistência e repertório na sétima arte!


Mas confesso que esse não é dos meus preferidos. Prefiro a irreverência de Lucrecia Martel, a densidade de Trapero ou ainda a humanidade de Daniel Burman, por exemplo.

Sem falar na obra-prima mais "novelística" O Filho da Noiva de Campanella...

Mas não há como negar: Um Conto Chinês constrói muito bem suas personagens e faz uma amarração improvável (inspirada pela mania de seu protagonista que coleciona notícias absurdas de jornais)...

E o investimento do filme é em parte em um realismo explorado no cotidiano do protagonista, mais uma vez o grande ator Ricardo Darín. Porém esse realismo é construído em um tom caricato: a personagem é excêntrica de uma maneira que beira o inverossímil. 

E a situação em que ele se vê: amparando um chinês que é roubado e não sabe como sobreviver em Buenos Aires sem falar espanhol e sem encontrar seu tio que vive ali é verdadeiramente insólita... 


A comunicação feita de gestos (e resmungos por parte do "anfitrião") é bem divertida e vemos que há ali o potencial de uma relação mais profunda e de sentimentos...

Mas esses sentimentos só se confirmam definitivamente em um diálogo final, onde todos os absurdos são postos à mesa e se revelam improváveis coincidências.

A partir daí todas as resoluções se dão, mas sem muita preparação, a não ser de piadas, rimas visuais, diversão...

Ricardo Darín cumpre muito bem seu papel, mas começa a parecer desgastado por tantos filmes, parece estar sempre no mesmo papel, ora numa posição mais distanciada, fazendo mais piadas e comentando sua própria "sorte" em tom mais cômico, ora levando o drama mais a sério e investindo em sua cara sisuda e densa...

Os demais atores também estão bem, reagem bem no seu entorno, carismáticos coadjuvantes para sua banda...

Trilha, montagem, foto, tudo colaborando para um gracioso filme de entretenimento... (confira no trailer!)
Combinou com meu sábado à noite, embora eu esperasse mais...

Que venham agora novas reflexões da realidade argentina... Quem sabe estréias dos já consagrados, ou ainda surpresas das novas gerações...

domingo, 2 de outubro de 2011

Trabalhar Cansa - Ju Rojas e Marco Dutra


Amigos virando gente grande. Gente grande de cinema. E grande mesmo, Trabalhar Cansa tem muitos méritos: 
A história explora com veracidade, proximidade e densidade a vida de um casal de classe média que luta contra o desemprego, o cansaço, o tédio, as agruras do cotidiano...
Mas não é tudo.

Juliana Rojas e Marco Dutra seguem fiéis ao seu cinema (muito bem desenvolvido em seus curtas, como Um Ramo e O Lençol Branco, que já vinham despertando interesse em muitos, por exemplo em Cannes, onde os curtas foram exibidos, 

Um Ramo foi premiado - foto ao lado -  e Trabalhar Cansa esteve concorrendo em 2011 ao lado de grandes diretores de todo o mundo).

A fidelidade a esse cinema que eles desenvolvem vem na busca de uma estranheza no cotidiano, da exploração de um imaginário mais fantástico, de suspenses sem alardes, mistérios construídos lenta e constantemente e com muito realismo... 

E em narrativas que não são completamente redondas de começo, meio e fim, mas que deixam lacunas para preenchermos, espaços para nos espelharmos, nos envolvermos, participarmos...



O mérito dessas narrativas interessantes e intrigantes (pontuadas por um roteiro extremamente criativo e por uma montagem precisa) vem com a interpretação realista e marcante de grandes atores como Helena Albergaria, (com quem tive prazer de trabalhar em Tori) e Marat Descartes ;

E em coadjuvantes bem interessantes como Gilda Nomacce - foto ao lado - e a estreante Naloana Lima. (Em alguns momentos as interpretações chegam a ter tons destoantes, mas nada que chegue a comprometer).




A estética crua e realista também fazem ressaltar as qualidades do filme (fotografia, arte, som...).



Orgulho ver meus colegas de faculdade e trabalho, minha geração, o cinema com quem dialogo crescer, ser fiel a si e ser potente!

O filme tem o trabalhar que cansa, o trabalhar realista, mas tem também o trabalhar que vai além, do realismo fantástico cheio da magia do cinema...
Vida longa ao Trabalhar, que não Cansa, mas intriga e nos embriaga de cinema! Confiram!

terça-feira, 20 de setembro de 2011

O Cavalo de Turim - Béla Tarr


Após ver sua obra mais recente (por sinal uma prima: obra-prima!), me dou conta de mais uma lacuna cinematográfica em minha vida... Béla Tarr!

Cineasta húngaro, que começou sua vida artística já na infância, como ator em Budapeste, se iniciando no cinema nos anos 70 e hoje já tendo mais de dez filmes feitos... 

(Budapeste que, aliás, foi uma das cidades que mais me surpreendeu em minhas andanças pelo mundo... Não se fala tanto da cidade, ou ao menos não se fala fazendo jus ao que ela me pareceu:
duas - ou muito mais - cidades em uma - Buda e Peste: onde se vê a cultura ancestral em igrejas, construções, costumes de banhos, etc; que se sente a diversidade da história em distintos ambientes: de igrejas católicas, judaicas e muçulmanas a museus comunistas, de artes seculares até a eclética e rica arte contemporânea; que se vê sua população em parte provinciana, em parte cosmopolita... País já invadido e dominado por diversos povos, com diferentes referências culturais e uma língua que dizem ser bem mais complexa que a alemã, por exemplo... Me encantou!).


E falando em diversidade de referências, beleza, poesia, profundidade... Falemos de O Cavalo de Turim. Vencedor de Urso em Berlim esse ano. 

O filme dialoga com a cinematografia de Bergman, Tarkovski, o recém citado Wenders, Ozu, etc.


(Também me faz lembrar, menos pela estética do que pela temática, Vidas Secas, adaptação de Nelson Pereira para a grande obra de Graciliano Ramos).


Tarr dialoga com aqueles de discursos silenciosos, densos, líricos...

A história de O Cavalo de Turim parece simples: pai e filha que tentam sobreviver a um inverno rigoroso em sua casa isolada .


Num primeiro momento só se vê a subsistência deles: acordar, se vestir, se limpar, beber (até onde chegue a água), comer (o único alimento possível: as batatas), alimentar o cavalo (até onde ele suporte a vida miserável e "animal")... 

Acompanhamos esse cotidiano em longos planos sequências (a quantidade de cortes se conta nos dedos) de uma linda fotografia PB, que resultam em uma grande crueza, mas também em uma estética bastante lapidada, pontuada de maneira marcante pela trilha - instrumental, constante, repetitiva, pesada, dramática, bela...

A trama do filme (dividida em capítulos dia-a-dia) parece apenas um registro do que há de matéria presente ali, mas o filme tem uma estética e um tempo que vão além... 

Ele não diz apenas sobre o que estamos vendo, ele não mostra apenas a pobreza e a miséria, mas seus significados metafísicos, quando se deixa de querer comer, quando se deixa de querer viver, quando se passa a falar do fim do mundo... Ao se mostrar a vida em sua essência, em suas necessidades primárias, acaba nos tocando muito mais longe em outras tantas demandas humanas...


Como da dor de onde parte a premissa do filme: a revolta de Nietzsche ao ver um cavalo sendo espancado, que dizem o ter perturbado de tal maneira que a partir daí seus últimos anos de vida (1889-1897) foram de loucuras e tormentas.


Como a dor sugerida em metáforas de classes, como coloca Clóvis Geraldo em sua crítica sobre o filme.

A dor aqui é muda e até por isso muito mais eloquente (do que filmes onde se grita o apocalipse como os recentes Melancholia e Árvore da Vida, por exemplo).

E essa eloquência muda transbordante é que torna o filme tão metafísico, impossível de ser traduzido em palavras, muito grande para minha interpretação e digno de muito tempo para digestão de tamanho carboidrato cinematográfico...

Como suas personagens ao comer: é preciso, descascar, soprar, esperar esfriar e mastigar, mastigar, mastigar...
Alimento pra alma, recomendo!


segunda-feira, 12 de setembro de 2011

Paris Texas - Wim Wenders


Sim, Wim Wenders é gênio, já é sabido.
Conseguir ser tão profundo, filosófico, criar imagens tão fortes e belas... É para poucos...


E poder seguir tão atual e presente mesmo passados 27 anos...

Revi Paris Texas esses dias e me encantei! Segue denso, instigante, belo...
Suas personagens silenciosas, estranhas, desencontradas, apresentadas por pequenas pistas, pequenos gestos, informações esparsas...


Quem será esse irmão, esse homem que está perdido no deserto e que não fala?



O que terá se passado com esse pai que ama seu filho pequeno mas o abandonou?



Como uma família registrada em super 8 como exemplo de felicidade se dissipou?

Quem é e por onde anda a progenitora?


As respostas vem todas mais ou menos de uma vez, em um diálogo final. Mas uma estrutura que parece pobre e simplória é uma obra prima.

Até ali já tivemos tempo para preencher os diversos silêncios, já pudemos desvendar gestos, imaginar lacunas... Já temos essas personagens íntimas a nós. 

E mais ainda por tudo que tivemos que dar de nós a elas... Tantas dúvidas por mais de uma hora (as conclusões vem só nos minutos finais) nos dá tempo para nossas próprias especulações, projeções...


Toda aridez do filme nos faz buscar sentimentos íntimos para emprestarmos a elas... 

E essas personagens que em algum momento nos parecem desumanas por seus atos, são mostradas com tanta atenção, tanto carinho (pois há uma doçura nos tantos silêncios, oásis no deserto), que nos cativamos com todas as estranhezas... Ali já torcemos por tudo que é torto nas personagens...



Porque ali se sente amor.



(admirável precisão de roteiro, diálogos, interpretações, cenários, fotografia... Trilha!)

E o discurso final não nos decepciona. Longe de ter os encaixes de finais felizes de filmes clássicos.

Mas preciso ao nos provar o amor, ao provar os encontros e desencontros possíveis em uma vida, ao provar a extensão dos sentimentos e como Paris pode chegar até o Texas...

Embarco no mundo de Win Wenders... Próxima parada prevista: Berlim, através de suas asas... Rever, rever, rever...

terça-feira, 6 de setembro de 2011

"Medianeras: Buenos Aires na Era do Amor Virtual"


Longa de estréia do argentino Gustavo Taretto, a quem conheci há uns seis anos atrás numa sessão de curtas premiados do Festival Internacional de Curtas Metragens de São Paulo (já que acabo de falar dele - confira!) através de seu curta de mesmo nome.



Ali ele apresentava o embrião do longa, já que se trata da mesma história, inclusive com muitas das mesmas cenas, mas tamanha era a qualidade, maturidade e sabor de sua narrativa, que ele pode estica-la...

(Também porque já era uma narrativa cheia de idéias e por isso um pouco comprimida em seu longo curta de cerca meia hora e que dava gostinho de querer ver mais, como já comentado aqui inclusive!).

Talvez como longa Medianeras não seja o filme mais complexo, mais profundo e nem mais divertido, já que o suspense e a graça se desgatam um pouco em seus 95 minutos. Mas ainda assim o filme é muito agradável!

Mais um romance entre pessoas isoladas na cidade grande na tal "era do amor virtual", mas com tantos comentários sobre a cidade, sua arquitetura, referências de infância, livros, séries, filmes, gracejos de situações...


Me faz lembrar o ligeiro e adorável livro de Alain de Botton - Ensaios de Amor.

Martin e Mariana são jovens de 20 e tantos anos em tentativas de construções: início de carreiras, buscas de novos amores, organização de série de observações que vamos acumulando pela infância e adolescência e que já não tem a mesma ingenuidade da infância, nem a mesma certeza da adolescência.

A insegurança espelhada agora é por saber se há lugar no mundo para o que eles estão pensando... Já há convicção de suas personalidades, e a busca é por seu "lugar ao sol" - nem que seja dentro do computador!


Para mim, espectadora recém chegada na casa dos 30, paulistana moradora da paulicéia, diversos amigos arquitetos e nerds de computador...


As milhões de referências me pegam e me divertem! Passo pelo filme como por uma sessão da tarde (ou da noite no caso)!


E melhor: de meu tempo, repleta de familiaridades, tanto pelos personagens similares com os de minha vida, pela cidade hermana (Buenos Aires), pelas profissões artísticas-comunicativas, pela reflexão sobre a virtualidade de nossos tempos (afinal, "troco" essas idéias a partir de um blog, que divulgo em meu facebook, por onde inclusive iniciei uma "amizade" com o diretor).

Afirmado esse passo já ensaiado desde seu curta, agora espero os próximos de Gustavo, que parece vir de maneira simples, singela, mas bastante saborosa ao mundo das "gente grandes" do cinema... (e engrossando o entusiasmante time de cineastas argentinos).

Confira no trailer! (que não tem o envolvimento da narração, mas tem a poesia das imagens).



segunda-feira, 5 de setembro de 2011

Festival Internacional de Curtas de SP 2011


Afinal, o que é um curta-metragem?
Um exercício de linguagem cinematográfica?
Formato de narrativa?
Passo possível para jovens cineastas?
(na foto eu, Quelany Vicente, dirigindo a protagonista de meu mais novo curta - Tatu Bolinha)



O curta como o nome diz é uma narrativa com outra duração... Assim como na literatura há contos e há romances. Mas como cinema é uma arte muita cara e de difícil administração (envolve uma equipe grande e muitas cifras, por mais simples que seja) os curtas muitas vezes são as primeiras experimentações de diretores... (na foto o cartaz do meu primeiro curta em película, dirigido ao lado de Andréa Midori SimãoTori, clique para conferir!)


Quando se começa a praticar cinema praticamente impossível começar pelo longa, e também muito difícil começar pelo curta sem se deixar contaminar, afinal nossas referências são de longas-metragens. Queremos construir personagens e situações com a mesma complexidade e muitas vezes tropeçamos em narrativas confusas e claramente comprimidas (como já comentei com tantos e como comentávamos eu e o diretor Thiago VillasBoas em uma das sessões).

Mas quando a administração é possível, há sempre a possibilidade de grandes pequenas obras! (que mais incomuns de serem comentadas, mas nem por isso deixa de ser um deleite, como já fiz por aqui outras vezes - por exemplo com o curta Ernesto no País do Futebol, de André Queiroz)

Esse ano vi uma meia dúzia de sessões do festival, em geral os filmes de amigos, colegas, companheiros de trabalho.


Eles me ajudaram a ser transportada para outros tempos e espaços - como os Gato do Parque: Julia Zakia e sua Pedra Bruta

Guile Martins com Licuri Surf.


Eles me aproximaram da feminilidade possível mesmo quando se está Espalhadas pelo Ar, de Vera Egito (ao qual pude rever em tela grande).



Me fizeram ver como o menos pode ser mais, por exemplo no exercício que para mim se tornou um gracioso mini-documentário em Vó Maria, de Tomás von der Osten (a quem só conheci por meio do filme).

Narrativas redondas, com imagens bonitas e argumentos interessantes em Eu não Quero Dormir Sozinho de Juliana Rojas, 49 Dias de Tati Fujimori (foto) ou Assunto de Família de Caru Alves Souza.


Também a força de personagens e seu meio em Aurora, de Roney Freitas, autor também de Laurita (já comentado aqui). Uma introspecção, um tempo paralelo, a energia, a subjetividade... 

Mais que isso: o cruzamento de subjetividades, as maneiras de cada um entender a subjetividade alheia, a maneira da própria subjetividade lidar com a do outro. Mundos profundos, trazidos e muitas vezes apenas delicadamente sugeridos na borda do filme, nas margens... Muita poesia... 

Começando pelo título, passando pela construção e se encerrando na densidade do tema: morte, que no curta longe de ter o peso da palavra, mas claro de ter a complexidade da situação.



E, o grande premiado do Festival: L, de Thaís Fujinaga, onde as crises de uma pré-adolescente estão belamente orquestradas em seus interiores de subjetividade, olhares, sentimentos, metáforas felinas... Em seus arredores ao lado de um pai que tenta fazer com que as crises de sua filha não a afastem; de colegas de esportes que há anos luz de distância já que buscam nas diferenças da menina pretextos para fazer brincadeiras e assim isola-la em sua bolha (de água, de pés machucados, e também particular de sua cabeça); e ainda a possibilidade em outro "excluído" de uma amizade genuína...


Thaís constrói imagens fortes que ecoam como ondas aquáticas, traz personagens ricas e complexas e também a singeleza de uma história com começo, meio e fim, e que não parece um longa mal ajambrado, mas um curta preciso.

Faz valer o formato e enriquecer a sessão.



Pena que um formato menos divulgado, ao qual estamos menos acostumados (a ver, construir e comentar).

Mas que bom que lindos exemplos como estes possam encher nossos olhos!
Parabéns aos curtas-metragistas!
(e obrigada ao Festival)