segunda-feira, 22 de agosto de 2011

Mamute - Kerven e Delépine



Primeiro filme que vejo da dupla Gustave de Kerven e Benoît Delépine, mas foi uma agradável apresentação.

Não se trata de nenhum filme profundo, surpreendente ou inovador, mas até por isso... Em tempos de filmes tão pretensiosos (alguns geniais, é verdade), é bom ver algum filme mais simples...

Gerard Depardieu encarna o Mamute (em alma e muitos quilos): é um homem que recebe sua aposentadoria do último trabalho que fazia em um açougue e a partir daí se vê um pouco perdido. 

Sua mulher, vivida por Yolande Moreau (conhecida pelos filmes de Jean Pierre Jeneut) se irrita com sua prostração e tenta orientar suas tarefas (com muito mau humor). 

Em princípio o Mamute se sai mal em todas as tarefas que tenta realizar, mas quando ele tem que sair em viagem em busca de documentos dos lugares onde trabalhou em sua juventude, o filme se torna um road movie de conhecimento pessoal...



Me lembra um pouco Flores Partidas de Jim Jarmusch, onde Bill Murray também busca descobertas de sua vida e se depara com personagens excêntricas... 

E nessas excentricidades bastante sabor no filme: a sobrinha do Mamute com certo romantismo hippie, diversos ex-patrões de simpáticos, a escrotos ou companheiros, e o fantasma de uma antiga paixão de Mamute, que descobrimos ser um de seus grandes traumas... 


O fantasma é vivido por Isabelle Adjani, que com maquiagens e angulações se vê conservada em sua beleza da juventude.




(De quando ela inclusive contracenou com Depardieu em um de seus melhores filmes - Camille Claudel). 


E o filme termina com reencontros e superações, sem alardes, mas de maneira harmônica e realmente singela...


Valeu a sessão da tarde! Confira no trailer!

domingo, 21 de agosto de 2011

ex isto - cao guimarães


Segundo filme lançado da série Iconoclássicos produzida pelo Itaú Cultural.
Agora foi a vez de Cao Guimarães enfrentar Paulo Leminski e um de seus livros mais importantes, Catatau.


Dizem ser um dos livros mais difíceis e ousados de Leminski, o que se percebe pela própria premissa: "e se Descartes teria vindo ao Brasil com Nassau?".

Não li o livro, mas no filme vejo um personagem silencioso, curioso, instigado e quase intimidade com o que vê de nossa cultura. Certo deslumbramento com a paisagem natural, curiosidade com comidas, pessoas, música, dança, etc.

A construção do filme é interessante pois é uma espécie de docudrama, o videoartista Cao coloca o interessante ator João Miguel em situações construídas e situações improvisadas:

Ele rema por belas paisagens, interage no mercadão provando comidas, pedindo um corte de olho de peixe, dança com pessoas na rua, se mimetiza com manequins...


Um filme muito sensorial, bonito, poético.

Mas cansativo. 

Talvez excessivamente intelectual e hermético, muitas vezes não me alcançou...

E outras me deixou com impressões ambíguas e que difíceis de avaliar sem ter lido o livro... Falas como "o índio não pensa, o índio come aquele que pensa", ou  colocação do próprio Leminski em relação ao seu livro e que fecha o filme: "o Catatau é o fracasso da lógica cartesiana branca no calor, o emblema do fracasso do projeto batavo, branco, no trópico". 

Como diria o amigo escritor e cineasta, Daniel Salaroli, parece uma frase um pouco simplista pra concluir um filme/livro que parecem mais complexos do que colocar que um tipo de pensamento não é possível por uma geografia ou cultura...

Ficam então diversas dúvidas, cansaços pela extensão do filme e imagens e palavras que ecoam...

Matas brasileiras, diversidades de um mercadão, jogos de palavras que tanto me encantam, misturas de texturas lindamente construídas na tela e poesia pura como a frase:
"A reta é o pior dos labirintos".



Confira a trama tortuosa no aperitivo do trailer!

segunda-feira, 15 de agosto de 2011

Melancholia - Lars Von Trier

Para mim um dos maiores cineastas da atualidade. Mais do que por seus filmes brilhantes, por sua criatividade e ousadia... Raro um artista com tantas novas propostas e tantas facetas...

Amo desde Os Idiotas, para mim um filme profundo, visceral, tocante! História que tenta chegar às entranhas, ao que há de essencial no ser humano, desmascarar o que são máscaras. E em estética dogma-documental que lhe dá força!



Mas posso achar muito interessante o mais cerebral Europa. Ou me emocionar com um filme um pouco menos experimental como Ondas do Destino.

Mas claro que vibrar acontece mesmo em obras como Dançando no Escuro. Que talvez não seja um filme pra rever nem pra estudos aprofundados, mas seus jogos e experimentos são primorosos e muito eficientes. Lars brinca com forma narrativa (tragédia), gênero (drama musical), faz explorações em seu trabalho com atores (no caso a não atriz Bjork ao lado da diva Catherine Deneuve) e traz uma narrativa de intensa emoção, que me toca e me comove do começo ao fim.

Bem diferente das reações provocadas por Dogville e Manderlay, aqui o estilo Brechtiniano me leva novamente a uma relação cerebral com o filme: uma análise da sociedade (americana?) através de um pequeno microcosmo, uma vila, construída apenas a base de atores, um estúdio vazio, giz no chão e uma excelente montagem. 

Nos tempos de hoje, quem pensaria num filme sem cenário? Quem imaginaria prender atenção de milhares de espectadores apenas com a força narrativa do cinema? Quem ousaria por Nicole Kidman em um filme assim?

Lars Von Trier me parece um artista realmente ímpar nesse quesito.


E de sua cartola sempre vem novos coelhos, desde filmes mais simples como O Grande Chefe, como o incrível documentário Os Cinco Obstáculos: entrar em contato com um diretor que você admira e espremer sua criatividade contra a parede para ver o que sai é o que Lars faz como produtor e criador do filme... Pouco conhecido por aqui, vale a pena!


E daí o controverso Anticristo, que a mim me pega: me encanta com seu prólogo-videoarte-primor, me envolve com seu drama profundo - processo do luto, me instiga com suas referências profundas - mitos/psicanálise... 
Talvez eu entenda o excesso que muitos criticam e talvez concorde com o apontamento de certas sobras, mas talvez seja daí que venha também o vigor, a inventividade, o encanto... 

Como não se impregnar da relação de Charlotte Gainsbourg e Willem Dafoe? Como não sentir a depressão na pele, visualiza-la em imagens e pequenos gestos, como não sentir a perturbação de Lars na tela?

Perturbação que parece inesgotável e parece rumo a um extremo impossível... Ou possível dentro de uma quase ficção científica cinematográfica...

Melancholia começa novamente com um prólogo: outra espécie de videoarte e aqui muito mais fantástica. Um mundo paralelo com outras cores, outro tempo, outro espaço, outra gravidade...


A isso segue-se uma festa de casamento que nos faz lembrar do Lars do Dogma 95: muita câmera na mão, muitas máscaras sociais tentando ser desmascaradas, muitos conflitos latentes querendo explodir a todo momento.

Interessantíssimo, mas quase cansativo pra mim, já que beira o caricatural... Sim, todos temos nossas durezas, falta de tato, paranóias, inabilidades sociais, mas todos os presentes a revelarem e tão superlativamente... Ufa, será?

Mas aí se segue o bloco mais intimista, quando vamos adentrar mais na psique das personagens... Começamos com Justine (Kirsten Dunst) e uma brilhante construção de um estado depressivo.

A forma como Lars descreve a incapacidade da personagem de tomar um simples banho para mim é o que há de melhor no filme!


Porém para tentar tocar na essência dos sentimentos e de como se visualiza o que se passa em um processo assim, Lars lança mão a um apocalipse. A possibilidade do fim do mundo trazendo pânico e libertação às suas personagens.

Cheguei a ler críticas que falam da metáfora da reação das duas irmãs:

Justine que antes catatônica encara a situação com força e crueza. E sua irmã, Claire (novamente Charlotte), sempre preparada e solícita, entra em pânico e paralisa.

A partir daí diversas interpretações possíveis, desde análises de personalidades e psicologias até metáforas sociológicas e antropológicas. Mas vejo o filme se perder um pouco nesse discurso, o que tinha de mais intenso e mais verdadeiro na intimidade daquelas mulheres fica um pouco ofuscado pelo evento apocalipse (assim como talvez em Anticristo muitos vejam como excesso os surtos finais).


Me faz lembrar um pouco de Shyamalan em filmes como A Vila, onde se constrói uma grande tensão, suspense, drama, e depois se revela uma mentira... 

Melancholia é um filme sobre duas mulheres, mas de repente elas se tornam menores frente ao fim do mundo...


Controverso, Lars chegou a fazer paralelos desse apocalipse de seu filme com eventos nazistas, e se perdeu em metáforas que mostram sua mente fértil e perturbada.

Pra mim sua arte está acima do artista, e apesar de lamentar profundamente o incidente na coletiva  no Festival de Cannes 2011 (até por minha incessante defesa a ele se enfraquecer), sigo sua fã.

Sigo esperando ansiosa por sua próxima cria, sigo esperando pelas novas surpresas que ele me proporcionará, as novas reflexões e emoções que sempre me suscita!

Que venham as próximas! Porque indiferente é que não se pode ficar a esse grande nome do cinema.
(Os aplausos em Chorus de Melancholia provam isso! 
Confira no trailer!)

sexta-feira, 12 de agosto de 2011

Apocalipse Now - Coppola


E já que falei das Filipinas e da Tailândia, acabei lembrando do Vietnã e do clássico Apocalipse Now do mestre Francis Ford Coppola.


Cenário tropical bem semelhante, mas sem qualquer presença do ponto de vista oriental da região...




Na verdade o olhar do filme é em grande parte o olhar de estranhamento dos americanos em relação aos vietnamitas, seus costumes, sua força, suas motivações... Estranhamento de ve-los resistir, estranhamento talvez inconformado pela derrota (não admitida) da guerra.


Mas sem dúvida que o filme vai além, fala de certo vazio existencial, e nesse sentido o confronto com a cultura e filosofia oriental enriquecem as reflexões...


Passar por situações intensas (de guerra ou do que quer que seja), pode ser um caminho sem volta, a "harmonia" nunca mais será a mesma... o desejo pela adrenalina, por saber os objetivos, sentir a busca, a luta, etc pode ser muito motivadores e "perder" isso... 

Mérito da direção em foto deslumbrante, som impecável, atores precisos (em especial Martin Scheen e Marlon Brando)... Sem falar nos cenários - naturais e/ou decorados...


Apocalipses agora que podem gerar melancolias... (ou "melancholias", para já antecipar o próximo post...).

Coppola não é entre os grandes diretores o que mais me toca e me inspira, mas seus filmes certamente permanecem... Suas imagens e personagens instigantes, diferentes, criativas, emblemáticas nos envolvem... 

E o que dizer de filmes irretocáveis como O Poderoso Chefão... Ou mesmo seu último, Tetro, que para mim tem diversos momentos irregulares, mas há uma força em seus personagens, uma elegância em sua direção, uma profundidade nas sugestões de seu drama...

Aperitive-se com o trailer de Apocalipse Now

E que venham muitos outros! Novos embates apocalípticos e dramas profundos... (como Twixt, que está a caminho...)

quarta-feira, 10 de agosto de 2011

Tio Boonmee - Apichatpong


E por falar em Filipinas, um dos filmes mais marcantes que vi ano passado foi o tailandês Tio Boonmee - que pode recordar suas vidas passadas.

Há alguns anos não deixo de comentar nenhum filme que assisto no cinema aqui, mas esse ficou nos "rascunhos" esperando sua vez... E não por haverem tantos na fila nem nada, mas por falta de palavras mesmo...


O filme é tão diferente, acompanha uma lógica tão distinta da nossa, traz alegorias tão fortes, tantos mistérios, enigmas e vida... Fiquei sem palavras...



Ao ver fiquei impregnada de uma simplicidade da vida do campo, somada a certa postura oriental (de respeitar e se aliar a natureza, talvez). 

Fiquei também surpresa com a proximidade que senti entre seus mitos e nossos mitos indígenas (por exemplo da moça sendo enfeitiçada por um peixe em pleno rio... tal qual a história de nosso boto...), isso talvez seja ainda mais reforçado pela paisagem de mata muito parecida e inclusive pelas feições (quando vemos alguns orientais vemos clara a possibilidade mais longínqua de nossos antepassados).

O filme que fala sobre a morte traz ainda reflexões bem poéticas, como "os fantasmas não estão ligados a lugares, mas a pessoas".

E assim as misturas de seres realistas e seres fantásticos convivem bem, em cenas cotidianas, intimistas e de grande beleza...


A beleza está no simples, e por isso me choca, e por isso me deixa sem palavras... Os ritos são outros, as crenças são outras, o ritmo é outro... Mas é belo e me emociona!


Tocada por esse estranhamento e inclusive por um final já mais crítico e mais próximo e sem muita poesia: a família que estava na mata, vivendo com a natureza, com os fantasmas, em um ritmo próprio, talvez podendo ser visto até como primitivo (?), e por isso chegam num choque na "cidade grande". 

Ali confrontos entre as pessoas e a televisão: entre o mundo árido,  opressor e turbulento de fora e o turbulento de dentro de nós, muito mais frutífero (e verde no filme)... E isso sem discurso, apenas com imagens e o viver das personagens (não com o que sentem, falam, desejam...) 

O filme passa das sombras da floresta à luz azulada do televisor... E me deixa perdida, em algum lugar no meio do caminho...

Um apertitivo no trailer!

E palmas (minhas, de cannes, e de quem mais quiser) a Apichatpong Weerasethakul! E que siga espirituoso em seu próximo rebento cinematográfico!



segunda-feira, 8 de agosto de 2011

Lola - Brillante Mendoza


Não conhecia nenhum filme de Brillante Mendoza, mas sua força e narrativa é de quem tem histórias pra contar. Com onze títulos em sua filmografia (do imdb, pelo menos), pude conferir o mais recente: Lola.


Passado na não muito conhecida região das Filipinas, está ali retratada a pobreza, a humildade, a simplicidade.



E neste caso colocadas a partir do ponto de vista de duas senhoras, que parecem figuras ainda mais fragilizadas no cenário: não sabem ler, só falam seu dialeto, não entendem as motivações e comportamento de seus netos, mas nem por isso se abatem, essas duas senhoras, duas avós, passam o filme inteiro lutando por seus netos, numa dedicação comovente.


Entretanto o filme não é muito envolvente, não explora a emoção nem qualquer sentimentalidade, é árido, seco, pobre.


O registro é quase documental: em longos planos sequência numa câmera de vídeo feita na mão. Imagem pobre, cenários pobres, pouca trilha, poucos cortes... 


Um filme quase desagradável, pois no põe à frente de um drama profundo e sem dourar a pílula, a pílula é bem amarga, raspa na garganta e se faz sentir na boca do estômago.


Muito interessante conhecer outras geografias, outros costumes, outras línguas e a universalidade da pobreza e do amor de vó.
Confira o trailer!