quinta-feira, 30 de junho de 2016

Paulina (La Patota) - Santiago Mitre


O argentino Santiago Mitre ficou conhecido por aqui com os filmes de Pablo Trapero que roteirizou, como Leonera, Abutres ou Elefante Branco, já comentados aqui.

Como diretor Mitre assinou algumas vezes como no potente Paulina.

Paulina é um remake de um filme dos anos 60, mas traz ainda questões muito atuais: diferenças de classes sociais levando a embates familiares, culpas burguesas, mudanças de carreira, enfrentamentos, abusos de poder, abusos sexuais...

Paulina é a jovem advogada filha de um juiz com carreira promissora, mas que resolve abrir mão desse futuro em que não acredita e do qual sente culpa por um trabalho social de professora em um vilarejo precário e afastado.

Mas o idealismo romântico de Paulina sofre com o preconceito daqueles que não a aceitam, que sabem de suas origens e suas referências e que não acham que ela possa entender e conviver bem com eles.

Quando faz uma amizade é vista como má influenciadora da amiga e paga por isso: é violentada.

O filme trata o estupro de maneira bastante singular, pois sua protagonista não se sente vítima dele. Segue se sentindo algoz e vendo seus violadores, eles sim, como vítimas da sociedade.

Tema e abordagem bastante instigantes, mas para o qual faltam mais nuances. Talvez uma participação mais feminina (e feminista) na construção da abordagem do filme?

Há várias opiniões expostas e se confrontando, mas cada personagem é muito fechado em um opinião. Falta mais crises, oscilações, mudanças de opinião neles.

Tudo que acontece apenas reforça as personalidades e a falta de crescente nos desmotiva um pouco. Principalmente em tema tão delicado e polêmico.

Fica possível a empatia, mas também a total repulsa. Difícil apenas ficar indiferente, já que o filme é bem filmado, traz momentos fortes de interpretação, tem fotografia, som, arte e montagem contidas, precisas e competentes e apesar de não nos fazer mergulhar nos personagens, nos leva pra dentro da trama.

Vale conferir. 

quarta-feira, 29 de junho de 2016

Visita ou Memórias e Confissões - Manoel de Oliveira


Filmado no início dos anos 80, o filme mais recente do diretor português Manoel de Oliveira permaneceu inédito por mais de 30 anos.

Dono de uma carreira incansável dos seus 23 aos seus 105 anos, com dezenas de títulos profundamente autorais (alguns já comentados aqui), não quis apresentar suas memórias e confissões em vida e nos deixou essa última visita para desfrutarmos em sua ausência.

Assim como em suas ficções Visitas ou Memórias e Confissões se apóia em momentos discursivos e imagens contemplativas.

Contrastando verborragia e silêncio, parece ser feito da matéria que lhe dá título: memórias, confissões, nostalgia...

Um filme sobre o tempo, quase impalpável e etéreo, mas ali tão audiovisualmente representado.

A partir da visita de um casal a uma casa aparentemente abandonada, mas que é a que carrega a herança e história da família do diretor e a tentativa de preservação de uma construção, de uma arquitetura, de uma época.

Falas de um casal anônimo, depoimentos do próprio autor, fotos de família, projeções de películas guardadas e refletidas.

Montagem de imagens de diferentes tempos, de diferentes vozes e diferentes pensamentos e sentimentos.

O propósito do filme autobiográfico de certa maneira parece despistado pelo autor, mas cumpre seu papel, Manoel não conseguiu se manter na casa, mas a casa e seu antigo morador se manteve através desse singelo e profundo filme.

quarta-feira, 22 de junho de 2016

O jogo do dinheiro (Money Monster) - Jodie Foster


Além da filmografia de mais de 70 títulos como atriz, há alguns anos Jodie Foster vem se aventurando pela direção, seu último filme O Jogo do Dinheiro apresenta uma direção competente, mas a escolha de um projeto questionável.

O filme fala sobre um programa de TV que dá dica de investimentos para cidadãos comuns.
Começa apresentando personagens superficiais e bem humorados (onde a dupla de protagonistas George Clooney e Julia Roberts funcionam muito bem), mas que logo são surpreendidos por um espectador que teve sua vida arruinada por um dos conselhos do programa.

Ele invade o programa armado e ameaça seus algozes (numa sequência de sequestro e terrorismo familiares ao cinema dos EUA).



Mas na busca dos algozes é que está o conflito (interno e externo ao filme): quem são esses vilões?


A indústria do entretenimento e sua irresponsabilidade pela busca de audiência e patrocinadores a qualquer preço? Na empresa que deu o golpe e provocou o engano dos investidores? Ou em todo o sistema financeiro que permite que o dinheiro seja usado como em um jogo?

A resposta vai se revelando complexa e o filme não é maniqueísta e não traz respostas simplistas, entretanto acaba praticamente isentando todos os seus personagens e assim se isenta também de um papel mais crítico.

Se não vemos os culpados (ou temos apenas um bode expiatório ao final), se os personagens não têm no decorrer da narrativa nenhuma crise de consciência nem tampouco elaboram questionamentos mais profundos (o que vai nos fazendo desconectar com os atores e achar suas interpretações vazias), daí o filme vai se revelando extremamente frágil.

Nem mesmo quando apresenta as motivações pessoais e particulares do rapaz que se revolta, não traz compaixão e não denuncia os mais fragilizados da cadeia alimentar do capital.

Todo dinamismo e ritmo de diálogos e a montagem precisa vão virando um jogo de linguagem, que apenas entretem, mas não consegue nos levar além de seus 98 minutos. 

terça-feira, 21 de junho de 2016

Trago Comigo - Tata Amaral


Tata Amaral segue em sua investigação sobre os anos de chumbo brasileiros.

Em seu filme anterior, Hoje - já comentado aqui - esse já era seu foco principal. 


E agora em Trago Comigo, Tata dá sequência à narrativa construída para uma série televisiva e a transforma também em longa-metragem.

As lembranças e depoimentos de pessoas que foram presas e torturadas durante a ditadura servem não apenas de inspiração para personagens fictícios, mas também como pontuações documentais ao longo do filme.

Talvez aqui valesse uma elaboração que integrasse mais as duas linguagens, mas a opção foi pela secura e dureza do conteúdo.

Na ficção o roteiro (trama e diálogos) também tem opção bastante didática: um diretor de teatro relembra seu passado, reconta a jovens atores e junto com eles constrói uma peça autobiográfica.

Para isso a linguagem ora parece de ficção, ora de documentário, e conta ainda com linguagem teatral e um dinamismo videoclípico de fotografia e montagem.

O resultado é um filme simples e funcional no qual um dos principais destaques é a interpretação de Carlos Alberto Riccelli.

Bom filme, mas que poderia ter ido além se transcendesse no conteúdo histórico e nos trouxesse mais momentos de thriller psicológico e poesia como em no primoroso Hoje.

quinta-feira, 16 de junho de 2016

A Batalha do Chile (La batalla de Chile) - Patricio Guzmán


O documentarista chileno Patrício Guzmán ganhou destaque com sua cobertura do golpe chileno em 1973 na trilogia de:

 A Batalha do Chile (A Insurreição da Burguesia, O Golpe de Estado e O Poder Popular

Depois iniciou uma bela carreira com filmes como A Nostalgia da Luz, já comentado aqui.

Guzmán fez uma intensa documentação do momento histórico, começando pelas eleições e pela agitação popular;


Passando pelas principais decisões e crises do governo de Salvador Allende, a oposição vivida no Congresso;


A movimentação sindical, os acordos internacionais etc.


O que pareceu começar como um registro da polarização do país, se tornou um dos mais fortes documentos do que se tornou uma espécie de guerra civil, até o assassinato do presidente Allende e a consagração do golpe.

Ali se deu o início de uma das ditaduras mais duras da América Latina, que foi de 1973 a 1990, sob o comando de Augusto Pinochet.

A Batalha do Chile só foi lançado dois anos depois do golpe consumado, mas teve grande repercussão internacional, sendo considerado um dos melhores documentários de sua época.

O filme começa despretensioso sem imaginar as proporções do que iria acontecer. Mas aos poucos as imagens vão ganhando uma narração cada vez mais consistente e que acaba por tomar um partido para reportar os acontecimentos ao lado do povo.


Guzmán é bastante sóbrio e didático e acaba resultando em um filme potente e envolvente.

Um épico documental que vale a pena ser revisitado, principalmente em momentos de intensidade política.

quinta-feira, 2 de junho de 2016

Juventude (Youth) - Paolo Sorrentino


O diretor italiano Paolo Sorrentino, após o sucesso de A Grande Beleza - já comentado aqui, volta às telonas com Juventude.

Com a mesma linguagem grandiloquente, a mesma construção de cenas vigorosas, o mesmo tipo de narrativa em esquetes e tom épico e farsesco, mas dessa vez sem alcançar a mesma consagração.
Já em sua estréia em Cannes o filme dividiu o público e a crítica e em seu lançamento no Brasil provocou as mesmas contradições.

Talvez porque o filme seja irregular, tem cenas sublimes, belas e profundas, fazendo remeter muitos às obras de Fellini, mas com cenas mais mornas e cansativas.


A temática do filme é a recorrente crise de criação: uma dupla de artistas já em suas terceiras idades sem saber que rumo tomar.


O primeiro, vivido por Michael Caine, está desiludido, já não quer mais trabalhar, não encontra mais inspiração e só quer aproveitar o retiro nos Alpes suíços para descansar.

O segundo, vivido por Harvey Keitel, está atrás de sua grande obra, vive a ilusão de uma criação síntese de existência  e que possa dar sentido à sua vida.

O tom que Sorrentino encontra para essas personagens é ambíguo: há momentos em que ele nos coloca muito próximos a elas, vivendo o mesmo vazio (seja nos rompantes de ilusão de um, ou nos rompantes de desilusão do outro); seja em momentos que nos faz ver com distância, podendo nos deixar compadecidos, incrédulos, impassíveis ou - talvez sem intenção do diretor - desinteressados e entediados.

O filme ainda conta com outros personagens que multiplicam essas nuances, uma reunião de atores improvável e interessante: Paul Dano, Rachel Weisz, Jane Fonda etc.

A trama em si conta menos no filme, são as esquetes e simbologias que nos levam ao universo dos artistas e criadores, seus desejos e decepções, sua velhice ou sua juventude...