Liz Garbus é uma documentarista americana bastante produtiva, com dezenas de filmes em sua carreira, enfrentou o desafio do tema Nina Simone em What happened, Miss Simone?
Eunice Kathleen Waymon, mais conhecida como Nina Simone é uma figura ímpar e isso é confirmado pela pesquisa apresentada pelo documentário: uma das oito crianças de uma família humilde na Carolina do Norte, que desde a tenra idade acompanhava ao piano os cultos que a mãe ministrava e onde seus irmãos cantavam.
Daí a evolução de sua carreira: das apresentações nos cultos, para aulas de piano na pequena cidade, passando a estudante em Juilliard, mas sendo limitada pelo preconceito que a impediu de ir além nos estudos.
E fez ter que desviar da música clássica para apresentações de músicas populares em bares (passagens que muitas vezes são ilustradas com cenas de reconstituições misturadas organicamente e por isso infiéis ao tom de neutralidade buscado).
A partir disso os pontos altos do documentário: quando ela foi se destacando no mundo do jazz e do blues e que a fez lançar músicas e discos e começar a ser conhecida e reconhecida.
Além da carreira, o filme também vai mostrando passagens da vida pessoal, como a relação conflituosa com o marido: possessivo e controlador no princípio - o que lhe permitiu uma obstinação e sucesso, mas também um nível absurdo de stress e falta de autonomia sobre a própria vida.
As revelações de que esse limite de controle foi ultrapassado e culminou em cenas chocantes de violência, até a separação. E de como isso repercutiu em sua relação com a filha.
Em seguida o documentário apresenta o envolvimento de Nina na luta de igualdade racial nos EUA e certo boicote e ostracismos que teve que viver por conta disso.
Também apresenta a descoberta da bipolaridade e como ela se tratou e viveu em seus últimos anos.
Conhecemos então suas muitas facetas, mas sem uma costura orgânica. Cada assunto é apresentado quase que de maneira compartimentada (carreira, casamento, luta, política, temperamento).
Essa abordagem por um lado ajuda a revelar justamente como Nina era muitas em uma só, mas por outro vai contra sua complexidade, sem desenvolver muito como os diferentes aspectos de sua vida se relacionavam (por exemplo com a constatação ao final de que Nina era bipolar não vem nenhuma outra reflexão, que evidentemente podem ser feitas pelos espectadores.
Mas poderiam ser aprofundadas por outros personagens importantes na vida dela como parentes, amigos ou mesmo médicos).
A biografia está ali, com "o que acontece" em cenas incríveis de apresentações e alguns depoimentos preciosos. Mas o título sugere muito mais, parece se propor uma investigação que o filme não dá conta.
Ele não busca os "porquês" ou os "como" as coisas aconteceram e sem isso é impossível apresentar uma resposta mais elaborada.
Essa "neutralidade" de Liz Garbus pode ter um aspecto positivo de se evitar especulações sem que possamos ouvir a própria Nina e dando mais liberdade ao público.
Mas por outro, ao evitar os tantos vespeiros, chega a se tornar infiel à história: não aprofunda nada sobre as violências sofridas por Nina pelo marido e fala bastante mas de maneira superficial sobre a relação dela na luta pelos direitos civis.
Por exemplo, o filme não cita em nenhum momento o Movimento Panteras Negras (um dos mais importantes da época e de que Nina fez parte) e não detalha o boicote sofrido por ela pela sua atuação política.
Como trazer no título a pergunta "o que aconteceu?" e não se perguntar mais sobre a saída de Nina dos EUA e muito menos se algum dia ela desejou voltar.
Liz parece optar por não defender e idolatrar a artista (o que é muito comum acontecer em documentários sobre uma pessoa, como em Os EUA X John Lennon - já comentado aqui, que busca um tom mais imparcial, mas em que se vê o lado defendido).
Mas será que um nome como Nina Simone não permanece tão vivo entre nós por ela ser realmente fora do normal e ir além em vários sentidos, de uma maneira que o documentário não ousou ir?
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