segunda-feira, 6 de abril de 2015

Luneta do tempo - Alceu Valença


O músico e compositor tão conhecido da MPB brasileira resolveu se arriscar na arte cinematográfica. Alceu Valença estreou com o roteiro e direção de Luneta do Tempo.


O filme é uma história de cordel do sertão, uma coletânea de fatos reais, míticos, culturais. 

E a narrativa reflete essa colcha de retalhos e de fuxicos...


Tem Lampião e Maria Bonita, cangaceiros e policiais, histórias de amor e de traição, bebedeiras, jogatinas, circos e artistas.

Começa vigoroso em seus enquadramentos, montagens e interpretações (tendo à frente o genial Irandhir Santos - de filmes como Tropa de Elite e Tatuagem - já comentados aqui e Hermila Guedes - também atuante no cinema pernambucano contemporâneo também comentado aqui) e obviamente nas canções (destacadas pela voz do próprio diretor). 

Mas aos poucos a narrativa vai se afrouxando, se perdendo em tantas intenções e na dificuldade de se costurarem.

O tecido se esgarça e faz falta um roteirista que estivesse fora da cabeça barroca de Alceu e, principalmente, de seu coração e suas lembranças afetivas.


Algumas nos chegam e nos instigam - mesmo que herméticas, mas outras são imaturas, piegas ou mesmo confusas.

Falta filtro, edição e certa maestria de composição cinematográfica. O potencial de direção está ali, mas algum roteirista para ajudar a reger teria feito o filme ecoar muito mais longe... E muito mais melódico e harmônico!
Peçamos bis e vejamos o que mais vem por aí...

quarta-feira, 1 de abril de 2015

A Outra Terra (Another Earth) - Mike Cahill


O jovem diretor americano Mike Cahill estreou em longas-metragens com A outra Terra, um primeiro filme com boa recepção de público e crítica.

Com um ponto de partida muito interessante: no qual a garota Rhoda, em seus primeiros dias como universitária, atropela uma família na saída de uma festa e paga pelo crime, passando alguns anos na cadeia.

Na saída ela não sabe como retomar sua vida e acaba não se adaptando a novos ambientes de trabalho, à família ou amigos. 

Rhoda acaba se sentindo amparada apenas ao lado do único sobrevivente da família, de quem ela se aproxima sem que saiba de sua verdadeira identidade. 

Ou no sonho de viver em uma outra Terra recém descoberta.

Ao contrário de Melancolia (já comentado aqui) onde um planeta é descoberto e que se aproxima para abalar todas as relações, A Outra Terra apresenta um outro planeta capaz de acolher aqueles que já estão abalados.

Premissa interessante e que nos envolve na primeira metade do filme. De maneira econômica e intimista nos aproxima das personagens e nos cativa. 

Porém não desenvolve bem suas transformações, apresenta as mudanças rapidamente (inclusive mudando de uma chave realista para a de ficção científica sem muito preparo).

A outra Terra só é vista e vivida pelas próprias personagens (e não pelo público) e acaba apresentando respostas um pouco "mágicas" para problemas tão profundos e reais. E, para suprir certas lacunas psicológicas e emocionais deixadas, apela para soluções clichê, enfraquecendo o todo.

Com mais apuro da parte final do filme e aí teríamos uma promissora outra terra para visitarmos e revisitarmos no mundo cinematográfico...

Para sempre Alice (Still Alice) - Richard Glatzer & Wash Westmoreland


A dupla de diretores Richard Glatzer e Wash Westmoreland já havia trabalhado junta no filme The Last of  Robin Wood e no reality show America's next top model

Aqui se basearam também em fatos reais para contar um drama bastante frequente em diversas famílias que é a convivência com a doença de Alzeimer.

Para sempre Alice conta a história de uma professora universitária na faixa dos 50 anos que começa a ter problemas de memória, ela evita o assunto, mas quando começa a se consultar tem a doença diagnosticada.

O filme trata então da relação da família com a doença, especialmente a própria mulher com o que é, ou, como o filme coloca, o que vai deixando de ser.

A família que não tem grandes crises, apenas questões "normais" de diferenças de ponto de vista entre os membros (casal e três filhos) e diferenças na maneira de lidar com o diagnóstico. 

Esse é um ponto interessante e aproxima o filme de outros que também trazem o cotidiano de degradação sem um melodrama excessivo, ou no melodrama excessivo ou mesmo caráter trágico inerente à doença.

Por outro lado o filme quer abordar questões demais e não se aprofunda em detalhes e nuances que o fariam mais profundo e intimista, como os exemplos recentes de Amor, de Michael Haneke ou Parada em pleno curso, de Andreas Dresen - já comentados aqui.

Para sempre Alice trabalha situações corriqueiras sem muito glamour - embora dentro da chave hollywoodiana com trilhas e ritmo bem marcados e discursos e diálogos não tão naturais e bastante emocionantes. E tem outro destaque - merecedor de prêmios como o oscar - na atuação de Juliane Moore


Assim, em seu conjunto, Para sempre Alice apresenta boas qualidades e merece ser visto!

terça-feira, 17 de março de 2015

Corações em Conflito (Mammoth) Lukas Moodysson



O diretor sueco dos ótimos filmes Amigas de Colégio e Bem-vindos, fez também um filme mais pretensioso, tanto pela temática quanto pela produção: Corações em Conflito.

O filme tenta mostrar situações interligadas envolvendo diferentes classes sociais, culturas, países, conflitos... (inclusive mostra cenários nos EUA e nas Filipinas, trabalha com atores orientais, latinos, como Gael G. Bernal e americanos, como Michelle Williams).

Numa estrutura e temática semelhante a Babel, de Alejandro G. Iñarritú, Corações em Conflito mostra um casal de classe média norte-americano que tentam dar um novo passo em suas vidas: recém mudados para Nova Iorque, a mulher tenta se adaptar à vida médica em um plantão noturno e conciliar com a vida doméstica. 

Para isso precisa contar com a ajuda de uma babá que, como grande parte dos prestadores de serviços desse tipo nos EUA, é uma imigrante das Filipinas.

Essa imigrante deixa de estar presente ao lado de seus filhos com o sonho de juntar dinheiro e poder voltar e proporcionar a eles uma vida melhor.

Em paralelo o marido começa a se dar bem com sua empresa de videogame e vai fazer negócios no oriente. Como é contado no filme, o homem era um nerd que gostava de jogar mas se deu bem planejando jogos e ao lado de um parceiro-sócio tem chance de ganhar muito dinheiro com sua empresa.

Histórias simples e contadas de maneira corriqueira e intimista, entretanto faltam objetivos aos personagens. Eles vão se deparando com conflitos do dia-a-dia e se tornam vítimas de algo maior, destinos trágicos dado pela globalização, desigualdade, caos mundial...

Temas muito amplos que acabam chegando de maneira um pouco generalizada e menos íntima como poderiam.

A mulher vai vivendo a crise de estar sendo substituída pela babá: a filha começa a aprender a língua filipina e prefere estar com a babá do que com ela.

O homem se vê esperando o negócio ficar mais lucrativo mas sem dar importância ao dinheiro. Ao contrário, se sente mal em situações de exploração do terceiro mundo. Tenta intervir (e salvar) uma menina da prostituição, mas de maneira extremamente ingênua e acaba num misto de vítima e vilão.

A mulher também vive a crise de se envolver com o caso de pacientes.

A babá sofre pela distância dos filhos, que tentando aproximá-la também chegam a situações trágicas e irremediáveis.

Corações em conflito e um mundo que parece sem solução. Os personagens não parecem ter autonomia sobre suas vidas e parecem vítimas do destino e assim se enfraquecem. 

E assim um filme de tanto potencial chega morno.

Bem diferente de suas outras experiências, mais intimistas, precisas, concisas e muito mais fortes, intensas e potentes, mas válido pela reflexão. 

sexta-feira, 27 de fevereiro de 2015

Timbuktu - Abderrahmane Sissako


Mais uma oportunidade de conhecer lugares distantes e pouco conhecidos. A Mauritânia fica no noroeste da África e faz fronteira com Argelia, Marrocos, Senegal e Mali, por exemplo, mas de sua cinematografia se tem pouco acesso.

Timbuktu é uma ótima maneira de mudar um pouco isso, Sissako faz uma ficção tocante baseada em situações reais de como grupos tentam se impor pela força, intimidação e violência.

Timbuktu é uma cidade no Mali onde culturas diferentes costumavam conviver (sounghais, árabes e tuaregues), porém esse cenário vem mudando. 

No filme o que vemos é essa pequena cidade no meio do deserto ser dominada por radicais islâmicos e tentando impor suas regras a todos os cidadãos.

Para fazer valer seus interesses passam por cima inclusive de preceitos islâmicos e entram em embate até com o representante religioso local. 

Há também situações que mostram incoerências e hipocrisias seja de um recém convertido ao islamismo que não consegue ser sincero de abrir mão da música em sua vida...

Seja de um vigilante local que fuma escondido...

Ou principalmente de homens que quebram regras em nome da atração que sentem por algumas mulheres.

Assim, o filme explicita as arbitrariedades dos radicais e se torna uma espécie de filme-denúncia.

Mas é importante ressaltar a poesia do filme, a maneira intimista como mostra algumas famílias, os pequenos conflitos cotidianos e as lindas paisagens.

Importante para que o filme não se torne instrumento de argumentação em guerras que culturas ocidentais distorcem por conta de seus próprios interesses. 

Por exemplo a França que vem apoiando o governo local de Mali contra os grupos islâmicos (e que nos acontecimentos de 2015 foram se declarando contra violências e radicalismos de islâmicos mas não de outros grupos, como os judeus). 

Ou os EUA que o colocaram na disputado de melhor filme estrangeiro no Oscar e são um dos principais defensores de guerras (que sempre se dizem contra o terror, mas são causadoras de).

Timbuktu emociona e instiga e merece ser visto para ser discutido mas também para que possa nos tocar com uma bela e triste história.

quinta-feira, 26 de fevereiro de 2015

Dois dias, uma noite (Deux jours, une nuit) - Jean-Pierre e Luc Dardenne


Os irmãos belgas Jean-Pierre e Luc Dardenne têm apresentado um cinema sólido e antenado com problemas político, sociais e suas implicações psicológicas.

Todos seus últimos filmes - O Filho, A Criança, O Silêncio de Lorna, O Garoto de Bicicleta - já comentado aqui - têm narrativas simples que resultam profundas e intimistas. 


Em Dois dias, uma noite, a narrativa é ainda mais direta, sem qualquer situação paralela, o filme fala do conflito de uma mulher que tem seu emprego ameaçado e sua busca para mantê-lo.

O filme não tem qualquer rebuscamento, traz cruamente as situações vividas por Sandra: o recebimento da notícia em que uma votação seus colegas preferiram receber bônus do que mantê-la na equipe e o que é gerado a partir daí.

O esforço de alguns para tentar refazer a votação e mudar a opinião dos demais e a contagem regressiva dos dois dias e uma noite em que Sandra tenta conversar com seus colegas.

Sandra, brilhantemente vivida por Marion Cotillard (conhecida por trabalhos como Ferrugem e Osso, também comentado aqui) fraqueja nos momentos de dificuldade, mas tira forças do âmago (e de anti-depressivos) para enfrentar os embates com os colegas.

Ela sabe que o recebimento de mil euros é importante para eles, mas tenta fazer com que eles levem em consideração a possibilidade dela ficar desempregada.

Para alguns o filme pode parecer repetitivo pelo discurso feito diversas vezes por Sandra, mas as variações e sutilezas de cada repetição é que tornam o filme tão rico e humano.

Solidariedade, intolerância, respeito, individualismo, violência etc são alguns dos aspectos trabalhados.

Assim, vamos aos poucos nos envolvendo com a complexidade da situação e nos aproximando da personagem.

Ao mesmo tempo vamos compondo os diferentes lados de patronato e trabalhadores e vamos sendo levados para dentro do jogo do capitalismo e os xeques que tem vivido.

E sempre pela perspectiva intimista, marca dos talentosos e comprometidos irmãos.