quinta-feira, 25 de outubro de 2012

O que se move - Caetano Gotardo


Raro um filme que nos proponha soluções dramatúrgicas diferentes. Mais raro ainda se mesmo com estranhezas o filme nos toca...

Areia
Caetano Gotardo, jovem cineasta capixaba-paulistano, já havia se espalhado em poesia com curtas como Areia

O Menino Japonês
E dado mostras de sua habilidade em construir tramas dramáticas com realismo como em O Diário Aberto de R ou ainda a habilidade na construção de personagens e diálogos em O Menino Japonês

Agora Caetano faz sua estreia em longas-metragens com O que se move.

O que se move per si e o que nos move a todos.


Filme sobre a vida, sobre a perda, sobre a graça (ou desgraça) do dia-a-dia, sobre o intangível.

Caetano segue poético e não é apenas nos diálogos e nos planos contemplativos (dado por uma fotografia extremamente sensível e uma montagem envolvente), a poesia está nas entrelinhas (ou entreimagens).

Três histórias sobre perdas familiares, todas trágicas, e por isso a busca de Caetano por um olhar diferente, seu desejo de não tragicizar a tragédia funciona, não só pela criação de diálogos musicados ao final de cada história, mas por seu olhar tão delicado que pode ser emprestado pelo tempo em que dura o filme.

Prazer desde os diálogos ao mesmo tempo desencontrados e realistas, pelo elenco e interpretação primorosos, prazer pela temática tão tocante...

Prazer pela sensação de estar diante do mais puro cinema.

A esses cineastas o desejo de agradecer quando o filme termina. 


(Para minha sorte, Caetano é colega de faculdade e pude fazê-lo pessoalmente no calor da emoção do filme, mas faço novamente e publicamente: obrigada!).



Keyhole - Guy Maddin


Herdeiro do cinema de Buñuel e de videoclipes, Guy Maddin novamente explora imagens oníricas e estética de cinema antigo em Keyhole.


Raro um filme nos parecer tão diferente e criativo como os de Maddin, mas são tantas camadas e possibilidades que ele nos traz, que dá uma certa sensação de atropelo...

Diferente do Cão Andaluz, onde há espaço para contemplação, para nos intrigarmos com as imagens exóticas e tentarmos decifrá-las...

Maddin acerta em relação às interpretações em diálogo com filmes mudos, mas também em certa evolução e tratamento estético.

Também traz diversos elementos bastante interessantes na direção de arte e um excelente trabalho fotográfico, mas peca com o bombardeamento de imagens e cortes e o excesso de graves na trilha.

Ainda que não tão harmônico como outros de seus filmes, como A Música Mais Triste do Mundo ou o documentário intimista My Winnipeg, Maddin surpreende e nos dá material para muitas reflexões...


Temas psicológicos para serem explorados como palimpsestos talvez...

quarta-feira, 24 de outubro de 2012

A parte dos anjos (the angel's share) - Ken Loach


Autor de uma filmografia sempre tão engajada, como o anterior Rota Irlandesa (recém comentado aqui), Ken Loach se deu a direito de desopilar o fígado... 

Para isso uma história mais leve regada a boas doses de whisky: A Parte dos Anjos - expressão que se deve ao fato do whisky ter uma parte misteriosa evaporada em seu processo de envelhecimento.

Claro que nem tudo são flores e plantações de cevada neste filme, as personagens cômicas são páreas da sociedade, gauches que devido a contextos de problemas sociais se envolvem em delitos e tem que prestar serviços à comunidade.


(Uma pitada do intimismo, crueza e carinho do olhar para essas personagens como já feito com Meu Nome é Joe

E novamente um olhar atento e generoso à juventude, como já feito no episódio que assina do longa Tickets e em Apenas um Beijo).

Aqui, o serviço comunitário é o que une os jovens, e seu supervisor, um senhor solitário e solidário e amante de whisky.

Por conta dessa generosidade e paixão a turma começa a acompanhá-lo em degustações da bebida típica dos escoceses.

E o que é hobbie se torna possibilidade de golpe e mudança...

Principalmente para o protagonista, Robbie, jovem que já teve várias passagens pela polícia, sem nunca ter tido estrutura familiar e sem muita perspectiva. O que o move é o filho recém nascido e o ânimo de fazer com que essa sua nova família dê certo!

Talvez a trajetória que se siga tenha um pouco mais de água com açúcar no whisky do que deveria, mas a alma também pede uns tragos mais relaxantes vez ou outra...
Então: Cheers, Ken Loach!

segunda-feira, 22 de outubro de 2012

Sacrifício (offret) - Tarkovski



"no princípio era o verbo".
Ser, simplesmente ser, da planta esquálida replantada à família e os amigos, do desejo às dores e aos traumas. 



Tudo existindo e tudo latente.


Menos os acontecimentos e fatos em si, e mais uma existência que prescinde mundanidades.

Difícil e profundo, um pouco etéreo inclusive. Decifrável talvez após algumas revisões (como deve ter feito Felipe Bragança antes de sua boa crítica no excelente site sobre cinema contracampo)


Último exemplar da breve porém rica filmografia de Tarkovski, Sacrifício é filme para ecoar e repercutir aos poucos... Já que tão rico em imagens e simbologias.

Definitivamente há sacrifício mas com infinita poesia.

domingo, 21 de outubro de 2012

A Infância de Ivan - Tarkovski



Primeiro longa do mestre, A Infância de Ivan foi um projeto herdado em andamento, mas do qual Tarkovski soube se apropriar e construir uma narrativa densa e lírica.

Ivan é um garoto de 11 anos que se entrega à guerra. Sua entrega tem desamparo, inocência, crueza, dureza, dor.

Em contraponto a esse lado negativo estão suas lembranças da mãe e a poesia que o narrador constrói ao descrever a paisagem e suas personagens.


Há um desejo de amar latente nas personagens, mas há sempre medo, repressão e também o pragmatismo militar da guerra.


As contraposições narrativas, a belíssima fotografia e decupagem, os tempos, os sons... 

Muitos elementos que se tornam uma constante em sua filmografia, desde personagens e questões narrativas, até detalhes e símbolos como espelhos, florestas, água...


Uma construção onde tudo contribui para nos instigar, nos tocar e nos embevecer.

sábado, 20 de outubro de 2012

Tabu - Miguel Gomes


Estranho e bastante particular é esse filme mais recente do diretor português Miguel Gomes: Tabu.


O filme apresenta dois momentos distintos da vida de Aurora: se vê um breve trecho de uma juventude na África e depois passa-se à sua velhice em Portugal - um cotidiano muito bem construído entre ela, a empregada e a vizinha.

Algumas semanas desse período são narradas, até sua morte, quando surgem pistas e informações para a revelação de histórias de seu passado, contados na parte final - e mais importante - do filme.

Nesta última parte voltamos à África e acompanhamos a trajetória de Aurora desde a infância até à fase adulta. 

E nesta parte desenvolve-se também a linguagem de maneira mais inusual... Além do preto e branco e do formato 3:4 de todo o filme, aqui não há diálogos, apenas narração e som ambiente (apesar das bocas se movimentando). 

Também aqui os sentimentos são os mais densos e profundos, porém há uma distância narrativa. Para alguns é como se fosse para observarmos a narrativa como um programa sobre o mundo animal (animal-homem, no caso). 

As ligações que o filme nos dá com a natureza, como a presença constante e bastante simbólica do crocodilo, realmente nos conduzem a isso.

Tantas camadas e tantas possibilidades que Tabu mais do que qualquer coisa parece intrigar.

Como poucos nos dias de hoje.

quinta-feira, 18 de outubro de 2012

Tropicália - Marcelo Machado


Documentários sobre temas que nos interessam parecem receita para uma diversão garantida.

Para amantes de MPB, como não desfrutar de Uma Noite em 67, de Ricardo Calil e Renato Terra (já comentado aqui)? Como não voltar pra casa e querer ressuscitar os discos de Raul, após o Início, o fim e o meio de Walter Carvalho (também comentado aqui). 
E tantos outros exemplares... Afinal, material para temas de documentários musicais não nos faltam e eles estão surgindo e se proliferando ao longo dos últimos anos, registros sobre Tom, Vinicius, Novos Baianos, Tom Zé, Arnaldo Baptista etc, etc, etc.

E, claro, um movimento que traz ícones como Caetano Veloso, Gilberto Gil, Tom Zé, Gal Costa, Mutantes...


E tantos outros companheiros, colegas, agregados e até contrapositores especiais (Nara Leão, Bethânia, Oiticica, Glauber...). 

Assunto não falta para um documentário sobre o tropicalismo...
O desafio do diretor Marcelo Machado parecia justamente "costurar" tanto material...

E Machado faz juz à tarefa.
Se aproveita do ideal e estética da "colagem" do movimento e sobrepõe diversos depoimentos, sons e imagens...

Talvez se exceda um pouco no esteticismo, mas a construção é tão bem feita, através do primoroso trabalho de Gabriel Bitar, que convence.

Deleite para os ouvidos. Nostalgia para os olhos. Sugestões para a vitrola.