quarta-feira, 13 de junho de 2012

Verão Escaldante (Un été brûlant) - Philippe Garrel


O diretor francês Philippe Garrel ficou conhecido por aqui por sua obra-prima Amantes Constantes. Narrativa instigante, estética forte, filme nada convencional e extremamente potente veio nos mostrar todo seu potencial e instigar a adentrarmos em sua cinematografia...

Agora estréia seu Verão Escaldante.

Novamente em uma narrativa não convencional, onde a ordem é colocada de maneira subjetiva (ainda que o filme mantenha um distanciamento não emocional), com lembranças e relatos sendo somados, e sentimentos sendo construídos e colocados de maneira "estanque".

O borbulhar e escaldar de um verão mostrado em personagens blasè, que ardem em seu tédio, em sua prostração e que ardem também pela perda daquilo que gostam, em gostar do que lhes está seguro - e que, apesar de tudo, é intenso.

As locações, a foto, a arte, a montagem, etc são interessantes por contribuírem em uma construção um pouco atemporal... Sem um tempo e espaço muito definidos e que combinam com a progressão narrativa sem a cadência clássica.

O que vale são as personagens confinadas em si mesmas, mal conseguindo expressar seus sentimentos (e nem parecendo entendê-los).

Para viver essas "emoções" um ótimo elenco: novamente Philippe trabalha com seu filho, um dos atores mais cobiçados do cinema francês atual: Louis Garrel;

Uma participação do pai do diretor, Maurice Garrel;

A diva italiana (e por que não mundial?!) Mônica Belucci;

A interessante Céline Sallette, um dos destaques do elenco do belo filme Apollonide - Os Amores da Casa de Tolerância, já comentado aqui).


E os rapazes: Jérôme Robart, Vladislav Galard e Vincent Macaigne.

Verão Escaldante nos intriga, não nos dá espaço para aproximação das personagens, mas ao mesmo tempo nos instiga o suficiente para ficarmos ao seu lado. Não nos faz torcer ardentemente por elas, mas ao mesmo tempo nos faz senti-las dentro de nós...

Philippe Garrel aparece como herdeiro legítimo da Novelle Vague por essa sensação que constrói de filme desacertado que dá certo, o não convencional que envolve e faz pensar, a narrativa torta que chega ao ponto...

segunda-feira, 11 de junho de 2012

Violeta foi para o céu (Violeta se fue a los cielos) - Andrés Wood


Andrés Wood já havia agradado aos brasileiros com seu bom filme Machuca, uma espécie de Cinema Paradiso latino, falando com graça da transição da infância para adolescência de dois amigos de diferentes classes sociais nos conturbados anos 70 chilenos.


Agora Wood investe em uma grande personalidade de seu país, Violeta Parra e para isso se emancipa de uma narrativa mais clássica e busca na linguagem a força e crueza de sua personagem.

Violeta foi para o céu traz um título doce, carinhoso, saudoso para uma personagem que de tão dura  chega a ser violenta, explode em criações e rompantes, afaga, agarra, sufoca e afasta até os queridos mais próximos.

Ressentida com tantas dificuldades, do pai músico e alcoólatra, a mãe mostrada ausente, casamento sem identificação, morte de filho, paixões tortuosas, luta pela cultura e pelo país...


Lembra filmes de outras grandes mulheres como Camille Claudel ou Frida.

Mas Violeta tem uma trajetória muito própria, singular em tudo, dificulta qualquer identificação e aproximação mais afetuosa. 

E o filme é fiel a isso, a narrativa nos intriga, nos instiga e nos cativa pela curiosidade pela personalidade geniosa - e genial -, mas não pela emoção.

Cativa também pela arte! Obstinada, batalhadora, decidida, Violeta é mostrada como a mulher de fibra e peito que foi, mulher de pulmões!!!

Lindas canções, lindas artes plásticas, bela história.

Acertada decisão de Wood em filmar sua história, acertado trabalho de decupagem, mise-en-scène, fotografia, arte, som... 

E acertada escolha de casting! Que em grande parte se deve à insistência da própria atriz, inicialmente contratada apenas para cantar, mas que soube roubar a cena e conquistar merecidissimamente o papel! 

Parabéns à praticamente iniciante em cinema, Francisca Gavilán!

Gracias Violeta, gracias Wood, gracias Gavilán, gracias a la vida!


sábado, 9 de junho de 2012

A Delicadeza do Amor (La délicatesse) - David e Stéphane Foenkinos


A parceria dos irmãos David e Stéphane Foenkinos já havia sido experimentada no curta Une Histoire de Pieds

Pela primeira vez em um longa, eles somam forças da experiência de David com roteiro e de Stéphane em casting de mais de 50 filmes.

Em A Delicadeza do Amor, o casting certamente é um ponto positivo do filme, desde o carisma da protagonista Audrey Tatou, com nuances muito bem trabalhadas;
Passando por coadjuvantes importantes como Ariane Ascaride (ainda em cartaz por aqui com o ótimo As Neves de Kilimanjaro, já comentado aqui);

E o excelente trabalho de Markus Lundl - personagem estranho, que passa por uma interessante curva, do quase repulsivo ao intrigante e, finalmente, ao encantador.

Transição que faz lembrar a personagem de David Thewlis, Mr. Kinski, na grande obra Assédio, de Bernardo Bertolucci. Ali também a paixão vem lenta e gradual e termina irremediável.

A trama de A Delicadeza do Amor também tem grandes méritos, menos pela premissa de amor, perda, luto e paixão, mas mais por detalhes de diálogo (corriqueiro, realista, saboroso, profundo...), construção de personagem, ritmo e competências técnicas de foto, arte e som.

Tatou vive uma jovem que vive um romance irretocável, mas que tem que se reestruturar com a perda do companheiro. 

Fugindo e se reencontrando nas velhas relações, se entregando ao trabalho como forma de luta e na difícil tarefa de redescobrir o mundo e outras possibilidades.

Temas realmente "delicados" e tratados pelo filme de maneira bastante sensível. Às vezes com certos excessos e momentos clichês, mas em geral resultando num bom e agradável filme! 

segunda-feira, 4 de junho de 2012

Uma longa viagem - Lúcia Murat


Não é a primeira vez que Lúcia Murat traz para seus filmes temáticas de sua vida, o que já havia feito em seu belo filme Quase Dois Irmãos

Também não é a primeira vez que mistura linguagens e propõe experimentos. Mas em Uma Longa Viagem isso vem em um documentário extremamente pessoal.

A história de um trio de irmãos: ela, Miguel e Heitor - memórias motivadas pela morte de Miguel e focadas na trajetória do caçula Heitor, que inclusive ganha uma versão jovem vivida por Caio Blat.

Caio atua em reconstituições performáticas: narrações de cartas e interpretações até mais próximas da linguagem da videoarte do que do cinema (seja de ficção ou documental).

Heitor, um inquieto de espírito errante, em busca de respostas, em busca de espiritualidade, em busca de si mesmo... Em busca ou em perdição?

O contexto libertário dos anos 70 no qual o filme é focado propicia muitas considerações, críticas, avaliações e encantamentos da narradora-personagem-diretora Lúcia Murat. 

Que também tem sua história contada como importante coadjuvante dessa trajetória, aquela que amargou pelos ideais irreverentes de mudança, lutando na política e sendo presa política por alguns anos no Rio de Janeiro.

O filme é bastante interessante e estimulante, como uma minoria de filmes é capaz. Entretanto algo sobra ou falta... Devido ao tema, à abordagem, ao contexto, talvez necessitasse uma condução ainda mais intimista. 

Talvez a definição mais radical de seu foco, "a longa viagem de Heitor", pudesse ajudar o público, aquele que não tem nenhuma relação direta com a história, mas que pode se intrigar, instigar, comover e até se indentificar...

Talvez a postura mais dura e crítica da própria Lúcia dificulte essa abordagem. E talvez ela não tenha conseguido se colocar como uma personagem emotiva, sua narração e intervenção na história parece sempre racional, ainda que falando do amor aos irmãos. 

E para essa história, para as reflexões que o filme propicia, de uma pessoa em busca de si mesmo, viajando pelo mundo, tentando um foco interior e perdendo o contato com o mundo exterior.

Viagens propiciadas não só pelas passagens pela Europa, América e Ásia, mas também pelas drogas, alucinógenos de todos os tipos!

As lindas cartas narradas, de extrema e intensa poesia, provocam certa conexão com as personagens e suas histórias, mas o tom do filme não acompanha a mesma poesia, se prende a um registro mais objetivo e se perde um pouco...


Iniciativas como essa, movem a linguagem cinematográfica, mas não ter sido tão radical lhe deixa no meio do caminho, encurtando um pouco a viagem...

quarta-feira, 30 de maio de 2012

O que eu mais desejo - Koreeda



Autor de obras televisivas e documentais, Koreeda se firma cada vez mais na ficção cinematográfica em títulos como Depois da Vida, nos mostrando, a cada título, que sabe misturar fantasia e cotidiano e sabe nos emocionar!


Como no maravilhoso Ninguém Pode Saber, novamente o foco é nas crianças e em seu cotidiano - desde as pequenas tarefas, os diálogos fantasiosos e a ludicidade das brincadeiras e peripécias.


Em O que eu mais desejo, dois irmãos se veem vivendo separados após a separação dos pais e desejam reverter a situação.

Para isso passam por uma trajetória onde diversas dificuldades aparecem, amigos e familiares se envolvem e as crianças passam por grandes aprendizados.

Há uma trajetória bem clássica de jornada do herói, na qual os meninos estão em intenso aprendizado.

Mas há também a orientalidade presente desde o cotidiano representado, até o tom dos diálogos e do drama e do humor.

Para um ocidental, há cenas em que parecem um pouco desconexas, sem uma lógica muito ordenada, mas que se intui claramente vir da diferença de cultura. 

A escolha de trilhas, assuntos das tramas secundárias e estética do filme tem apelos pop que também se percebe fazerem mais sentido entre os japoneses 


(assim como As Melhores Coisas do Mundo, de Laís Bodanski (já comentado aqui), que tem semelhanças de universo e tom, talvez possa ter aspectos mais intensos para nós brasileiros).

De qualquer maneira, o resultado é um filme universalmente gracioso, para se assistir sorrindo do começo ao fim, seja com lágrimas nos olhos ou comichão de risos na barriga.

Destaque para o trabalho de atores entre tantas qualidades do filme. Confiram!


sexta-feira, 18 de maio de 2012

Raul - o início, o fim e o meio


Documentário musical de figura ilustre. Difícil não se interessar pela genialidade e espontaneidade do rockeiro Raul Seixas. (Trabalho de garimpo com material brilhante per si, (como outros como Uma Noite em 67, já comentado aqui)


Entretanto a abordagem de Walter Carvalho, em parceria com Evaldo Mocarzel e Leonardo Gudel, é irregular - do glorioso ao tom de fofoca, dos registros ilustres aos registros desnecessários.

Realmente deixa transparecer a obstinação precoce de Raul pelo rock, sua intensidade em tudo que fazia, sua afetuosidade, sua criatividade, sua versatilidade...

Isso tudo está lá, impresso em alto e bom som!

Mas o documentário se perde um pouco em meio a tanto material e não se aprofunda nas personagens. Mais do que não se aprofundar, se deixa levar por primeiras impressões e nos leva no mesmo caminho... 

Explora bem alguns depoimentos mais ilustres como de Caetano e Nelson Motta, mas apenas pincela com Tom Zé, por exemplo.

Acaba propiciando certo constrangimento com as figuras desconhecidas que dão seu depoimento como uma possibilidade do minuto de fama.


O garimpo por tantas pessoas da infância e juventude de Raul são de tanta riqueza que gastar um pouco mais de tempo com elas, deixando passar a ansiedade da entrevista e chegando ao âmago de outras questões talvez tivesse sido mais interessante.


E acaba incentivando também questões em tom de intriga, sobre quem teria sido o melhor parceiro ou melhor parceira. 

Ao invés de focar sobre o que teve de contribuição de cada um na vida de Raul, questão que acaba ficando mais passageira.

Essa abordagem por um lado é reveladora dos conflitos pelos quais Raul viveu, mas também dão um tom de investigação que de certa maneira não nos leva a nenhum lugar especial.



E acabam gerando inclusive certo desconforto pela exposição de filhos, netos e ex-mulheres.



 Que muitas vezes parecem buscar um discurso específico para a câmera e não um discurso com revelações e confissões mais profundas.

Um lado intimista de Raul que poderia ser mais revelador! (que está mais rascunhado pelas imagens de arquivo).



Por exemplo ao final, em certa reconstituição dos passos daqueles que acompanharam os minutos finais desse grande ídolo. Desnecessário.

O resgate histórico do material iconográfico e principalmente sonoro é riquíssimo, mas a abordagem infelizmente fica aquém.


Principalmente pela expectativa provocada por esse excelente diretor de fotografia (entre os mais recentes: Terra Estrangeira, Lavoura Arcaica, O Céu de Sueli, Santiago, Heleno) e por esse diretor já consolidado com o belíssimo documentário Janela da Alma, a boa ficção Cazuza, o tempo não pára ou mesmo a adaptação de Budapeste, já comentado aqui.

Sem a pretensão de ver Raul em seu início, seu fim e seu meio, ressaltam pérolas de passagens como:
"quem não tem presente se conforma com o futuro". 

ou: "No cume calmo do meu olho que vê, assenta a sombra sonora de um disco voador..."