segunda-feira, 13 de fevereiro de 2012

A Separação - Asghar Farhadi


Diferente de outros filmes iranianos mais contemplativos ou nostálgicos, Asghar Farhadi nem aborda a infância como em
Balão Branco, A Maçã e O Silêncio; nem vai na linha de filmes mais filosóficos e metalinguísticos como Gosto de Cereja ou Salve o cinema; nem políticos como os recentes Dias Verdes ou Isso não é um filme.


A Separação tampouco fala da condição da mulher como ocorre em O Círculo e Olhando espelhos, Farhadi fala de um cotidiano sutil, prosaico e extremamente complexo ao mesmo tempo.

O filme parte da discordância de um casal de classe média e seu pedido de separação muito mais para falar sobre impasses: os motivadores, a relação religiosa, moral e jurídica no cotidiano iraniano e desdobramentos possíveis.

Assim, a esposa que quer mudar de país e vê na discordância do marido um obstáculo na relação, a levam a um pedido de divórcio; discordância essa gerada pela dependência de um pai/sogro já debilitado que exige cuidados especiais; 

Dependência essa que leva à contratação de uma empregada; empregada essa que tem vários problemas pessoais - filhos, crises financeiras que geram crises emocionais: desemprego, dívidas, prisões, depressões; problemas esses que levam a tensões e vulnerabilidades... 

Vulnerabilidades que são gerais e fazem com que todas as personagens envolvidas sejam ao mesmo tempo culpadas e inocentes e que a cada dado apresentado a situação se torne mais complexa.

Construção audiovisual simples: câmera ágil; fotografia, arte e som discretos; bom elenco; mas mais que tudo: uma boa premissa, bons diálogos, um ótimo roteiro, que apresentam as situações e as personagens por camadas e constroem um crescente instigante da trama.

Não há rebuscamento, é a situação crua e a condução enxuta que dão o tom realista e que nos fazem acompanhar com proximidade tudo que está se passando e, consequentemente, fazendo com que seja mais difícil ainda com que nos posicionemos. 


Um filme em defesa do diálogo, justamente por tantas tentativas frustradas de remendos de confissões, dúvidas, meias-verdades...


Profundo e inquietante, vale as horas de reflexão (bem além dos 123 minutos de sessão).



terça-feira, 31 de janeiro de 2012

L'Apollonide: Os Amores da Casa de Tolerância (Souvenirs de la maison close) - B. Bonello


Bertrand Bonello parece instigado com o poder que o sexo pode exercer entre as pessoas, suas implicações e seu comércio.

Pelo menos é o que se observa vendo O Pornógrafo, longa deste diretor francês exibido há cerca de dez anos e em seu filme mais recente: L'Apollonide.

Aqui, Bertrand se inspira nas casas de comércio sexual - ou puteiros - na virada do século XIX para o XX na França.

Esse contexto histórico justifica e reforça ainda mais uma crítica à certa hipocrisia da sociedade francesa, em seu discurso de liberdade, igualdade, fraternidade, a sociedade culta e requintada que mostra suas mesquinharias e vilanias. Entretanto, apesar disso o filme parece universal e atemporal.

Inclusive nessa percepção de Bertrand está um dos maiores primores do filme: o prólogo com animação de fotos das personagens clipadas com música de outra época e um epílogo genial, em cena verídica, contundente, dramática, belamente triste e tristemente bela...

Nas demais partes - o meio, ou o filme propriamente dito - o que vemos é o dia-a-dia da tal casa de tolerância: as meninas à paisana, fora do trabalho - suas brincadeiras, cumplicidade, simplicidade, sonhos, cansaços... 

E também as meninas "na função": sua abordagem com os clientes, certa diversão, mecanicismo, sentimentos, sensações (do melhor ao pior), perversões, mostrando muitas vezes o lado intolerante da tal casa. 

(Há cenas de meninas violentadas, outras adoecendo, meninas totalmente enojadas com o sexo, a ponto de perderem totalmente o prazer, outras perdidas em busca de preenchimentos por exemplo em drogas efêmeras, etc).

E também o lado muitas vezes mais intolerante ainda de fora da casa. As belas jovens conversam sobre o mundo de fora e sem nenhum romantismo com as possíveis vidas de empregadas em outros trabalhos.  Tampouco por isso elas se glamourizam como putas, elas encaram com crueza e realismo a condição de serviçais (ou servas, já que esse parece o regime em que trabalham). Tratam da higiene, calculam os gestos e as conversas, falam do trabalho como "negócio".

Um universo extremamente rico. E Bertrand o capta muito bem. Excelente direção de arte e fotografia, casting preciso e diversificado, diálogos interessantes, cenas e curvas criativas no roteiro...


Mostrando a singularidade, a beleza e a poesia, fora do glamour, de sua história. Mas se desgastando um pouco nessas descrições. 


O filme é longo e é muito mais adjetivo do que narrativo, a mise-en-scène e as interpretações chegam muitas vezes a ser afetadas e quando não nos afetam com sensibilidade, nos cansam.
Fosse um pouco mais enxuto e seria mais acachapante.

De qualquer maneira é um filme ímpar: forte, poético e eloquente! Sem dúvida vale a sessão!



segunda-feira, 30 de janeiro de 2012

Os Famosos e os Duendes da Morte - Esmir Filho


Primeiro longa-metragem do jovem diretor brasileiro Esmir Filho, já datado de 2009,
Os Famosos e os Duendes da Morte é ousado, intimista e com cenas valiosas.


Em seus curtas, Esmir já esboçava uma carreira interessante, com domínio da linguagem (Saliva - foto à esquerda);

Brincadeiras de gêneros (Ímpar Par); ótima direção de atores (Alguma Coisa Assim - foto à direita); texto prosaico, inusitado, interessante... E até brincadeiras de sucesso (Tapa na Pantera , um hit no youtube).


Em Os Famosos e os Duendes da Morte Esmir parece buscar um filme tão intimista que muitas vezes parece etéreo. Filme de clima, cheio de subjetividades e poesia.


Às vezes nem tão bem dosadas e trabalhadas já que há desníveis de interpretação e a linguagem poética em alguns momentos chega a ser afetada...


Mas no geral o filme é envolvente, profundo e instigante. História de um garoto em uma pequena cidade do sul do Brasil, se deparando com desejos, encantos, ídolos, mortes, família, solidão e sua própria expressão (em linguagens contemporâneas de blogs, chats e afins).


Valeu a pena o preenchimento desta lacuna da cena brasileira atual de cinema! E entusiasmou na espera pelo próximo filme de Esmir!


sexta-feira, 27 de janeiro de 2012

2 Coelhos - Afonso Poyart


Estréia cinematográfica de Afonso Poyart, que antes apenas havia feito o curta:
Eu te darei o céu.
Entretanto Poyart tem experiência e fica nítido no ritmo e estética de 2 Coelhos: a publicidade.

2 Coelhos conta a história de um rapaz de classe média que se vê envolvido direta e indiretamente em crimes, falcatruas, trapaças, perseguições etc.


Filme de ação bem intenso, entretanto com um roteiro fraco e muitas vezes gratuito.



Pelo gosto pelo roteiro não linear há um quebra-cabeça da história que não instiga, nem traz muitas surpresas ou reflexões; 

Pelo gosto pela ação vem crimes e situações clichês e a falta de motivação e aprofundamento das personagens (um desperdício com um bom elenco);


Pela ação e como diferencial, animações que muitas vezes parecem ruídos cansativos.


Talvez seja apenas uma questão de gosto, de (des)identificação, de geração...


De qualquer maneira espero que o coelho possa sair da toca, pois tantas exemplos similares internacionais que fazem sucesso, que esse possa cair no gosto popular, ou ao menos daqueles que gostam de perseguições, intervenções gráficas, músicas pop, qualidade técnica...


terça-feira, 24 de janeiro de 2012

Adeus, Primeiro Amor (un amour de jeunesse) - Mia Hansen-Løve


A diretora francesa Mia Hansen-Løve traz em seu último filme, Adeus, Primeiro Amor, uma temática que lhe deve ser próxima e íntima: o primeiro amor e as descobertas da juventude.

Próxima e íntima ao tema, tanto por seu sobrenome, como por sua idade - Mia tem apenas 30 anos, apesar desse já ser seu 3o longa! (a foto de Mia ao lado foi aos 18 anos, quando entrou no mundo cinematográfico)

Por isso a diretora parece à vontade para trabalhar a história comum de uma adolescente completamente entregue ao seu primeiro amor. 

A intensidade do sentimento é tanta que ela se perde em medos e angústias, principalmente após o namorado partir em busca de aventuras pela América Latina, a deixando.

Camille, vivida pela carismática Lola Créton, sofre à exaustação, mas toca a vida. Mesmo com as notícias cada vez menos frequentes e menos carinhosas do namorado, Camille não perde as esperanças e se dedica aos estudos.

E, assim como na vida real, os lutos dos relacionamentos tem fim, e não só Camille começa uma nova vida, tem bons resultados nos estudos,  um promissor início de carreira, como acaba se envolvendo com outro homem.

Os méritos desse tema clichê estão na simplicidade da abordagem, no elenco, nos diálogos e em algumas reviravoltas surpreendentes, trilha sonora interessante...

O filme peca um pouco por não dar um tempo maior à contemplação, que poderia nos aproximar mais das personagens. 


Há cortes incessantes e as personagens nunca aparecem paradas, estão sempre andando, se movimentando, sentando, levantando... Nem mesmo quando relaxam ou conversam, pois no segundo seguinte já tem uma ação, o que nem sempre combina com o interior delas... 

E às vezes deixam os diálogos um pouco frios e repentinos demais (o que sempre pode ser pelo caráter francês dos envolvidos...)


Assistir a filmes de outras culturas sempre nos deixam na dúvida se está verossímil ou se não está exagerado ou se apenas faz parte daquele universo e do ser diferente...

Diferente, mas no caso, impossível também não se identificar... Confira o trailer, o filme e "volva un poco a los 17"...



quinta-feira, 19 de janeiro de 2012

Românticos Anônimos (Les émotifs anonymes) - J.P.Améris



Não muito conhecido por aqui, o diretor
Jean-Pierre Améris já tem cerca de uma dezena de longas em sua filmografia. O mais recente lançado, e que chegou por agora no Brasil, foi Românticos Anônimos, uma comédia singela e agradável.

A história de dois páreas: Angélique e Jean-René unidos pelo amor ao chocolate - que dedicam em uma chocolateria à beira do fracasso. O casal se sente atraído desde a primeira vista, mas ambos são traídos por suas manias, angústias, TOCs, síndromes... Por serem românticos excessivos e por enfim tentarem sair do anonimato...

O filme é correto e bom: casting, direção, qualidade técnica... Entretanto, para ser uma comédia e de um tema batido, faltou algum ponto mais criativo, uma situação a mais no roteiro, um algo a mais na interpretação, um exagero na linguagem, uma aproximação maior com as personagens...



(Algo que marcasse mais, como fez Lasse Hallström, que para adocicar seu romance Chocolate explorou as cenas do próprio doce de cacau afrodisíaco, provocando a imaginação e o padalar dos espectadores, em uma trama que também não esbanjava criatividade...).

De qualquer maneira, Românticos Anônimos é prazeroso. Como Angélique ao se referir ao chocolate: mesmo sem ser tão bom, é bom... Assim é essa comédia romântica...
Vale a degustada!

domingo, 15 de janeiro de 2012

As Aventuras de Spielberg (Adventures of Tintin) - Spielberg


Eterno coração de menino, Steven Spielberg parece se sair melhor em histórias de crianças, jovens e aventuras... 


(Já que é capaz também de filmes bem irregulares como A.I. - Inteligência Artificial e alguns que nem consegui ver inteiros como Guerra dos Mundos).

Aqui ele se inspira nas clássicas histórias do belga Hergé, Les Aventures de Tintin (tantan), Spielberg parece ter sido fiel aos personagens e a trama de Hergé em sua nova animação 3D.

Jornalista curioso, perspicaz, valente e com uma arma secreta - seu fiel companheiro canino Milu - 

Tintin compra uma réplica de um barco antigo e a partir dele descobre as histórias passadas do barco verdadeiro... 

Marinheiros, piratas, tesouros, cobiça, traições, vinganças, lealdade, lutas, viagens...

Boa história, bom ritmo, boa técnica (animação, 3D, visual, trilha...).


Tintin desperta o instinto aventureiro de nossas crianças internas e deslumbre por lugares desconhecidos e novas velhas histórias...