quinta-feira, 3 de novembro de 2016

Sniper Americano - Clint Eastwood


Clint Eastwood é um cineasta complexo.
Com pensamentos conservadores e reacionários, ele muitas vezes os questiona e tematiza.

Foi assim em Sobre meninos e lobos, Menina de Ouro ou Gran Torino - já comentados aqui - por exemplo, alguns de seus maiores filmes recentes.

Ele se coloca nos filmes como personagem de si mesmo (em Gran Torino e Menina de Ouro atua e em Sobre meninos e lobos seu alterego se dá na figura de Sean Penn) e tem suas razões questionadas por outros personagens - no primeiro uma descendente chinesa com referências e questionamentos muito diferentes dos seus;


No segundo por uma boxeadora que fica paralítica e passa a desejar a eutanasia;

E no terceiro por um homem valente que fazer justiça pelo assassinato de sua filha (e que por isso praticará uma grande injustiça).

Mas Clint nem sempre traz nuances em seus filmes, em A Troca ou Além da vida - também comentados aqui - apresenta o drama de forma exagerada e espetacular, sem tanto espaço para nuances.

Em Sniper Americano também. 
O retrato de um atirador de guerra poderia vir cheio de questionamentos complexos: por que matar, por que lutar, por que morrer?

Mas nenhuma dessas questões estão presentes no filme. Os tiros sempre são justificados pela questão patriótica, que se sobrepõe a questões humanas.

O valor da vida não é tematizado e o resultado é um filme competente e extremamente desumano.

Leia também os comentários contundentes do crítico Luiz Zanin aqui.

terça-feira, 1 de novembro de 2016

Um dia perfeito pra voar (Un dia perfecte per volar) - Marc Recha


O diretor catalão Marc Recha se encanta com temas da infância e apresenta isso em seu filme mais recente Um dia perfeito pra voar.

Marc constrói uma narrativa simples, pautada em inspirações biográficas (tanto que ele e seu filho atuam no filme, quase que numa homenagem de sua relação): um menino interagindo com um homem em uma montanha próxima a Barcelona.

Uma tarde se passa com o homem lhe ensinando a empinar uma pipa e lhe contando histórias e fábulas.


Durante essa interação o menino revela o universo lúdico, investigativo e imaginativo das crianças, um dos maiores méritos do filme.

Lembra bastante Ponette de Jacques Doillon - com comentários aqui, tanto pela abordagem com a criança quanto pela temática de imaginação e perda na infância, mas sem a força dramática espetacular que Doillon atinge. 

Recha faz uma construção mais prosaica, que no início encanta, mas se desgasta e acaba não decolando.


segunda-feira, 31 de outubro de 2016

Questões Pessoais (Omor Shakhsiya) - Maha Haj



Estréia da diretora Maha Haj em longas-metragens, ela faz um filme simples mas simpático.

Questões Pessoais apresenta conflitos familiares: desde o desafeto e tédio crescente em um casamento de décadas;

passando por conflitos de um casamento recente e uma gravidez;


ou por um namoro onde se enfrenta o receio do compromisso.

Maha constrói a trama com bom humor, exagerando um pouco as situações e colorindo o cotidiano com detalhes particulares, humanos e divertidos.

A rede - Kim Ki Duk



O coreano Kim Ki Duk é um dos cineastas mais talentosos na atualidade para pensar premissas filosóficas e conceituais para seus filmes e narrativas poéticas e sinestésicas.

Filmes como A Ilha, Time, Sonhos ou Pietà - já comentados aqui - trazem questões chave como: a duração do amor, o ciúmes, a simbiose afetiva, as relações familiares etc, sempre em narrativas extremamente criativas.


Em A Rede, Kim Ki Duk traz a questão política da divisão da Coréia a partir da história de um pescador da Coréia do Norte comunista, que sem querer atravessa a fronteira e passa a ser investigado por supostas espionagens na Coréia do Sul capitalista.

O tom do filme varia entre a ação e violência (de forma tipicamente oriental), comicidade e tragicidade da situação kafkaniana e dramaticidade dos afetos familiares e relação que se forma entre o pescador e um dos policiais.

A leitura de todas essas nuances para nós de cultura tão diferente pode instigar, chocar ou provocar estranhamentos dependendo do momento. Muitas vezes não sabemos se a peculiaridade é do personagem ou da própria cultura, mas isso também é o que enriquece nos colocar diante da obra e desse outro mundo tão diferente. O cinema se prova um portal para viagens narrativas.

A Rede trata desde os absurdos de investigações policiais, a angustia da tortura, o desafio da palavra e da honra até os prós e contras de sistemas políticos:

a abertura e selvageria do capitalismo e as restrições e privações do sistema "comum", "igualitário" e por isso também propenso a corrupções.

Os pontos fortes do filme são a construção intimista da tortura, os contrastes entre capitalismo e comunismo e a simplicidade do protagonista.

Para ressaltar ainda mais essas qualidades, Kim Ki Duk poderia ter optado por uma narrativa menos didática e mais poética, pois quando o filme faz esses respiros, é capaz de momentos sublimes.

A Garota Desaparecida (La fille inconnue) - Jean-Pierre e Luc Dardenne


A dupla de irmãos belgas Jean-Pierre e Luc Dardenne já bastante consagrada com seus filmes intimistas, densos e concisos como A Promessa ou O Garoto da bicicleta - já comentado aqui, apresenta um novo "caso" em A Garota Desaparecida.

Adèle Haenel conhecida por filmes como Aliyah e L'Apollonide: Os amores da casa de tolerância - também comentados aqui é uma médica em início de uma carreira promissora. Logo no início ela vive o dilema da carreira do quanto se envolver com os casos que trata.

Isso é colocado à prova quando deixa de atender uma campainha e a moça que a toca desaparece. 

A médica então muda um pouco suas atitudes e tenta compensar e reverter sua atitude, num novo papel  controlador, reparador e investigativo do caso.

O filme nos atrai a acompanhar bem de perto a trajetória da moça (num talento de direção que os Dardenne dominam muito bem e de maneira muito parecida com o belíssimo filme anterior Dois dias, uma noite), entretanto faltam elementos psicológicos que aprofundem a trama.

Diferente de outros filmes da dupla, que nos levam a diversas reflexões e lacunas instigantes, aqui a concisão deixa o filme um pouco plano. 

Não há crescentes, mudanças da personagem ou outras nuances, os coadjuvantes contribuem também com suas histórias, mas como aparecem de maneira um pouco estanque não trazem tantas curvas dramáticas à narrativa.

Faltam talvez mais variações das intenções dessa protagonista, ela ser mais confrontada e nos levar a mais emoções que nos aproximem da trama.

segunda-feira, 19 de setembro de 2016

Francofonia - Aleksandr Sokurov


Além de belíssimas ficções como Pai e Filho e O Sol, o russo Alexsandr Sokurov é conhecido por seus documentários ensaísticos como Arca Russa.


Agora Sokurov traz à cena o tema das obras de arte, seu valor e durabilidade e como isso pode ser disputado e agregado em uma guerra em Francofonia.

Sokurov traz reflexões densas e poéticas a partir do acervo do Louvre e como ele atravessou a 2a Guerra Mundial.

Um belo texto que o próprio diretor lê e que enriquece com imagens de acervo. Tanto acervo histórico, quanto do próprio acervo do museu francês (e mundial).

Bonito. Mas deixa a desejar, já que a combinação entre pensamentos, sons e imagens é um pouco simples e não chegam à altura de um tema tão profundo.

A Salvação (the salvation) - Kristian Levring


Filmes de gênero trabalham em uma narrativa em que já conhecemos certos personagens, certas peças do jogo e o ritmo em que são conduzidas, mas nem por isso os filmes precisam ser previsíveis e desinteressantes.


O dinamarquês Kristian Levring soube construir uma boa narrativa e fazer um filme internacional com A Salvação.

Fez uma ótima seleção de atores, especialmente com o protagonista vivido por Mads Mikkelsen - o talentoso ator de filmes como A Caça e O Amante da Rainha - já comentados aqui.


Destacando também Eva Green de Os Sonhadores e Casino Royale.


Ou Jeffrey Dean Morgan de filmes como Heaven - Em um Mundo Melhor - comentado aqui.

E construiu personagens interessantes e uma história densa de crimes ocorridos num velho oeste do século XIX: assassinatos, estupros, roubos, coações, corrupções, vinganças...

Que além de apresentar lados obscuros da alma humana, também contam um pouco da História: 

Seja o povoamento dos Estados Unidos a partir da migração de pessoas de todas as partes (inclusive da Dinamarca) pra lá;

Seja da cultura de abusos de poder e mesmo da ganância gerada por certo óleo preto, na época ainda desconhecido, mas já causador de interesses e extermínios.

quinta-feira, 1 de setembro de 2016

Não seja mau (non essere cattivo) - Claudio Caligari


Bastante premiado na Itália, Não seja mau, último filme de Claudio Caligari, se apresentou numa mostra especial de cinema italiano no Brasil.
Em ambiente e estética underground (econômica, rude, irreverente, criativa), mas com uma narrativa que se perde em moralismo, Claudio Caligari traz um filme irregular mas bastante interessante.

A história de jovens de uma pequena cidade italiana que vivem dramas pessoais e não se responsabilizam por nada, vivendo uma juventude inconsequente de violência, crimes e drogas.

Entretanto suas vidas os levam a novas relações e nelas algum senso de responsabilidade ou desejo de construção os fazem sair (ou tentar) da vida de ilegalidades.

Assim a vivacidade e força com que a trama é construída na primeira parte se perde no moralismo das vidas sem futuro, na derrota ou na esperança de futuro e redenção pelas novas gerações.