quinta-feira, 16 de junho de 2016

A Batalha do Chile (La batalla de Chile) - Patricio Guzmán


O documentarista chileno Patrício Guzmán ganhou destaque com sua cobertura do golpe chileno em 1973 na trilogia de:

 A Batalha do Chile (A Insurreição da Burguesia, O Golpe de Estado e O Poder Popular

Depois iniciou uma bela carreira com filmes como A Nostalgia da Luz, já comentado aqui.

Guzmán fez uma intensa documentação do momento histórico, começando pelas eleições e pela agitação popular;


Passando pelas principais decisões e crises do governo de Salvador Allende, a oposição vivida no Congresso;


A movimentação sindical, os acordos internacionais etc.


O que pareceu começar como um registro da polarização do país, se tornou um dos mais fortes documentos do que se tornou uma espécie de guerra civil, até o assassinato do presidente Allende e a consagração do golpe.

Ali se deu o início de uma das ditaduras mais duras da América Latina, que foi de 1973 a 1990, sob o comando de Augusto Pinochet.

A Batalha do Chile só foi lançado dois anos depois do golpe consumado, mas teve grande repercussão internacional, sendo considerado um dos melhores documentários de sua época.

O filme começa despretensioso sem imaginar as proporções do que iria acontecer. Mas aos poucos as imagens vão ganhando uma narração cada vez mais consistente e que acaba por tomar um partido para reportar os acontecimentos ao lado do povo.


Guzmán é bastante sóbrio e didático e acaba resultando em um filme potente e envolvente.

Um épico documental que vale a pena ser revisitado, principalmente em momentos de intensidade política.

quinta-feira, 2 de junho de 2016

Juventude (Youth) - Paolo Sorrentino


O diretor italiano Paolo Sorrentino, após o sucesso de A Grande Beleza - já comentado aqui, volta às telonas com Juventude.

Com a mesma linguagem grandiloquente, a mesma construção de cenas vigorosas, o mesmo tipo de narrativa em esquetes e tom épico e farsesco, mas dessa vez sem alcançar a mesma consagração.
Já em sua estréia em Cannes o filme dividiu o público e a crítica e em seu lançamento no Brasil provocou as mesmas contradições.

Talvez porque o filme seja irregular, tem cenas sublimes, belas e profundas, fazendo remeter muitos às obras de Fellini, mas com cenas mais mornas e cansativas.


A temática do filme é a recorrente crise de criação: uma dupla de artistas já em suas terceiras idades sem saber que rumo tomar.


O primeiro, vivido por Michael Caine, está desiludido, já não quer mais trabalhar, não encontra mais inspiração e só quer aproveitar o retiro nos Alpes suíços para descansar.

O segundo, vivido por Harvey Keitel, está atrás de sua grande obra, vive a ilusão de uma criação síntese de existência  e que possa dar sentido à sua vida.

O tom que Sorrentino encontra para essas personagens é ambíguo: há momentos em que ele nos coloca muito próximos a elas, vivendo o mesmo vazio (seja nos rompantes de ilusão de um, ou nos rompantes de desilusão do outro); seja em momentos que nos faz ver com distância, podendo nos deixar compadecidos, incrédulos, impassíveis ou - talvez sem intenção do diretor - desinteressados e entediados.

O filme ainda conta com outros personagens que multiplicam essas nuances, uma reunião de atores improvável e interessante: Paul Dano, Rachel Weisz, Jane Fonda etc.

A trama em si conta menos no filme, são as esquetes e simbologias que nos levam ao universo dos artistas e criadores, seus desejos e decepções, sua velhice ou sua juventude...

quarta-feira, 1 de junho de 2016

Mistress America - Noah Baumbach


Transitando entre linguagens (filmes, programas de TV e animações) o cineasta americano Noah Baumbach cria mais uma obra entre o humor e o drama a partir de grandes questões e cenas do cotidiano, o resultado dessa vez é Mistress America.

O cineasta é mais uma vez criativo e tem bons momentos, mas começa a se perder um pouco na temática recorrente da criação, crise profissional e  a dificuldade de amadurecimento. 


Já havia sido assim em Enquanto somos jovens e France Ha já comentados aqui.
Porém agora vem com menos força.


São os mesmos personagens, o mesmo tema, mas com textos mais vazios e caricaturais.

Uma pena, pois a lembrança de um de seus primeiros filmes é forte: Lula e a Baleia conta a história de uma família em mudança com graça e densidade: o divórcio dos pais, seus novos relacionamentos e a adolescência dos filhos são tratados com uma verossimilhança forte e envolvente.

Esperemos os próximos projetos e quem sabe uma reciclagem e reencontro com esse cinema tão instigante.

segunda-feira, 30 de maio de 2016

Bem-vindo ao Sul (Benvenuti al sud) - Luca Miniero


Experiente com as comédias, seja de TV ou de curtas e longas de cinema, Luca Miniero decidiu adaptar a comédia francesa A Riviera não é aqui para uma versão italiana em Bem-vindo ao Sul.

Nos dois filmes são apresentados contrastes de diferentes regiões de um país e revelados os diversos pré-conceitos que pessoas na mesma nação podem ter.
Bem-vindo ao sul tem uma narrativa bem simples: um homem de meia idade quer agradar sua esposa e conseguir uma transferência para Milão. Eles moram nos arredores e o sonho dela é morar na Praça central da cidade.

Mas essa transferência é muito concorrida e nem tentando trapacear ele consegue o feito. Ao contrário, como punição a é enviado ao sul, numa pequena província próxima a Nápole.

Ali o protagonista vai para passar as semanas trabalhando e voltando apenas para os finais de semana com a família. Assim, ele vive todos os temores do que pensa sobre os sulistas italianos, muitas se desmentindo e outras se comprovando.

Uma das interessantes questões é a falta de abertura das pessoas em conhecer o diferente. Sua esposa, por exemplo, quando lhe pergunta da nova vida, não quer saber o que de fato acontece ali, mas apena tenta confirmar os estereótipos.


A principal revelação do filme que o filme faz então é que as regiões são diferentes e podem apresentar vantagens e desvantagens.


Muito semelhante aos nossos preconceitos entre pessoas do sul-sudeste e norte-nordeste: em pessoas focadas no trabalho beirando a frieza e calculismo, e em pessoas voltadas ao lazer, beirando a preguiça.


Obviamente não existe uma região que seja uma coisa ou outra e são apenas aspectos culturais de regiões.

Por isso interessante a proposta de criar um filme para se rir dessas diferenças.

Apesar da linguagem simplória e das piadas ingênuas, Bem-vindo ao Sul tem uma importância cultural para o país e é uma ótima apresentação dos italianos como um todo para o mundo. Para os curiosos sobre o país, vale a degustação.

segunda-feira, 16 de maio de 2016

Ave, César! (Hail, Caesar!) - Joel e Ethan Coen



A dupla de cineastas-irmãos Joel e Ethan Coen estão em seu 19o filme: Ave, César!


Mais uma vez esbanjando humor irônico e personagens caricaturais (interpretados por um grande elenco como George Clooney, Josh Brolin, Scarlett Johansson, Ralph Fiennes e Tilda Swinton), os Coen dessa vez criam uma trama dentro da Hollywood dos anos 50.

Vemos os principais gêneros da época (musicais, westerns, dramas, épicos e suspenses), o funcionamento do star sistem e da linha de produção de cinema.

Também vemos os conflitos ideológicos vigentes apontando a evolução da guerra fria.


Mas sempre em tom de sátira.

Nas questões prosaicas de cotidiano e como comédia de costumes farsesca o filme vai muito bem.

Já nas questões políticas fica raso, desinteressante e não tão bem alinhado com a trama e personagem central:

o produtor Eddie Mannix que resolve todo tipo de problemas sem maiores questionamentos do que sua própria vida pessoal, portanto, sem caber dúvidas ideológicas ou existenciais.

O excesso de informações, personagens e piadas faz com que o filme pareça uma sucessão de esquetes, algumas muito boas e outras bem mornas: passamos por momentos memoráveis dentre as duas horas de filme, mas o resultado geral deixa a desejar.

quinta-feira, 12 de maio de 2016

Spotlight - Tom McCarthy


O ator americano Tom McCarthy tem se arriscado em algumas direções no cinema e na TV, um de seus trabalhos mais recentes, Spotlight, teve grande repercussão entre crítica e público.

Um dos maiores méritos do projeto foi a escolha do tema: a reportagem verídica feita pelo jornal The Boston e sua equipe spotlight sobre casos de abusos cometidos por padres católicos que ganhou o prêmio Pulitzer.

A investigação que começou com um caso local e particular foi desvendando uma prática comum e sistemática, acobertada pela igreja, sociedade, sistema judiciário e pela mídia.

O tema, sua relevância histórico-social e os personagens são muito interessantes, entretanto a abordagem do filme é rasa e fria.

Não há envolvimento com os personagens, não são construídas suas motivações, sentimentos e reações, apenas em momentos pontuais e de maneira sóbria.

Uma das raras exceções é um depoimento dado por um homem que conta do abuso sofrido: ele traz uma fala complexa, sobre a dificuldade de assumir sua homossexualidade e o abuso, mais do que físico, mas moral e espiritual sofrido.

O belo de sua fala é a lembrança do reconhecimento que sentiu de sua sexualidade através do desejo e aprovação de uma autoridade (o padre). Mas o peso que essa distorção teve em sua formação e a dificuldade para se recompor. 

É aqui que o filme deveria se focar. Ele poderia manter a sobriedade, certo rigor jornalístico e sem pesar no melodrama.

Mas não nos faria acompanhar o ponto de vista dos jornalistas de maneira quase inverossímil, sem nos emocionarmos com eles, sem acompanharmos associações e projeções inevitáveis em qualquer ser humano, não importa a imparcialidade que se busque nas investigações.

Ficamos sem saber praticamente nada de suas vidas pessoais, de suas infâncias, de seus filhos, de suas formações espirituais, ou seja, tudo que está em jogo quando se fala de abusos cometidos por padres.

Há alguns momentos mais emotivos dos jornalistas do caso, mas sem que eles sejam colocados em xeque em nenhum momento.

O máximo de dúvida e crise que enfrentam é como se relacionar com as informações que tiveram ou têm e como fazer as revelações.

É pouco. Para o tamanho do tema, fica fraco. Se ousasse mais, poderia se tornar um filme muito mais memorável e não um registro de uma reportagem memorável.