segunda-feira, 28 de julho de 2014

Riocorrente - Paulo Sacramento


Cineasta inquieto, engajado e experimental, desde a faculdade Paulo Sacramento fez curtas que chocavam e faziam pensar.

Sua carreira seguiu com grandes produções, fosse em seu excelente documentário O Prisioneiro da Grade de Ferro em que dividiu a câmera e a narrativa com detentos vivendo os últimos momentos do Carandiru.

Ou em suas parcerias: Sacramento produziu e montou filmes de nomes como Zé do Caixão e Cláudio Assis.
E foi se consagrando montador em parcerias com Sérgio Bianchi, Lina Chamie, Laís Bodanski, entre outros.


Agora Sacramento voltou à direção com a ficção Riocorrente.

O desejo documental seguiu, o filme parece fazer um panorama de São Paulo: as diferentes classes sociais, os embates, os cenários cinzas, a desolação, a solidão.

Uma artista plástica que divide suas noites (e dias) e seu corpo entre um professor de arte e um jovem que trabalha em um desmanche de carros na periferia e a relação deste com um garoto que ele tenta tirar das ruas.


O filme é árido, duro, cru e é com isso que instiga e impacta.


Porém falta drama. Falta mais força à trama do que os próprios conflitos da realidade.


Falta desenvolver na história como esses diferentes mundos que se chocam. Falta adensar mais as personagens e buscar mais unidade entre as cenas e as interpretações.


Sem isso o pacto de ficção do filme se perde um pouco e a força com que o filme começa não se mantém ao longo de todo o filme.


Há também cenas não realistas que ora propõe metáforas mais óbvias e ora metáforas mais herméticas. O entendimento e envolvimento acaba oscilando apesar da riqueza imagética e sensorial.

O resultado é um filme irregular, com pérolas (como retratos de São Paulo e os personagens do rapaz do desmanche e o menino, por exemplo).


Mas que também traz momentos mal construídos, como a discussão entre a artista e o professor, que vemos (ou ouvimos) através de uma janela e não nos aproxima dos personagens, nem os humaniza.


Sem uma interação mais profunda entre as cenas e personagens, como a vista no maravilhoso Som ao Redor, de Kleber Mendonça, já comentado aqui, Sacramento mais uma vez nos estimula, mas não atinge seu potencial máximo.

domingo, 27 de julho de 2014

O médico alemão (Wakolda) - Lucía Puenzo


A roteirista e diretora argentina Lucía Puenzo se debruçou sobre uma passagem verídica na história de um dos principais médicos de atuação no nazismo Josef Mengele em O médico alemão.


Com uma biografia digna de vilão dos piores thrillers e filmes de terror possíveis, Mengele foi autor de diversas experiências médicas atrozes e desumanas: desde pintar olhos de pessoas com tintas, até costurar e mutilar pessoas indiscriminadamente.

Assim, Lucía começa sua história numa narrativa intimista, dentro de uma família simples na região da Patagônia na Argentina.

A família está de mudança, assim como o "médico misterioso" e eles vão para um cenário isolado e peculiar: um hotel herdado por familiares e que será reaberto (nos fazendo lembrar de O Iluminado, de Kubrick).


A relação da família com o médico é intermediada por Lilith, uma adolescente com problema de crescimento.



Esse é o ponto de partida envolvente, instigante e promissor, que faz com que o médico se interesse e "invista" na família.

Mas e a garota?
Qual o seu fascínio em relação ao médico?

A possibilidade de que ele a cure?
Um flerte com o homem mais velho?
Um jogo de sedução com uma situação de mistério e perigo?

Essas perguntas ficam no ar e não são desenvolvidas, e aí o filme se enfraquece.

Nos leva a um olhar muito próximo dessa personagem, mas não a aprofunda. Não conhecemos mais sobre suas motivações, não vemos nuances, nem dimensões. Metáforas de um jogo de "bonecos" se ensaia, mas não se constrói propriamente.

A família se confirma como vítima do médico com promessas de salvação e ações de algoz, e a trajetória da menina é interrompida.

Bom argumento, cenários e fotografias não seguram o roteiro fraco e atuações e direção de atores irregulares.

O problema do filme acaba não sendo a menina não crescer de tamanho, mas de não amadurecer. Ela não parece afetada pela traição. E o público não se afeta muito com a ficção.

sábado, 19 de julho de 2014

O Enigma Chinês (Casse-tête chinois) - Cédric Klapish

Terceiro filme de uma série de Cédric Klapish iniciada com o belo e divertido filme juvenil O Albergue Espanhol, seguido do fraco Bonecas Russas e completado agora com O Enigma Chinês.

Klapish mais uma vez não tem medo de fazer um filme pop e agradável e mesmo sem aprofundar temas profundos como o amor, a paixão, a paternidade, adoção, homossexualidade, imigração ou a fidelidade, faz um interessante mosaico com seu enigma.

O jovem Xavier, vivido pelo múltiplo e atuante Romain Duris, que no primeiro filme vimos vivendo um momento de descobertas com o intercâmbio de faculdade e a vida numa república de múltiplas nacionalidades e culturas e também a crise do fim de seu primeiro amor;


E já no segundo sofreu para se iniciar na vida adulta.

Agora Xavier já é adulto: carreira, casamento, filhos... Mas nada segue tão sério e definitivo, ainda há dúvidas sobre quem é seu verdadeiro amor, como sobreviver, quais suas ambições artísticas, como interagir com tantas pessoas, culturas, países...

Os coadjuvantes seguem ali (antes menos conhecidos, com exceção de Audrey Tautou, e agora atores vistos em diversas produções como Kelly Reilly, vista em Sherlock Homes, por exemplo e Cécile De France, vista em Além da Vida, também comentado aqui).

Como no primeiro filme, os coadjuvantes compõe o mosaico e as peças do jogo e trazem uma diversidade bastante enriquecedora: outros pontos de vista sobre as questões do filme. 

E os cenários que no primeiro filme variavam entre Paris e Barcelona, com acréscimos de Londres e Rússia no segundo e agora cruzam o oceano e chegam em Nova Iorque.

O acompanhamento da história em capítulos também tem uma graça de poder nos aproximarmos cada vez mais dos personagens e podermos preencher lacunas. 

Um pouco como faz Richard Linklater na série Antes do Amanhecer / Pôr do Sol / Meia-noite, já comentados aqui.


E a linguagem leve e envolvente, com direito a grafismos, clipes e piadas, nos faz acompanhar com grande prazer essa espécie de comédia romântica.

Que Klapish siga variando filmes mais sérios como Paris - já comentado aqui e O Enigma Chinês, uma sessão da tarde (da manhã ou da noite) que vale a pena!

quinta-feira, 17 de julho de 2014

O que os homens falam (una pistola en cada mano) - Cesc Gay


Interessante filme do diretor catalão Cesc Gay, O que os homens falam traz várias histórias de homens de meia idade.



O filme é dividido em capítulos, espécies de curtas que funcionam de maneira independente, e expõe dramas de diferentes homens:

falidos e problemáticos, bem sucedidos e deprimidos, recém separados, apaixonados, traídos, traidores, introvertidos, extrovertidos, seguros, inseguros, mentirosos, honestos... Reais.

Ótimos argumentos, excelentes atores (como os grandes Javier Cámara, Ricardo Darín, Luis Tosar e Candela Peña) e saborosos diálogos sustentam o filme.

Falta um pouco mais de profundidade na abordagem ou talvez mais conexão entre as histórias, para não deixar a trama solta e nos manter mais conectados.

O potencial de filme agradável, divertido e inteligente está todo ali. E agrada bastante, poderia apenas ter tido uma lapidada a mais.

quarta-feira, 16 de julho de 2014

Praia do Futuro - Karim Aïnouz


Diretor sensível, ousado e talentoso, Karim já conquistou o público com seu primeiro filme: Madame Satã - forte, interessante e autêntico.
Seguiu em produções mais intimistas como belo Céu de Sueli e Abismo Prateado - já comentado aqui.


Em sua estréia mais recente, Praia do Futuro, Karim retoma o tema de encontro entre personagens solitários.

No acaso de um acidente, um aventureiro alemão conhece um salva-vidas brasileiro e começam um romance, vivido na ponte aérea Ceará-Berlin.

Karim constrói muito bem a paixão entre esses dois homens: as conversas, o gestual, o toque...

Enriquecendo a última safra dos bons filmes gays brasileiros como Tatuagem e Hoje eu quero voltar sozinho, também comentados aqui.

Em Praia do Futuro, o foco é o idílio, e as lacunas narrativas e dramáticas não fazem falta no início, tornam até o filme mais poético e instigante.

Entretanto, com a progressão da trama, não há um adensamento da história ou das personagens que acompanhem.

Karim parece querer falar de conflitos e angústias que estão além dos fatos e que talvez não pudessem ser expressados em palavras, mas não nos dá todo o material suficiente para nos envolvermos, como fez tão bem Jacques Audiard em Ferrugem e Osso, também comentado aqui. Ali as fraturas dos personagens se faz mais presente, e por mais que não haja uma radiografia explícita há material para nos aproximamos mais das emoções.

A temática de Praia do Futuro é extremamente rica: homossexualidade, preconceito, despatriamento, separações, falta de rumo, coragem, covardia, desafios.


A poesia também está presente: diálogos entrecortados, expressões contidas, lindas locações.

Mas faltou um pouco mais para mergulharmos plenamente na história, como ela merece.

quarta-feira, 9 de julho de 2014

Vic + Flo viram um urso - Denis Côté


O produtor, documentarista e diretor canadense Denis Côté aparece por aqui com o instigante Vic + Flo viram um urso.

Um misto de drama intimista, suspense e thriller, Côté traz uma trama interessante, mas um tanto desequilibrada.


O filme começa muito bem com as personagens estranhas e misteriosas. Suas peculiaridades são cativantes e vamos sendo motivados a conhecer suas histórias.


A construção lacônica e econômica é muito competente e faz lembrar desde filmes mais realistas como o excelente Há tanto tempo que te amo (já comentado aqui). 

Ou europeus mais excêntricos como Sozinho contra todos (comentado aqui), A Humanidade (comentado aqui) e o mais recente O Estranho no lago, também comentado aqui

Vic+Flo também nos remete a exemplos mais estranhos como os orientais Old Boy de Chan-Woo Park, Pieta, de Kim Ki-Duk ou mesmo Cães Errantes de Ming-liang, comentados no blog.

Entretanto Côté não avança e aprofunda tanto a construção de personagens e a maneira mais bizarra como encaminha sua história nos deixa um pouco perdidos e perplexos.

O desfecho acaba nos desconectando um pouco e diluindo a força do filme, que não seguram com sua boa premissa e boa construção (atores, foto, arte, montagem…).